Três Anúncios Para Um
Crime
por Joba
Tridente*
Em tempos doentios, de gente alucinada em busca do hipocritamente,
digo, politicamente correto e de oportunistas do denuncismo a alguns minutos de
fama, não será novidade quando bebês começarem a se perder num emaranhado de
folhas, ao nascer do cruzamento de um repolho com uma cenoura. Também é
possível que os amantes do cinema de beatitudes e de comédias imbecilmente
juvenis entendam nada do humor negro do thriller Três Anúncios Para Um Crime (Three
Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017), do diretor britânico Martin McDonagh (Na Mira do Chefe/In Bruges, 2008 e Sete Psicopatas e um Shih Tzu/Seven Psychopaths, 2013).
Como se sabe, o humor negro usa a linguagem ferina (que
alguns consideram grosseira) para falar (geralmente) de coisas sérias e atingir
perfeitamente o alvo (você!). Digamos que humor negro é tudo aquilo que nos faz
rir (geralmente mais que em outros) em um filme inglês..., principalmente se algo
relacionado à estupidez humana. Desculpe o pleonasmo, se é estupidez, só pode
ser humana. Ah, e ao contrário do que se pensa, o humor negro não é uma
linguagem de fácil domínio, principalmente no cinema.
Três Anúncios
Para Um Crime, escrito pelo próprio McDonagh, é ficção, mas não parece, já
que do lado de cá da telona, não são poucas as histórias diárias de mulheres
violentadas e mortas. O roteiro irretocável vai ao âmago da amargurada Mildred (Frances McDormand), uma mãe que, inconformada com o fato de sete
meses após o cruel assassinato da sua filha não ter sido encontrado o criminoso,
decide instigar o delegado local Willoughby
(Woody Harrelson), através de três
painéis dispostos estrategicamente numa estrada que
liga sua casa à pequena e “pacata” Ebbing.
Como era de se esperar, os outdoors causam comoção e os moradores tomam as
dores de Willoughby, principalmente o desequilibrado oficial Jason Dixon (Sam Rockwell),
que se acha acima da lei para ameaçar quem quiser, inclusive torturar negros
que, segundo ele: “não são negros, são pessoas
de cor”. A rancorosa Mildred sabe
que Willoughby, o responsável pela investigação, é um bom delegado (ainda
que feche os olhos às mazelas dos seus policiais), mas ela está cansada de
esperar por uma solução. Em sua catarse desesperada ela precisa encontrar
alguém para culpar, inclusive das suas faltas enquanto mãe.
Embora pesado no tema, Três Anúncios Para Um Crime tem narrativa ágil e enfatiza com
humor desconcertante as culpas, as frustrações, os pecados, os desajustes
escondidos atrás das portas da cidade e escancarados com as “denúncias” de Mildred. Não que as situações de
violência e ou diálogos pertinentes sejam cômicos, muito pelo contrário. Porém,
dada a idiossincrasia rústica daquela gente, algumas acabam engraçadas e até
hilárias. Ou, no mínimo, despertam um riso nervoso. Também porque,
(aparentemente) excetuando o delegado, não há heróis e ou vilões naquela cidade,
mas um bocado de inocentes úteis movidos a interesses pessoais.
Nesta balada melancólica do premiado dramaturgo Martin
McDonagh, sem perder o foco da violência contra a mulher, os versos rasgados
tratam também de sexismo e de pedofilia clerical (num “monólogo” arrepiante),
sem soar falso em sua multiplicidade crítica, já que no assédio sexual todas as
dores e vergonhas se igualam. O que se vê no denso Três Anúncios Para Um Crime é um alinhavo temático perfeito e não um remendo tapa buraco ao sabor do maniqueísmo hollywoodiano. Do argumento ao
elenco tudo funciona com precisão. Pode não ter um final satisfatório para o
espectador comum, acostumado ao moralismo americano (?) vigente, mas é um final
que faz sentido e, no contexto da trama fiada a amor, fúria e humor, vale bem
mais que um coelhinho de louça...
Enfim, considerando a originalidade do roteiro e a
direção notável de McDonagh; o drama tenso (imersivo) e os diversos tons de
humor; a performance magnífica do trio protagonista (Frances McDormand, Woody Harrelson,
Sam Rockwell) e a excelência do elenco de apoio; as roubadas de cena de
Rockwell, com seu desajustado policial apaixonado por HQs e praticante de
maldades incentivadas pela sua insana mamãe
sulista; a trilha sonora bem colocada; as reviravoltas surpreendentes da
história, sem perder rumo ou cair no marasmo..., se você busca um espetáculo fora do
normal, Três Anúncios Para Um Crime
é uma produção britânico-americana que vai te fazer acreditar que ainda existe
vida inteligente no cinema...
*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de
idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo),
em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista
e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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