quarta-feira, 29 de junho de 2011

Crítica: Meia Noite em Paris



O tempo passa, a idade avança e a cada filme Woody Allen (não que precise) prova que ainda é um grande mestre da sua arte. A comédia Meia Noite em Paris é mais uma daquelas pérolas que deve matar de inveja os cineastas menores que "se fazem” em cima da escatologia e das repetidas “piadas” de mau gosto. Não é que Woody não se repita em suas histórias, a diferença é que, se ele o faz, é sempre por um novo viés. 

Quem nunca quis viver numa época diferente, até mesmo para fugir da sua realidade? Em Meia Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011), o norte-americano Gil Pender (Owen Wilson), roteirista de sucesso em Hollywood, sonha em largar a carreira para se dedicar exclusivamente à literatura. Apaixonado por Paris e embevecido com a ideia de dar um novo rumo à sua vida de escritor, aproveita que está de férias na capital francesa, junto com a noiva Inez (Rachel McAdams) e os pais dela, John (Kurt Fuller) e Helen (Mimi Kennedy), para comunicar a sua decisão. Se os opostos se atraem, Gil e Inez se distraem em interesses outros. Ele quer consumir cultura, encontrar resquícios da adorável Paris dos dourados anos 1920. Ela prefere o consumo material e gastronômico. Ele quer morar em Paris e ela em Malibu. Ele busca na reflexão sobre o fazer arte a inspiração para o seu livro. Ela se contenta em ouvir o enciclopédico pedante Paul (Michael Sheen) falar sobre arte. 


Desencontros à parte, certa noite Gil está meio perdido, a caminho do hotel, quando um carro antigo para ao seu lado e ele é convidado por F. Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston) e Zelda Fitzgerald (Alison Pill) a entrar e a passear pela Cidade Luz e conhecer os seus mais ilustres moradores: Gertrude Stein (Kathy Bates), Hemingway (Corey Stoll), Cole Porter (Yves Heck), Picasso (Marcial Di Fonzo Bo), Salvador Dali (Adrien Brody), T.S. Eliot (David Lowe), Buñuel (Adrien de Van), entre outros. A cada noite a magia se repete e ele viaja ao passado para saborear a companhia de artistas renomados e da encantadora estilista Adriana (Marion Cotillard), ex-amante de alguns futuros famosos. Enquanto para Gil a divertida viagem é algo surreal, para os verdadeiros surrealistas, é coisa normal. O que rende ótimas e inteligentes piadas. O mais interessante é que esses encontros maravilhosos e além da imaginação são tratados de forma tão natural e distraída que o espectador até se esquece da excelente direção de arte de Anne Seibel

Paris é a cidade fetiche de muita gente. Já foi homenageada inúmeras vezes por outros autores americanos, mas raramente de forma tão amorosa como fazem Allen, além do cartão postal, e o diretor de fotografia Darius Khondji, além do lugar comum. Na história que se desenha e se escreve, Woody mergulha fundo na alma cultural (e romântica) dela, vasculha o seu passado para entender o pensamento intelectual que influencia o seu presente. Se a cultura de amanhã é o reflexo da arte que se faz hoje, por que pensar e considerar o ontem tão melhor, se o que interessa é que o futuro seja promissor? É através dessa ironia da sublimação de um tempo passado, que está sempre retornando ao passado, na indefinição do futuro, que Allen vai tecendo a sua filosofia de vida e da arte, às vezes melancólico, às vezes realista, mas nunca gratuito. Ele pode até parecer um derrotado, mas é, com certeza, cheio de esperança. 


Com seu humor nonsense e repleto de referências culturais, Meia Noite em Paris é um filme que requer um pouco mais de conhecimento do espectador. Se desconhecer os autores citados e ou as suas obras, com certeza não vai entender nenhuma piada. A inspirada comédia que garante um sorriso gostoso e uma inesquecível viagem por Paris traz um elenco afinado (com o seu tempo). É bem provável que ao final, quando Gil Pender finalmente curtir a chuva parisiense, que há de levar bem mais que a sua alma, o público fique com uma dúvida: se a arte de hoje é (realmente) feita para o amanhã, a de ontem é (realmente) consumida hoje, quando ela é (realmente) contemporânea? 

2 comentários:

  1. Eu gostei do filme, mas ainda assim achei ele inferior a muitos outros de Woody Allen. Embora seja muito superior ao que passa nas telas de cinema. O que não é pouco.

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  2. Olá, Antunes.
    Eu sou suspeito demais pra falar de Woody Allen.
    Não consigo me lembrar de que filme não gosto.
    Este foi uma deliciosa viagem, tamanha a naturalidade com que ele trata tema e personagens.
    Talvez porque eu tenha uma passado surrealista.

    Abração.

    T+
    Joba

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