Trama
Fantasma
por Joba Tridente*
O mundo da moda que já rendeu obras cinematográficas relevantes,
como Prêt-à-Porter, de Robert Altman
(1925-2006), ou no mínimo instigantes, como O
Diabo Veste Prada, de David Frankel, ambas de certo modo divertidas no
humor negro e no de amenidades, agora abre as cortinas da passarela para o mistério
e a introspecção em Trama Fantasma (Phantom Thread, 2017), de Paul Thomas Anderson (Magnólia e Sangue Negro)
Produzido, roteirizado, fotografado e dirigido por Paul
Thomas Anderson (Vício Inerente e O Mestre), o melancólico drama romântico
Trama Fantasma, ao contrário do que
possa sugerir o título, não é um filme de terror, ao menos nos moldes tradicionais,
embora a ação e a reação de seus personagens egocêntricos e obsessivos compulsivos
provoquem algum temor, encerrando
um clima de suspense. O fantasma em questão tem mais a ver com a vaidade
de quem produz moda exclusiva e a fraqueza de quem tem o privilégio de ostentar
a grife.
É nesse mundo de
aparências (e alguns segredos) que
transita o meticuloso designer
de moda britânico Reynolds
Woodcock (Daniel Day-Lewis) que
veste a realeza e a elite europeia.
Discípulo do costureiro inglês Charles Frederick Worth (1825-1895), o
"pai da alta-costura” e dos desfiles de moda com modelos, Woodcock não deixa coisa alguma sobrepor a sua devoção à costura
e ou perturbar seu ato de criação..., nem mesmo os amores ocasionais. Para
tanto ele conta com a dedicação exclusiva da sua quase silenciosa irmã Cyril (Lesley Manville) na administração da casa e da sua vida “amorosa”.
Em
Londres de 1950, onde se desenrola a tessitura desse conto (quase gótico)
bordado com glamour entremeado de
pontos de amargura, o egoísta Woodcock,
que não assimilou a onda
do prêt-à-porter e sequer o
significado de chiqué na moda do
pós-guerra, leva uma vida de galo-rei, sempre no centro das atenções e objeto
de desejo das mulheres descartáveis. Toda via dos alfinetes e alinhavos, no
entanto, ao conhecer a bela e insinuante garçonete Alma (Vicky Krieps),
numa cidadezinha interiorana, ele vai ter de rever seus conceitos de descarte
fácil de amores ocasionais. Porém, enquanto não se dá conta do nível das suas loucas obsessões, resta ao casal saber quem domará e moldará quem a seu gosto no desfile prazeroso e subserviente da objetificação onde
competem a mulher funcional e o homem ideal.
Entre o previsível e o surpreendente num
relacionamento amorosamente doentio do trio Woodcock/Cyril/Alma, onde não faltam humilhação, machismo e feminismo, Trama Fantasma não se furta a desvelar
também, através de uma fotografia detalhista e diálogos por vezes ácidos, os
bastidores e o palco das ilusões de um circuito
fashion em que executores e consumidores de moda desconhecem a palavra crise econômica e tampouco sabem lidar
com a crise de identidade. É num
desses maquiavélicos recortes de crise de
identidade, envolvendo a dama do high
society Barbara Rose (Harriet Sansom Harris, inesquecível), que
está a sua melhor e mais incômoda sequência. Na dor mais profunda, a cor é
verde esmeralda. Há, sem dúvida, outras sequências notáveis, inclusive
sombrias, já que o elenco protagonista é excepcional e o script muito bom, mas nenhuma se compara a esta que é de uma
tristeza absurda.
Enfim, com seu clima de thriller psicológico e de romance desesperado; performances maravilhosas: Daniel Day-Lewis, num irretocável canto do cisne, Lesley Manville, magnética e Vicky Krieps, encantadora; roteiro e direção excelentes; cenografia minimalista (por vezes claustrofóbica) e fotografia impressionante no detalhamento da Casa de Costura, com sua estreita escada em caracol que obriga funcionárias e clientes a escalá-la para chegar ao celestial atelier de criação do deus da alta-costura Woodcock e então comungar com suas vestes divinas, bem como do registro da dança de mãos e dedos ressecados na artesania do corte e da costura na constância de agulhas e linhas; a delicadeza clássica nas pontuações musicais de Jonny Greenwood (Radiohead)..., Trama Fantasma, do prolixo Paul Thomas Anderson, embora me pareça se estender (assim como seus filmes anteriores) além da metragem ideal e possa provocar algum bocejo, é um obra magnífica!
Trama Fantasma
recebeu seis indicações ao Oscar 2018: Filme, Diretor, Ator, Atriz Coadjuvante,
Trilha Sonora e Figurino.
*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de
idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo),
em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista
e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
Super interessante .
ResponderExcluirNão conhecia este filme .
Obrigado por seu excelente post /comentarios
..., olá, Marina Seischi, esqueci de dizer que o filme concorre a seis Oscar 2018. ..., grato pela visita e considerações.
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