segunda-feira, 25 de maio de 2015

Crítica: O Vendedor de Passados


Pode se dizer que muito telespectador “descobriu” o cinema brasileiro através das “comédias” chulas, ainda rentáveis nas suas mesmices. Aproveitando a boa brisa, algumas apostas no drama e no suspense ainda não tiveram a mesma acolhida. Mas, como se diz que quem não se faz ver não é lembrado, a sala agora é de O Vendedor de Passados.

Baseado no romance homônimo do angolano José Eduardo Agualusa, o filme dirigido por Lula Buarque de Holanda gira ao redor de Vicente (Lázaro Ramos), um dedicado criador de novas biografias para relevar o passado de uma clientela afoita por uma plástica na sua frustrante vida. O trabalho rotineiro é desgastante, mas nenhum tão desafiador quanto o encomendado por uma misteriosa cliente (Alinne Moraes) que, além da vida reescrita do zero, quer ter cometido um crime. Farsa por farsa, que a manipulação da sua história seja a melhor. Ou, ao menos, mais verosímil!

Pura ficção, você diria. Nem tanto! Recentemente foi lançado na Espanha o livro O Impostor, do escritor Javier Cercas, em colaboração com o historiador Benito Bermejo, que desvela a farsa montada pelo espanhol Enric Marco, de 94 anos, que nas últimas três décadas se passou por sobrevivente do Holocausto e chegou a ser presidente da Amical Mauthausen, associação de vítimas do nazismo. Leia sobre o caso aqui no site da BBC-Brasil. E por falar em Brasil, todo cidadão bem informado sabe que, no período da ditadura, o Zé Dirceu, do PT, fez plásticas, para não ser reconhecido, mudou o nome para Carlos Henrique Gouveia de Mello, foi morar clandestinamente em Cruzeiro do Oeste, interior do Paraná, onde, sem revelar o seu passado, se casou com Clara Becker e foi vivendo assim até que a anistia chegou e ele se desfez das plásticas etc. É claro que esses casos não são únicos no mundo. Mas vamos ao que interessa!


Perdido entre a coxia e o palco de manipulações de sentimentos, O Vendedor de Passados, ironicamente, carece (!) de identidade. Assim como um cachorro que corre latindo atrás dos carros e não sabe o que fazer quando o veículo para, ele saltita entre o drama (melancólico), o suspense (intenso) e a comédia (enfadonha), deixando a plateia atônita e seus protagonistas presos num labirinto de árvores genealógicas cobertas de frutos estranhos. Frutos que, se colhidos a tempo, por mãos certas, dariam uma boa salada, mas que acabam apodrecendo por não se ter onde guardar novas ideias entre tantas quinquilharias (tão somente) cênicas.

É um filme de interrupções. Nenhum gênero se completa. A trama não encontra um álbum vazio para preencher com novidades. E se o encontrasse possivelmente não saberia o que colar ali. Pois, no ponto alto da narrativa, quando a cliente de Vicente toma uma surpreendente decisão, e se espera que o enredo comece a lustrar o seu fecho de ouro, o roteiro que deveria dizer a que veio, vira galhofa. A tempestade com raios e trovões não passa de antiácido vencido num copo d’água. E fica o dito pelo não dito no reino da conversa mole. Quem manda acreditar em tudo o que vê e ouve!


Enfim, ultimamente tenho visto promessas que não se cumprem no cinema brasileiro. Os argumentos até são razoáveis, mas os roteiros não passam de equivocadas boas intenções. O Vendedor de Passados chega com uma boa lábia, boa mesmo! Mas, conversa vai conversa vem, o blá-blá-blá perde o encanto e o diamante se desvela vidro na boca de cena do terceiro ato. Pelo menos para um comprador um pouco (nem digo muito) mais exigente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...