segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Crítica: Homem Onça

 


HOMEM ONÇA

por Joba Tridente 

Na década de 1990 a palavra da moda, na economia, era reengenharia. Uma década antes fora yuppie e/ou jovens executivos de sucesso trajando terno preto e ostentando cabelo curto bem cortado. A distinção dos executivos (exibicionistas) ainda repercutia na década seguinte, quando o caos se instalou, principalmente na administração privada, com a implementação da “engenhosa” estratégia de (enxugamento na) gestão de negócios, criada pelos gurus americanos da administração Michael Hammer e James Champy..., gerando insegurança e desespero no mercado de trabalho, com demissões em massa e levando alguns desempregados e empresários, que embarcaram na canoa furada da reengenharia, ao suicídio. 


É num desses fatídicos palcos dos anos 1990 que encontramos Pedro (Chico Diaz), gerente de projetos sustentáveis da estatal Gás do Brasil. Na euforia das privatizações a empresa vira Gás Brax e, ao adequar-se aos ganhos futuros da reengenharia, a nova diretoria coloca o gerente, recém-premiado internacionalmente, em uma saia justa com seus dedicados subordinados, pois será obrigado a decidir quem será demitido. Estressado com a situação, Pedro, que é casado com Sônia (Silvia Buarque) e pai da adolescente Rosa (Valentina Herszage), começa a sentir, literalmente na própria pele (com o desenvolvimento do vitiligo), a tensão do ambiente de trabalho. Vitimado também pela nova engrenagem empresarial e se vendo obrigado a antecipar a aposentadoria, o inconformado Pedro espera (ao menos) viver com a sua família, em Barbosa, um bucólico recanto interiorano da sua infância cercado por floresta..., mas, quem acaba lhe fazendo companhia, naquele lugar paradisíaco, é Lola (Bianca Byington), uma nova companheira. 


A partir deste gancho triplo, que sustem os temas privatização, reengenharia e aposentadoria, num Brasil em ebulição, o diretor Vinícius Reis (Praça Saens Peña, Noites de Reis), cujo roteiro escreveu em parceria com Flávia Castro e Felipe Barbosa, consegue a façanha de driblar, com perspicácia, um tema espinhoso que tem todos os ingredientes para soar enfadonho, bifurcando a narrativa do Homem Onça entre o presente (funcional) e o futuro (eufórico) de Pedro. Esse providencial ir e vir, entre as inquietações trabalhistas e as realizações pessoais do personagem, lhe dá um ótimo equilíbrio e um potencial alívio (sem comprometer o ritmo da história, que segue uma lógica de tempo coerente). 


Vinícius é breve (sem ser evasivo) na tessitura do enredo, diluindo o assunto economês, que poderia soar maçante, ao nível essencial. Assim, mantém o interesse do espectador pela trama e a empatia pelo entusiasta protagonista, capaz de virar onça para defender seus argumentos e sua equipe. Pedro é um personagem (crível) que avança quando a situação é propícia..., para se sustentar (na selva de pedra do Rio de Janeiro), e recua quando a causa é perdida..., para sobreviver (na selva natural de Barbosa) com alguma dignidade. Para o diretor: “Com o filme, continuo a explorar meu interesse em contar histórias sobre as ambições e medos da classe média urbana brasileira. No meu primeiro longa de ficção, Praça Saens Peña, de 2009, a questão da posse de um imóvel e o desejo por uma carreira profissional eram centrais para os personagens. Em Homem Onça, a importância do trabalho como identidade do ser humano é o que move os personagens. 

Enfim..., com roteiro dinâmico; discussão política econômica (ainda) pertinente; privatização e revés empresarial, ótimo elenco, com destaque para a performance de Chico Diaz; sutileza na exploração do vitiligo (relacionado ao estresse) como “metáfora” da vida do personagem Pedro; bons diálogos; evocativa seleção de MPB pontuando a trilha sonora..., o Homem Onça (Brasil, Alemanha, Chile, 2021) é uma excelente pedida para se conhecer, hoje, o Brasil de ontem que tem deixados resquícios (preocupantes) para amanhã. 

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


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