sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Crítica: Macbeth - Ambição e Guerra


Há quem confunda as peças Hamlet e Macbeth, de William Shakespeare.  Embora ambas falem de reinados de terror, movidos pela traição, sangue e vingança, cada uma tem as suas peculiaridades e seus fantasmas. Tanto Hamlet quanto Macbeth são personagens trágicos. Na primeira, o príncipe Hamlet busca vingar a morte do pai, o rei Hamlet, assassinado pelo próprio irmão, Claudio, que, além de usurpar o trono, se casou com a rainha Gertudres. Na segunda, após o vaticínio de três bruxas, de que se tornaria rei da Escócia, o general Macbeth, envolvido pela ambiciosa esposa Lady Macbeth, mata o rei Duncan, tornando-se um tirano que aos poucos vai sendo consumido pela paranoia.


Assim como Hamlet, Macbeth mereceu inúmeras adaptações para teatro, tv, hq e cinema. A mais recente a chegar às telonas é a do visionário diretor australiano Justin Kurzel. O seu magnífico Macbeth, com roteiro assinado por Todd Louiso, Jacob Koskoff e Michael Lesslie, tendo à frente um elenco vigoroso, cujas interpretações viscerais nos perseguem por horas e dias depois da sessão, é uma versão compacta e inovadora da tragédia original..., sem perder a introspecção que o texto shakespeariano exige.


A narrativa sombria que introduz o espectador nas geladas brumas mortuárias (numa abertura arrepiante) e o conduz no cinza-sangue das batalhas azuláceas até o cinza-fogo da luta pela coroa escocesa, na mais que perfeita sintonia com a fotografia de Adam Arkapaw e a espetacular direção de arte de Fiona Crombie, é tão envolvente e impactante que o público dificilmente se aperceberá do longo tempo compartilhado. É importante frisar que a fotografia e a arte (que pintam a tela em surpreendentes tons que não “existem”) dão suporte ao valoroso conteúdo, pontuando gritos e sussurros, não o contrário.


Macbeth - Ambição e Guerra (Macbeth, 2015) é tenso, intenso, violento..., fascinante. Grandioso em seu esqueleto e por vezes teatral em sua estética e gestual, jamais soa como teatro filmado. Arte em estado bruto, passa ao largo das armadilhas dramáticas e das facilidades do clichê piegas para agradar preguiçosos. Com suas pausas e longos diálogos, ou melhor, monólogos morais e insanos de Macbeth (Michael Fassbender) e ou pérfidos e venenosos de Lady Machbeth (Marion Cotillard), o mergulho na psique tortuosa do ambicioso e mesquinho casal é perturbador. Imersão parecida, ao cerne do drama, possivelmente só se repita ao vivo, em um bom teatro.



Poderia dizer que Macbeth é uma metáfora à política dos dias brasileiros de hoje, mas não o é. Por aqui grassa a hipocrisia e não a vergonhosa paranoia da culpa. Por aqui a ambição ao cargo supremo do país é irrestrita em todos os poderes. Nivela-se por baixo..., um sustenta o outro só até o próximo desnível, onde enfia-se a farpa além da conta e ou retira-se a farpa para equilibrar a outra ronda. O senso moral de Macbeth e ou de Hamlet não encontra palco também em outros circos latinos com seus políticos ladinos popularizando aplausos em troca de pão e água e, quiçá, papel higiênico. Na generalidade do mundo, há pouco terreno para a viciada trupe política montar a lona e desfiar o seu vil espetáculo popularesco: Toma! Toma! Toma!..., para patéticas e submissas plateias cegas, surdas e mudas. Macbeth não chega a metaforizar os dias presentes e futuros dos cidadãos “politizados” e ou imbecilizados, mas, para quem conseguiu se safar da hipnose coletiva e pensar por conta própria, abre caminho para profundas reflexões sobre o ser político e suas balelas. Ao sair, convém deixar a luz acessa, sempre há algum retardatário à espera de um bom chacoalho pra ficha cair...

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