Pode se dizer que muito telespectador “descobriu” o cinema
brasileiro através das “comédias” chulas, ainda rentáveis nas suas mesmices. Aproveitando
a boa brisa, algumas apostas no drama e no suspense ainda não tiveram a mesma
acolhida. Mas, como se diz que quem não se faz ver não é lembrado, a sala agora
é de O Vendedor de Passados.
Baseado no romance homônimo do angolano José Eduardo
Agualusa, o filme dirigido por Lula
Buarque de Holanda gira ao redor de Vicente
(Lázaro Ramos), um dedicado criador
de novas biografias para relevar o passado de uma clientela afoita por uma
plástica na sua frustrante vida. O trabalho rotineiro é desgastante, mas nenhum
tão desafiador quanto o encomendado por uma misteriosa cliente (Alinne Moraes) que, além da vida
reescrita do zero, quer ter cometido um crime. Farsa por farsa, que a manipulação
da sua história seja a melhor. Ou, ao menos, mais verosímil!
Pura ficção, você diria. Nem tanto! Recentemente foi lançado
na Espanha o livro O Impostor, do
escritor Javier Cercas, em colaboração com o historiador Benito Bermejo, que
desvela a farsa montada pelo espanhol Enric Marco, de 94 anos, que nas últimas três
décadas se passou por sobrevivente do Holocausto e chegou a ser presidente da
Amical Mauthausen, associação de vítimas do nazismo. Leia sobre o caso aqui no
site da BBC-Brasil. E por
falar em Brasil, todo cidadão bem informado sabe que, no período da ditadura, o
Zé Dirceu, do PT, fez plásticas, para não ser reconhecido, mudou o nome para
Carlos Henrique Gouveia de Mello, foi morar clandestinamente em Cruzeiro do
Oeste, interior do Paraná, onde, sem revelar o seu passado, se casou com Clara
Becker e foi vivendo assim até que a anistia chegou e ele se desfez das
plásticas etc. É claro que esses casos não são únicos no mundo. Mas vamos ao
que interessa!
Perdido entre a coxia e o palco de manipulações de
sentimentos, O Vendedor de Passados,
ironicamente, carece (!) de identidade. Assim como um cachorro que corre latindo
atrás dos carros e não sabe o que fazer quando o veículo para, ele saltita
entre o drama (melancólico), o suspense (intenso) e a comédia (enfadonha), deixando
a plateia atônita e seus protagonistas presos num labirinto de árvores
genealógicas cobertas de frutos estranhos. Frutos que, se colhidos a tempo, por
mãos certas, dariam uma boa salada, mas que acabam apodrecendo por não se ter
onde guardar novas ideias entre tantas quinquilharias (tão somente) cênicas.
É um filme de interrupções. Nenhum gênero se completa. A
trama não encontra um álbum vazio para preencher com novidades. E se o
encontrasse possivelmente não saberia o que colar ali. Pois, no ponto alto da narrativa,
quando a cliente de Vicente toma uma
surpreendente decisão, e se espera que o enredo comece a lustrar o seu fecho de
ouro, o roteiro que deveria dizer a que veio, vira galhofa. A tempestade com
raios e trovões não passa de antiácido vencido num copo d’água. E fica o dito
pelo não dito no reino da conversa mole. Quem manda acreditar em tudo o que vê
e ouve!
Enfim, ultimamente tenho visto promessas que não se cumprem
no cinema brasileiro. Os argumentos até são razoáveis, mas os roteiros não
passam de equivocadas boas intenções. O
Vendedor de Passados chega com uma boa lábia, boa mesmo! Mas, conversa vai
conversa vem, o blá-blá-blá perde o encanto e o diamante se desvela vidro na
boca de cena do terceiro ato. Pelo menos para um comprador um pouco (nem digo
muito) mais exigente.
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