terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Crítica: Três Anúncios Para Um Crime



Três Anúncios Para Um Crime
por Joba Tridente*

Em tempos doentios, de gente alucinada em busca do hipocritamente, digo, politicamente correto e de oportunistas do denuncismo a alguns minutos de fama, não será novidade quando bebês começarem a se perder num emaranhado de folhas, ao nascer do cruzamento de um repolho com uma cenoura. Também é possível que os amantes do cinema de beatitudes e de comédias imbecilmente juvenis entendam nada do humor negro do thriller Três Anúncios Para Um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017), do diretor britânico Martin McDonagh (Na Mira do Chefe/In Bruges, 2008 e Sete Psicopatas e um Shih Tzu/Seven Psychopaths, 2013).

Como se sabe, o humor negro usa a linguagem ferina (que alguns consideram grosseira) para falar (geralmente) de coisas sérias e atingir perfeitamente o alvo (você!). Digamos que humor negro é tudo aquilo que nos faz rir (geralmente mais que em outros) em um filme inglês..., principalmente se algo relacionado à estupidez humana. Desculpe o pleonasmo, se é estupidez, só pode ser humana. Ah, e ao contrário do que se pensa, o humor negro não é uma linguagem de fácil domínio, principalmente no cinema.


Três Anúncios Para Um Crime, escrito pelo próprio McDonagh, é ficção, mas não parece, já que do lado de cá da telona, não são poucas as histórias diárias de mulheres violentadas e mortas. O roteiro irretocável vai ao âmago da amargurada Mildred (Frances McDormand), uma mãe que, inconformada com o fato de sete meses após o cruel assassinato da sua filha não ter sido encontrado o criminoso, decide instigar o delegado local Willoughby (Woody Harrelson), através de três painéis dispostos estrategicamente numa estrada que liga sua casa à pequena e “pacata” Ebbing. Como era de se esperar, os outdoors causam comoção e os moradores tomam as dores de Willoughby, principalmente o desequilibrado oficial Jason Dixon (Sam Rockwell), que se acha acima da lei para ameaçar quem quiser, inclusive torturar negros que, segundo ele: “não são negros, são pessoas de cor”. A rancorosa Mildred sabe que Willoughby, o responsável pela investigação, é um bom delegado (ainda que feche os olhos às mazelas dos seus policiais), mas ela está cansada de esperar por uma solução. Em sua catarse desesperada ela precisa encontrar alguém para culpar, inclusive das suas faltas enquanto mãe.


Embora pesado no tema, Três Anúncios Para Um Crime tem narrativa ágil e enfatiza com humor desconcertante as culpas, as frustrações, os pecados, os desajustes escondidos atrás das portas da cidade e escancarados com as “denúncias” de Mildred. Não que as situações de violência e ou diálogos pertinentes sejam cômicos, muito pelo contrário. Porém, dada a idiossincrasia rústica daquela gente, algumas acabam engraçadas e até hilárias. Ou, no mínimo, despertam um riso nervoso. Também porque, (aparentemente) excetuando o delegado, não há heróis e ou vilões naquela cidade, mas um bocado de inocentes úteis movidos a interesses pessoais.


Nesta balada melancólica do premiado dramaturgo Martin McDonagh, sem perder o foco da violência contra a mulher, os versos rasgados tratam também de sexismo e de pedofilia clerical (num “monólogo” arrepiante), sem soar falso em sua multiplicidade crítica, já que no assédio sexual todas as dores e vergonhas se igualam. O que se vê no denso Três Anúncios Para Um Crime é um alinhavo temático perfeito e não um remendo tapa buraco ao sabor do maniqueísmo hollywoodiano. Do argumento ao elenco tudo funciona com precisão. Pode não ter um final satisfatório para o espectador comum, acostumado ao moralismo americano (?) vigente, mas é um final que faz sentido e, no contexto da trama fiada a amor, fúria e humor, vale bem mais que um coelhinho de louça...


Enfim, considerando a originalidade do roteiro e a direção notável de McDonagh; o drama tenso (imersivo) e os diversos tons de humor; a performance magnífica do trio protagonista (Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell) e a excelência do elenco de apoio; as roubadas de cena de Rockwell, com seu desajustado policial apaixonado por HQs e praticante de maldades incentivadas pela sua insana mamãe sulista; a trilha sonora bem colocada; as reviravoltas surpreendentes da história, sem perder rumo ou cair no marasmo..., se você busca um espetáculo fora do normal, Três Anúncios Para Um Crime é uma produção britânico-americana que vai te fazer acreditar que ainda existe vida inteligente no cinema...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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