quarta-feira, 11 de junho de 2014

Crítica: Avanti Popolo


Todo filme experimental acomoda o cinéfilo de carteirinha e ou incomoda o espectador de ocasião. Na viagem cinematográfica proposta por Michael Wahrmann em Avanti Popolo não há meio termo. Ou se pega carona no carro cujo motorista em fuga espera o anoitecer para dirigir anonimamente por ruas desconhecidas, embalado por canções latino-americanas engajadas, até se defrontar com um homem trôpego e sua mala cheia de mágoas. Ou a saída!  Ou se embarca no resgate de registros caseiros em Super-8, de uma gente que nunca se viu, e na ressignificação do (não) fazer cinematográfico panfletário, engajado, proletário ou de autor. Ou a saída!

Em Avanti Popolo (Brasil, 2013) pouco ou nada se sabe do horizonte de seus protagonistas: um filho (André Gatti) recém-divorciado que busca conforto na velha casa do monossilábico pai (Carlos Reichembach), que vive na companhia da inquieta cadela Baleia (Estopinha) e à espera do outro filho que sumiu na soviética. O universo deste trio é micro. O que mantém a casa em pé são as recordações empoeiradas, as lembranças que decoram a imutável sala com sua janela emperrada pela esperança mofada e uma escada que leva a algum lugar do passado também emperrado. Na casa térrea, somente a memória acinzentada pode ocupar um primeiro andar inexistente.  


Assim como o carro que segue a esmo (no prólogo), com seu motorista oculto, guardadas as devidas e poéticas proporções, remete ao belíssimo Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009), de Marcelo Gomes e Karin Aïnouz..., a casa com suas velharias, o estranhamento entre pai e filho, reminiscências, dependências fechadas, o sofá como cama..., remetem ao enfadonho Quando Eu Era Vivo (2014), de Marco Dutra. O seu desconforto está na trinca das paredes e entre pai e filho..., nas belas, melancólicas e casuais pinturas que saltam aos olhos na tinta esmaecida das paredes..., na fugidia cadela Baleia, prisioneira em uma outra história.

Avanti Popolo “fala” de família e de cinema em tempo de revolução. Não necessariamente nessa mesma ordem ele “desconstrói” a família e o cinema em tempos de pós-revolução. A distração atemporal é premeditada. O entrefotograma, também. Metáforas abundam em sequência a plano-sequência a plano-consequência a plano com sequência..., ou não, na leitura do espectador. No subtexto, prenúncio de um novo cinema que já nasce velho (ou natimorto?), e que afinal encontra a sua moldura ideal no antigo templo do Cine São José.


Há mais ou menos 30 anos essa mistura de cinema novo com novela vaga, essa desconstrução de linguagem acadêmica (por acadêmicos) seria sensacional. Hoje, essa experimentação meio setentista soa (a mim) mais como uma curiosidade, um exercício de (meta)linguagem por vezes interessante e por vezes aborrecido. Aliás, os dois melhores momentos são os que ilustram situações de aborrecimento do filho.  

No primeiro, impaciente e com desdém, ele assiste à ressignificação de sequências cinematográficas alheias em contexto revolucionário e ao discurso nonsense de um cineasta (Marcos Bertoni) e técnico em equipamento Super 8, que expõe (com seriedade contagiante), em tempo real, as suas ideias políticas sobre um certo (re)fazer cinematográfico político. Ora, uma vez que o híbrido (docudrama e ou docuficção) Avanti Popolo também é anticinema, e ou conclui-se como, ri de si mesmo ao rir da proposta nonsense (retrôguarda) do criador do Dogma 2002..., paródia (?) ao Dogma 95, de Lars von Trier e Thomas Vinterberg. No segundo, que na verdade é uma divertida sequência anterior, reforçando a “indiferença ao cinema engajado” e o achincalhe “revolucionário”, no alto da sua arrogância, o filho é obrigado a suportar um taxista “nacionalista” (Eduardo Valente) e o seu brinde de hinos estrangeiros..., que se sabe, geralmente é fruto de (pré ou pós) revolução.

Provavelmente a maior provocação de Avanti Popolo (cujo título, conforme explicação radiofônica, faz jus à narrativa) esteja no elenco formado pelos cineastas Carlos Reichenbach (1945- 2012) e Marcos Bertoni, o pesquisador de cinema André Gatti, o crítico de cinema Eduardo Valente. Para não-atores, acostumado aos bastidores e não à frente das câmeras, as atuações até que são razoáveis. O melhor, talvez pela naturalidade de representar a si mesmo, me pareceu Bertoni. Ah, sim, Michael Wahrmann, além do roteiro e direção, faz o locutor de uma rádio apaixonado por música de protesto.

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