B E N E D E T T A
por Joba Tridente
Há uma lenda que conta: Quando Jesus nasceu, um grito de dor ecoou por toda a Grécia, anunciando
que o alegre Deus Pã (Deus da
Natureza, dos Pastores, o Amante da Música e criador da Flauta
de Pã) morreu. Com a morte de Jesus Cristo surgiu um “novo” conceito
religioso (que, conforme a mitologia judaico-cristã, é contrário às suas
reflexões): o cristianismo, com suas hediondas cruzadas, invasões e apropriações
de terras e de obras de arte, negação da ciência, inquisições, catequeses,
conluio com governos extremistas,
escravização de povos nativos etc. São muitos os atos ignominiosos (em nome de Jesus Cristo) à disposição de qualquer
um que queira mergulhar em águas turvas ou na lama para entender as origens obscuras
da fé cega cristã.
Para falar de cristianismo e/ou de catolicismo, nos
dias de hoje, qualquer autor tem de estar muito bem preparado para expor seu
ponto de vista às plateias fanáticas e/ou liberais. Pois, conforme o enfoque, ele
pode sair do palco com arranhões provocados por espinhos venenosos e/ou coroado
com auréola de luz néon. O polêmico diretor holandês Paul Verhoeven que o diga!
Não está sendo fácil enfrentar hordas de católicos carolas no lançamento do seu
provocativo drama histórico Benedetta, situado no século XVII. Haja hipocrisia
na eucaristia de cada um preocupado com o pecado alheio que é sempre maior que
o seu...
“Um
convento não é um lugar de caridade”
Adaptado livremente do livro Immodest Acts: The Life of a Lesbian Nun in Renaissance Italy
(1986), da historiadora Judith C. Brown, por Verhoeven e David Birke, o drama com
viés satírico Benedetta (França,
Bélgica, Holanda, 2021), que vem sendo considerado blasfêmia pelos católicos arrogantes
(que preferem as lendas aos fatos), conta a história real da Irmã Benedetta Carlini (Virginie Efira), criada para ser uma
fiel Esposa de Jesus Cristo (Jonathan Couzinié), e que, já adulta e
vivendo desde criança no Convento da Mãe de Deus, afirma ver e conversar com Jesus (seu futuro marido) e, como prova,
até recebe seus estigmas. Há relatos de que,
quando menina, Benedetta (Elena Plonka) também conversava com Maria, mãe de Jesus, que a protegia e atendia aos seus pedidos (alguns deles
estão na narrativa).

A história das visões e da intimidade sagrada e
profana de Benedetta e Jesus (galanteador, vingador, salvador,
assexuado, deus) ganha força e desperta o interesse investigativo do Vaticano e
a adoração do povo crédulo de Pescia, na Toscana, Itália, onde fica o convento,
comandado pela Abadessa Felicita (Charlote Rampling), mais preocupada com
os lucros da Casa Sagrada do que com a fé..., ao contrário da Irmã Christina (Louise Chevillotte), que não acredita nas visões e profecias de Benedetta. Porém, como toda via tortuosa
dos pecados confessáveis e/ou ocultáveis tem lá a sua cruz expiatória, enquanto
a peste negra se espalha pela Itália, a rotina de orações, enlevo e visões de Benedetta ganha novos odores e adornos, com
a chegada de Bartolomea (Daphné Patakia) ao convento. A jovem
acaba provocando na Irmã Benedetta um
intenso desejo sexual, deixando-a entre a cruz e a luxúria. Mas, é com a visita
do lascivo Núncio Apostólico Alfonso
(Lambert Wilson), decidido a
desmascarar a Sagrada Irmã Benedetta,
que o circo religioso pega fogo e as libidinosas chamas da vaidade não distinguem
mais o Céu e o Inferno de cada um...
“Seu
pior inimigo é o seu corpo”

A trama de Benedetta
(cujo nome significa Bem-Aventurada,
já que mãe e filha sobreviveram ao difícil parto), narrada meio que na linha do
nunsploitation, é consistente e
intensa na reflexão da lucrativa fé cristã que move cegamente multidões ao
âmago da igreja dominante, enquanto reprime intencionalmente a sexualidade
clerical e a dos fervorosos fiéis (mantendo a submissão de todos sob “controle”).
Seus diálogos, repletos da mais fina ironia na costura das variantes da rígida
devoção religiosa com as jubilosas tentações da carne, são excelentes. Quanto
ao propalado teor erótico..., este diverte mais do que excita, principalmente em
relação à confecção e ao uso de um inusitado consolo sexual, que pode dar o que pensar ao espectador que
arriscar fazer uma analogia com a mística virgindade da Virgem Maria. Aliás, a desconcertante reação da menina Benedetta, sob uma estátua de Nossa Senhora que caiu sobre ela, é
muito mais forte e erotizada do que as cenas das libertinas Benedetta e Bartolomea adultas. O simbolismo do alimento da fé diz muito mais sobre o misticismo da futura beata do que os seus “pecados” da carne em busca
do divino. Afinal, o que vale mais na “austera” vida religiosa: o Pai Nosso ou a Ave Maria?
Ainda que o fio condutor seja a controversa vida da
Irmã Benedetta Carlini, o diretor e roteirista Verhoeven parece mais ocupado
com os fatos que conduzem à discussão sobre as manipulações da fé e da
sexualidade, no mundo (macho-falocrata divino) de ontem e de hoje, do que com o
escândalo resultante na apropriação de atos indecorosos nos subterrâneos
religiosos que, dependendo do ponto de vista do espectador ou do crente, são incertos.
Portanto, o que menos importa é se Benedetta
era uma impostora religiosa e sexual..., se estava possuída ou não por alguma
entidade benigna, em seus momentos de êxtase proféticos e/ou por entidade
maligna, na prática das delícias sexuais. Aqui o cutucão é mais em cima!
Enfim, passando ao largo de qualquer atitude
maniqueísta, mais uma vez o sempre provocativo Paul Verhoeven não decepciona na
direção, na escolha do excelente elenco e tampouco na intenção de um enredo tão
intrigante (potencialmente explosivo) que tem incomodado muito espectador ao “profanar”
o sagrado e “sacralizar” o profano. Pela reação de parte do público (que
protesta contra o filme sem nem saber do que se trata), o envolvente Benedetta não vai arrancar facilmente a
máscara dos hipócritas.
Sobre a reação histérica dos católicos que o acusaram
de blasfêmia, quando o filme estreou em Cannes, Paul Verhoeven respondeu: "Eu realmente não entendo como posso ser um
blasfemador em relação a algo que realmente aconteceu. Não se pode simplesmente
mudar a história depois do fato. É possível dizer se foi certo ou errado, mas
você não pode mudar a história. Creio que a palavra blasfêmia, nesse caso, para
mim, é idiota."
Trailer: aqui.
Na Wikipedia tem um
ótimo artigo sobre a freira católica, mística e lésbica Benedetta Carlini
(1590-1661).
NOTA: As
considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião
geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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