HOMEM ONÇA
por Joba Tridente
Na década de 1990 a palavra da moda, na economia, era
reengenharia. Uma década antes fora yuppie e/ou jovens executivos de sucesso trajando terno preto e ostentando cabelo
curto bem cortado. A distinção dos executivos
(exibicionistas) ainda repercutia na década seguinte, quando o caos se
instalou, principalmente na administração privada, com a implementação da
“engenhosa” estratégia de (enxugamento
na) gestão de negócios, criada pelos gurus americanos da administração Michael
Hammer e James Champy..., gerando insegurança e desespero no mercado de
trabalho, com demissões em massa e levando alguns desempregados e empresários,
que embarcaram na canoa furada da reengenharia, ao suicídio.
É num desses fatídicos palcos dos anos 1990 que
encontramos Pedro (Chico Diaz), gerente de projetos
sustentáveis da estatal Gás do Brasil.
Na euforia das privatizações a empresa vira Gás
Brax e, ao adequar-se aos ganhos futuros da reengenharia, a nova diretoria coloca o gerente, recém-premiado
internacionalmente, em uma saia justa com seus dedicados subordinados, pois
será obrigado a decidir quem será demitido. Estressado com a situação, Pedro, que é casado com Sônia (Silvia Buarque) e pai da adolescente Rosa (Valentina Herszage),
começa a sentir, literalmente na própria pele (com o desenvolvimento do
vitiligo), a tensão do ambiente de trabalho. Vitimado também pela nova
engrenagem empresarial e se vendo obrigado a antecipar a aposentadoria, o
inconformado Pedro espera (ao menos)
viver com a sua família, em Barbosa,
um bucólico recanto interiorano da sua infância cercado por floresta..., mas,
quem acaba lhe fazendo companhia, naquele lugar paradisíaco, é Lola (Bianca Byington), uma nova companheira.
A partir deste gancho triplo, que sustem os temas privatização,
reengenharia e aposentadoria, num Brasil em ebulição, o diretor Vinícius Reis (Praça Saens Peña, Noites de
Reis), cujo roteiro escreveu em parceria com Flávia Castro e Felipe Barbosa,
consegue a façanha de driblar, com perspicácia, um tema espinhoso que tem todos
os ingredientes para soar enfadonho, bifurcando a narrativa do Homem Onça entre o presente (funcional)
e o futuro (eufórico) de Pedro. Esse
providencial ir e vir, entre as inquietações trabalhistas e as realizações pessoais do personagem, lhe
dá um ótimo equilíbrio e um potencial alívio (sem comprometer o ritmo da história,
que segue uma lógica de tempo coerente).
Vinícius é breve (sem ser evasivo) na tessitura do
enredo, diluindo o assunto economês, que poderia soar maçante, ao nível
essencial. Assim, mantém o interesse do espectador pela trama e a empatia pelo
entusiasta protagonista, capaz de virar
onça para defender seus argumentos e sua equipe. Pedro é um personagem (crível) que avança quando a situação é
propícia..., para se sustentar (na selva de pedra do Rio de Janeiro), e recua quando
a causa é perdida..., para sobreviver (na selva natural de Barbosa) com alguma
dignidade. Para o diretor: “Com o filme,
continuo a explorar meu interesse em contar histórias sobre as ambições e medos
da classe média urbana brasileira. No meu primeiro longa de ficção, Praça
Saens Peña, de 2009, a questão da posse
de um imóvel e o desejo por uma carreira profissional eram centrais para os
personagens. Em Homem Onça, a importância do trabalho como identidade
do ser humano é o que move os personagens.”
Enfim..., com roteiro dinâmico; discussão política econômica
(ainda) pertinente; privatização e revés empresarial, ótimo elenco, com
destaque para a performance de Chico Diaz; sutileza na exploração do vitiligo (relacionado
ao estresse) como “metáfora” da vida do personagem Pedro; bons diálogos; evocativa seleção de MPB pontuando a trilha
sonora..., o Homem Onça (Brasil,
Alemanha, Chile, 2021) é uma excelente pedida para se conhecer, hoje, o Brasil
de ontem que tem deixados resquícios (preocupantes) para amanhã.
NOTA: As considerações acima são pessoais e,
portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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