quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Crítica: O Labirinto


O LABIRINTO

(L’uomo del labirinto)

por Joba Tridente 

Confesso que já não sou (há muito tempo!) fã de filmes de áudio-terror (que “criam clima” de medo com ensurdecedores (d)efeitos sonoros mesclados à sanguinolência gore). Muitos antes dessa onda enfadonha e repetitiva de áudio-sustos, os filmes que apostavam mais na sugestão do que na explicitação do horror, era bem melhores. O que não quer dizer que não me divirto com os filmes trash. Toda via das boas intenções, no entanto, como li, em algum lugar, que o filme O Labirinto, do diretor, roteirista e escritor italiano Donato Carrisi, estava mais para um thriller psicológico do que para “terror” contemporâneo, decidi arriscar uma olhadela. 

O animal mais difícil de capturar é o homem! 


O Labirinto se passa num lugar indefinido e num tempo embaralhado, onde passado e presente raramente se tangenciam..., ainda que tenham em comum um crime: sequestro de uma garota de treze anos; um mistério: o reaparecimento, quinze anos depois, da garota sequestrada; um sequestrador: que pode estar vivo, morto e ou preso. Falado em italiano e inglês e estrelado por Toni Servillo (Bruno Genko), Dustin Hoffman (Dr. Green) e Valentina Bellè  (Samantha Andretti), a ambiciosa trama multifacetada de O Labirinto começa com o sequestro da adolescente Sam (Bellè) a caminho da escola. 


Quinze anos depois, Sam é encontrada desmaiada, perto de um pântano, e acorda desmemoriada em uma cama, num quarto de hospital, sendo atendida pelo psiquiatra americano Dr. Green (Hoffman), que só fala em inglês com a paciente. O reaparecimento da garota desperta no investigador de dívidas alheias Genko (Servillo), o desejo de resolver o caso do sequestro, proposto a ele, pela família de Sam, quando a garota desapareceu. O investigador particular está com os dias contados, por conta de insuficiência cardíaca, e não quer deixar pendente este caso que negligenciou e que agora ganha ares absurdos, já que o homem que a encontrou diz ter visto alguém apavorante, com cabeça de coelho e olhos vermelhos reluzentes, em forma de coração, próximo da garota. Assim, com investigações aparentemente distintas, o enredo é partilhado em duas linhas: Uma segue a investigação, a toque de caixa, do detetive Genko, que acredita ser capaz de encontrar o diabólico sequestrador Cabeça de Coelho e morrer em paz; A outra acompanha as sessões de psicoterapias do Dr. Green para recuperar as memórias de Sam e identificar o astuto sequestrador. 

Isto é um jogo? 


O Labirinto (L’uomo del labirinto, 2019), baseado no romance homônimo do diretor Donato Carrisi (que também adaptou outra obra sua em seu filme de estreia, A Garota da Névoa, de 2017, e que também trata do desaparecimento de uma adolescente), não tem um gênero definido, costura vários (suspense, policial, ficção científica, fantasia, divã psiquiátrico) numa trama mirabolante..., capaz de dar um nó nas trilhas cerebrais do espectador ansioso em decifrar ou descartar todo tipo de pista espalhada narrativa adentro. 


Com seu roteiro de constantes revelações e reviravoltas calculadas para confundir e agradar o espectador precipitado e/ou decepcionar o cinéfilo mais astuto (acostumado ao jogo de esconde-esconde), O Labirinto aposta alto, mas a banca nem sempre parece pagar o suficiente para tanto imbróglio. Por vezes previsível, escorregando em clichês questionáveis e repletos de “por que?” (relacionados a acessórios e ou ao vilão), e por vezes perspicaz, na costura do enredo que urge nas investigações desesperadas de Genko e torna-se morosa nas perturbadoras sessões psicoterapêuticas (que beiram o sadismo) de Green e Sam, a trama esticada (além do limite?) acaba propiciando ao espectador mais esperto a oportunidade para desfazer nós e puxar fios narrativos que podem decifrar o enigma (físico e mental) do labirinto bem antes do seu epílogo. No entanto, a parte mais ingênua do público (que prefere saborear sequência a sequência, em vez de desmanchar o prazer da degustação mórbida) irá se surpreender, sem dúvida, quando as últimas peças do quebra-cabeça espelhado forem colocadas e desvelarem que, em histórias assim, nem todo reflexo é o que parece ser..., muito menos seus personagens. Então o não-lugar e o não-tempo narrativos farão sentido. Será? Quem não entender o final (confuso?) vai ter que pensar muito para compreender o inusitado (?) encontro de dois personagens antes dos créditos finais. 

“A história não acaba assim, certo?” 


Sem negar a influência de Donnie Darko, de Richard Kelly, Inland Empire e Rabbits, de David Lynch e de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, na criação dos personagens Cabeça de Coelho e Alice e no desenvolvimento de uma história obscura e sem referências de lugar e de época, o diretor Donato Carrisi realiza um filme ousado e tradicional (ao mesmo tempo), com cenografia de interior impactante (em tons vermelho, bordô, verde-musgo e cáqui), mistura insólita de objetos de cena (anos sessenta aos dias de hoje) e fotografia fascinante de Federico Masiero..., mas não isento de falhas técnicas. Os escorregões estão principalmente no uso do chroma key, ao redor do carro de Genko e no labirinto, com texturas e efeitos que lembram as primeiras experiências de computação gráfica na criação de games. Não parece intencional. Mas não faz sentido uma arte tão tacanha, numa produção ocupada com tantos detalhes. 


Enfim, O Labirinto se sustenta muito bem, na luz e na treva, com a performance excelente do trio protagonista (com destaque para Tony Servillo) dando vida a uma história intensa em seu mistério e suas metáforas kafkianas e que (conforme o estado psicológico do espectador) pode se mostrar tão envolvente e desconcertante quanto aborrecível. Embora a direção não assuma, tem lá seus abomináveis áudio-sustos. Se Carrisi apostasse mais na sugestão de perigo e no silêncio da escuridão nas entranhas do labirinto (dispensando totalmente a incômoda trilha sonora), certamente a trama arrepiaria até os pelinhos da nuca...

trailer: aqui   


NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha.
 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba. 


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