O LABIRINTO
(L’uomo del labirinto)
por Joba Tridente
Confesso que já não sou (há muito tempo!) fã de
filmes de áudio-terror (que “criam clima” de medo com ensurdecedores (d)efeitos
sonoros mesclados à sanguinolência gore).
Muitos antes dessa onda enfadonha e repetitiva de áudio-sustos, os filmes que
apostavam mais na sugestão do que na explicitação do horror, era bem melhores.
O que não quer dizer que não me divirto com os filmes trash. Toda via das boas intenções, no entanto, como li, em algum
lugar, que o filme O Labirinto, do
diretor, roteirista e escritor italiano Donato
Carrisi, estava mais para um thriller
psicológico do que para “terror” contemporâneo, decidi arriscar uma olhadela.
“O animal mais difícil de capturar é o homem!”
O Labirinto
se passa num lugar indefinido e num tempo embaralhado, onde passado e presente
raramente se tangenciam..., ainda que tenham em comum um crime: sequestro de
uma garota de treze anos; um mistério: o reaparecimento, quinze anos depois, da
garota sequestrada; um sequestrador: que pode estar vivo, morto e ou preso.
Falado em italiano e inglês e estrelado por Toni Servillo (Bruno Genko), Dustin Hoffman (Dr. Green)
e Valentina Bellè (Samantha Andretti), a ambiciosa trama multifacetada
de O Labirinto começa com o sequestro da adolescente Sam (Bellè) a caminho da escola.
Quinze anos depois, Sam é encontrada desmaiada, perto de um pântano, e acorda
desmemoriada em uma cama, num quarto de hospital, sendo atendida pelo psiquiatra
americano Dr. Green (Hoffman), que só
fala em inglês com a paciente. O reaparecimento da garota desperta no
investigador de dívidas alheias Genko
(Servillo), o desejo de resolver o caso do sequestro, proposto a ele, pela
família de Sam, quando a garota
desapareceu. O investigador particular está com os dias contados, por conta de
insuficiência cardíaca, e não quer deixar pendente este caso que negligenciou e
que agora ganha ares absurdos, já que o homem que a encontrou diz ter visto alguém
apavorante, com cabeça de coelho e olhos
vermelhos reluzentes, em forma de coração, próximo da garota. Assim, com
investigações aparentemente distintas, o enredo é partilhado em duas linhas:
Uma segue a investigação, a toque de caixa, do detetive Genko, que acredita ser capaz de encontrar o diabólico sequestrador
Cabeça de Coelho e morrer em paz; A outra
acompanha as sessões de psicoterapias do Dr.
Green para recuperar as memórias de Sam
e identificar o astuto sequestrador.
“Isto é um jogo?”
O Labirinto
(L’uomo del labirinto, 2019), baseado
no romance homônimo do diretor Donato Carrisi (que também adaptou outra obra
sua em seu filme de estreia, A Garota da
Névoa, de 2017, e que também trata do desaparecimento de uma adolescente),
não tem um gênero definido, costura vários (suspense, policial, ficção
científica, fantasia, divã psiquiátrico) numa trama mirabolante..., capaz de
dar um nó nas trilhas cerebrais do espectador ansioso em decifrar ou descartar
todo tipo de pista espalhada narrativa adentro.
Com seu roteiro de constantes revelações e
reviravoltas calculadas para confundir e agradar o espectador precipitado e/ou
decepcionar o cinéfilo mais astuto (acostumado ao jogo de esconde-esconde), O Labirinto aposta alto, mas a banca nem
sempre parece pagar o suficiente para tanto imbróglio. Por vezes previsível,
escorregando em clichês questionáveis e repletos de “por que?” (relacionados a acessórios e ou ao vilão), e por vezes perspicaz,
na costura do enredo que urge nas investigações desesperadas de Genko e torna-se morosa nas
perturbadoras sessões psicoterapêuticas (que beiram o sadismo) de Green e Sam, a trama esticada (além do limite?) acaba propiciando ao
espectador mais esperto a oportunidade para desfazer nós e puxar fios
narrativos que podem decifrar o enigma (físico e mental) do labirinto bem antes do seu epílogo. No
entanto, a parte mais ingênua do público (que prefere saborear sequência a
sequência, em vez de desmanchar o prazer da degustação mórbida) irá se
surpreender, sem dúvida, quando as últimas peças do quebra-cabeça espelhado
forem colocadas e desvelarem que, em histórias assim, nem todo reflexo é o que
parece ser..., muito menos seus personagens. Então o não-lugar e o não-tempo narrativos
farão sentido. Será? Quem não entender o final (confuso?) vai ter que pensar
muito para compreender o inusitado (?) encontro de dois personagens antes dos
créditos finais.
“A história
não acaba assim, certo?”
Sem negar a influência de Donnie Darko, de Richard Kelly, Inland
Empire e Rabbits, de David
Lynch e de Alice no País das Maravilhas,
de Lewis Carroll, na criação dos personagens Cabeça de Coelho e Alice e
no desenvolvimento de uma história obscura e sem referências de lugar e de época,
o diretor Donato Carrisi realiza um filme ousado e tradicional (ao mesmo tempo),
com cenografia de interior impactante (em tons vermelho, bordô, verde-musgo e
cáqui), mistura insólita de objetos de cena (anos sessenta aos dias de hoje) e
fotografia fascinante de Federico Masiero..., mas não isento de falhas
técnicas. Os escorregões estão principalmente no uso do chroma key, ao redor do carro de Genko e no labirinto, com texturas e efeitos que lembram as
primeiras experiências de computação gráfica na criação de games. Não parece intencional. Mas não faz sentido uma arte tão
tacanha, numa produção ocupada com tantos detalhes.
Enfim, O
Labirinto se sustenta muito bem, na luz e na treva, com a performance
excelente do trio protagonista (com destaque para Tony Servillo) dando vida a
uma história intensa em seu mistério e suas metáforas kafkianas e que (conforme
o estado psicológico do espectador) pode se mostrar tão envolvente e
desconcertante quanto aborrecível. Embora a direção não assuma, tem lá seus
abomináveis áudio-sustos. Se Carrisi apostasse mais na sugestão de perigo e no
silêncio da escuridão nas entranhas do labirinto (dispensando totalmente a
incômoda trilha sonora), certamente a trama arrepiaria até os pelinhos da nuca...
trailer: aqui
NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não
refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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