Todo filme experimental acomoda o cinéfilo de
carteirinha e ou incomoda o espectador de ocasião. Na viagem cinematográfica proposta
por Michael Wahrmann em Avanti Popolo não há meio termo. Ou se pega
carona no carro cujo motorista em fuga espera o anoitecer para dirigir anonimamente
por ruas desconhecidas, embalado por canções latino-americanas engajadas, até se
defrontar com um homem trôpego e sua mala cheia de mágoas. Ou a saída! Ou se embarca no resgate de registros caseiros
em Super-8, de uma gente que nunca se viu, e na ressignificação do (não) fazer
cinematográfico panfletário, engajado, proletário ou de autor. Ou a saída!
Em Avanti
Popolo (Brasil, 2013) pouco ou nada se sabe do horizonte de seus
protagonistas: um filho (André Gatti) recém-divorciado que busca
conforto na velha casa do monossilábico pai
(Carlos Reichembach), que vive na
companhia da inquieta cadela Baleia (Estopinha) e à espera do outro filho
que sumiu na soviética. O universo deste trio é micro. O que mantém a casa em
pé são as recordações empoeiradas, as lembranças que decoram a imutável sala com
sua janela emperrada pela esperança mofada e uma escada que leva a algum lugar
do passado também emperrado. Na casa térrea, somente a memória acinzentada pode
ocupar um primeiro andar inexistente.
Assim como o carro que segue a esmo (no
prólogo), com seu motorista oculto, guardadas as devidas e poéticas proporções,
remete ao belíssimo Viajo
Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009), de Marcelo
Gomes e Karin Aïnouz..., a casa com suas velharias, o estranhamento entre pai e filho, reminiscências, dependências fechadas, o sofá como cama...,
remetem ao enfadonho Quando Eu Era Vivo (2014), de Marco
Dutra. O seu desconforto está na trinca das paredes e entre pai e filho..., nas belas, melancólicas e casuais pinturas que saltam aos
olhos na tinta esmaecida das paredes..., na fugidia cadela Baleia, prisioneira em uma outra história.
Avanti
Popolo “fala” de família e de cinema em tempo de revolução. Não
necessariamente nessa mesma ordem ele “desconstrói” a família e o cinema em
tempos de pós-revolução. A distração atemporal é premeditada. O entrefotograma,
também. Metáforas abundam em sequência a plano-sequência a plano-consequência a
plano com sequência..., ou não, na leitura do espectador. No subtexto, prenúncio
de um novo cinema que já nasce velho (ou natimorto?), e que afinal encontra a
sua moldura ideal no antigo templo do Cine São José.
Há mais ou menos 30 anos essa mistura de cinema
novo com novela vaga, essa desconstrução de linguagem acadêmica (por
acadêmicos) seria sensacional. Hoje, essa experimentação meio setentista soa (a
mim) mais como uma curiosidade, um exercício de (meta)linguagem por vezes
interessante e por vezes aborrecido. Aliás, os dois melhores momentos são os
que ilustram situações de aborrecimento do filho.
No primeiro, impaciente e com desdém, ele
assiste à ressignificação de sequências cinematográficas alheias em contexto revolucionário
e ao discurso nonsense de um cineasta
(Marcos Bertoni) e técnico em
equipamento Super 8, que expõe (com seriedade contagiante), em tempo real, as
suas ideias políticas sobre um certo (re)fazer cinematográfico político. Ora, uma
vez que o híbrido (docudrama e ou docuficção) Avanti Popolo também é anticinema, e ou conclui-se como, ri de si
mesmo ao rir da proposta nonsense (retrôguarda)
do criador do Dogma 2002..., paródia (?)
ao Dogma 95, de Lars von Trier e
Thomas Vinterberg. No segundo, que na verdade é uma divertida sequência
anterior, reforçando a “indiferença ao cinema engajado” e o achincalhe
“revolucionário”, no alto da sua arrogância, o filho é obrigado a suportar um taxista “nacionalista” (Eduardo Valente) e o seu brinde de
hinos estrangeiros..., que se sabe, geralmente é fruto de (pré ou pós) revolução.
Provavelmente a maior provocação de Avanti Popolo (cujo título, conforme explicação radiofônica, faz jus à narrativa) esteja no elenco formado
pelos cineastas Carlos Reichenbach (1945- 2012) e Marcos Bertoni, o
pesquisador de cinema André Gatti, o crítico de cinema Eduardo Valente. Para
não-atores, acostumado aos bastidores e não à frente das câmeras, as atuações
até que são razoáveis. O melhor, talvez pela naturalidade de representar a si
mesmo, me pareceu Bertoni. Ah, sim,
Michael Wahrmann, além do roteiro e direção, faz o locutor de uma rádio
apaixonado por música de protesto.
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