segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Crítica: Viva - A Vida é uma Festa



Viva - A Vida é uma Festa
por Joba Tridente*

Em 2014, quando pesquisava material para escrever sobre a belíssima animação Festa no Céu (The Book of Life), produzida por Guillermo del Toro e dirigida por Jorge R. Gutierrez, descobri que em 2013 a produtora mexicana Metacube Technology & Entertainment venceu um processo contra a Pixar Animation Studios pelo direito ao título Dia de Muertos, que a empresa da Disney Company pretendia usar em sua produção prevista para 2015. A produtora Metacube, sediada em Guadalajara, já vinha trabalhando há 10 anos no longa-metragem de animação Dia de los Muertos, La Película, que mudou o título para Dia de Muertos - La Leyenda Original... e ficou mesmo apenas Día de Muertos, cuja estreia estava marcada para outubro de 2017, mas, por causa do lançamento de Coco (Viva – A Vida é uma Festa), da Pixar, foi adiado para novembro de 2018..., leia em  Disney una sombra para Día de muertos e 'Día de Muertos': la película 100% mexicana que nació antes que 'Coco' y será eclipsada por Disney e Cinta mexicana 'Día de Muertos' aplazó su estreno por 'Coco'

E já que estou falando de temática mexicana, veja os excelentes curtas Hasta Los Huesos, do premiado animador René Castillo (2001), que inspirou Tim Burton em A Noiva Cadáver e Dia de los Muertos (2013), que não é mexicano mas é muito bonito. Haja muertos para tanta animación!’’


Bem, o tal filme da Pixar, esperado para 2015 e lançado em 2017, como já disse acima, é Coco, que no Brasil (talvez para evitar gracejos com “coco”, a fruta, “coco”, a dança, e ou “cocô”, o excremento) recebeu o título de Viva - A Vida é uma Festa..., uma animação que dialoga muito com Festa no Céu (2014), através de seus protagonistas que amam a música, mas são forçados, por suas famílias, a exercerem outra profissão: (Manolo Sanchez) toureador e (Miguel Rivera) sapateiro. Porém, na questão cultural, enquanto Festa no Céu, assim como o recente O Touro Ferdinando, levanta a bandeira de protesto contra a violência nas touradas e a matança de bois na arena, Viva - A Vida é uma Festa trata (ironicamente?) de direitos autorais, do resgate da dignidade de um músico e a paz de espírito de uma rancorosa família (Rivera) com o fim de uma história de amor no passado. É certo que a futura animação mexicana Día de Muertos também dialogue com os dois anteriores ao se debruçar sobre o rico folclore local. Afinal, como diz uma criança que ouve comovida a história da morte Manolo, em Festa no Céu: “Qual é a dos mexicanos com a morte?”.


Por motivos “diferentes” e artimanhas do destino, mas com a paixão em comum pela música, o romântico Manolo Sanchez, em Festa no Céu, e o jovem Miguel Rivera, em Viva - A Vida é uma Festa, vão parar no alegre mundo dos mortos lembrados e no triste mundo dos mortos esquecidos onde, além de seus finados parentes, encontram a força necessária para suas realizações pessoais no diverso mundo dos vivos. Cada trama com sua tessitura: o apaixonado Manolo chega lá, em busca da sua amada Maria, porque foi traído e morto; o inocente Miguel atravessa o umbral por não saber da magia espiritual impregnada nos pertences dos mortos.

É interessante notar que, em ambas as produções, é forte a presença de mulheres em situação de empoderamento feminino e ou de matriarcado (nos dois lados da vida)..., bem como, entre outros detalhes curiosos e homenagem justa à cultura mexicana (nas viagens intramundos), vale ressaltar o fantástico encontro de Manolo com as irmãs Adelitas (participantes ativas da Revolução Mexicana) e de Miguel com a revolucionária artista Frida Khalo. 


O argumento de Viva - A Vida é uma Festa é o tradicional: um personagem em busca de um sonho e o pesadelo que será para realizá-lo, já que terá de enfrentar, entre outros dissabores, a própria família..., porque histórias de superação (protagonizadas por vivos ou mortos) funcionam com espectadores de qualquer idade. 

Embalado por excelente trilha sonora (que soa muito melhor em versão espanhola, como a Recuérdame (Remember Me) de Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez, indicada ao Oscar 2018), o espectador acompanha a emocionante jornada do pequeno Miguel Rivera, um garoto adorável de 12 anos que nasceu para ser músico, de corpo e alma, e tem no ator e cantor Ernesto de la Cruz, o seu grande ídolo. Todavia, a paixão musical do menino não é compartilhada pela sua família matriarcal (de sapateiros), que acredita ser ela a responsável pela infelicidade de todos os membros do clã desde o dia em que o seu tataravô, que era cantor e compositor, foi embora de casa (para viver de música), abandonando a mulher Amélia e a filha pequenina Inês (a Coco). Por décadas foi assim na Família Rivera: cabeça baixa, na fazedura de calçados, e coração fechado para qualquer manifestação musical..., até o jovenzinho cheio de vida Miguel decidir quebrar a tradição e trilhar o seu próprio caminho.


Tradição familiar, que cerceia sonhos juvenis e provocam frustrações irreparáveis, e divagações sobre a morte (ou o pós-vida) não são temas fáceis de se tratar, principalmente quando o público alvo preferencial é a criança (ou jovem) em fase de formação, em fase de descoberta dos ganhos e das perdas na vida..., assuntos que Festa no Céu e Viva - A Vida é uma Festa tratam com naturalidade e segurança, sem exceder na dureza crítica (necessária) e ou se deixar seduzir pela pieguice moralizante (patrimonial). Assim, em um e outro desenho animado os protagonistas chegam ao final da jornada em paz com o passado e prontos para conquistar um futuro por mérito próprio.


Viva - A Vida é uma Festa é uma animação prazerosa, contagiante e nos presenteia ao menos com duas sequências antológicas: uma no mundo dos vivos (com Miguel e Coco) e outra no mundo dos esquecidos (com Miguel, Héctor, Chicharrón), favorecidas ainda mais com as canções-tema: Recuérdame e Juanita

Embora menos inventiva no enredo, na criação, cor e traçado gráfico de personagens que Festa no Céu (com seus deslumbrantes - e manipuláveis - bonecos de madeira e quinquilharias metálicas), mas não menos intensa, a animação Viva - A Vida é uma Festa, dirigida por Lee Unkrich e Adrian Molina, autor do melodramático roteiro, mantém o padrão técnico habitual (com sua prodigiosa plasticidade) da Disney/Pixar. Enfim, mais um filme maravilhoso para celebrar o cinema e a tradição mexicana.

*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

2 comentários:

  1. Não assisti o filme .
    Lendo seu comentário tenho certeza que vou gostar muito .
    Mas penso que é um "desenho" para adultos pois acredito que tem muitos significados com simbologia ou filosofias de costumes .
    Excelente seu comentário/blog
    Obrigado

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    Respostas
    1. ..., olá, Marina Seischi, apesar da temática complexa, Viva - A Vida é uma Festa, tem uma narrativa mais simples e menos tensa (ou adulta) que Festa no Céu. ..., acho que vai gostar de uma e de outra animação, também porque, independente do conteúdo interessante é de ma plasticidade de encher os olhos e fazer cair o queixo. ..., grato por sua visita e considerações!

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