O Lar das Crianças
Peculiares
por Joba Tridente
Tim Burton tem
o dom (e o tom) de surpreender tanto para o bom quanto para o mau espetáculo.
Ultimamente seu cinema tem parecido menos criativo, mais cansado, e deveras
replicante. Após o insosso Sombras da Noite (2012) e o bom Frankenweenie (2012), Burton apostou
melhores fichas no equivocado Grandes Olhos (2014), que não é lá
essas coisas..., na verdade, de grande, só o fiasco. Mas, se em tempos de imaginação pulverizada
não dá pra chorar a fantasia rasgada, o negócio é ir em frente e ver o que o
mercado de best seller para leitores
jovens adultos pode oferecer ao cinema para jovens adultos. Também porque, a se
pensar com a carteira, se o número mínimo de espectadores for proporcional ao número
de leitores, mesmo que a produção fracasse, ainda dará algum lucro.
O Lar das Crianças Peculiares (Miss
Peregrine's Home for Peculiar Children, 2016), baseado no romance homônimo
de Ransom Rigss, parece uma obra criada na medida para o olhar perspicaz do
diretor Tim Burton..., pelo menos
para quem leu o livro de aventura infantojuvenil. Mas, e para quem não leu
nenhum volume da trilogia? Não vou me ocupar da fidelidade do filme ao livro
porque, além de não ter lido, raramente um faz jus ao outro. Enquanto o livro dá
asas à imaginação do leitor..., o cinema pode acabar com a sua bela fantasia de
leitor, dando-lhe uma cara que nem sempre condiz com a história e ou com os
personagens. Isto posto, vamos ao que interessa. Ah, quem leu um e viu o outro
diz que há controvérsia!
A trama de O Lar das Crianças Peculiares (o filme)
acompanha a viagem do adolescente estadunidense Jake (Asa Butterfield), da
ensolarada Flórida ao nublado País de Gales (Reino Unido), na companhia do seu
pai (Chris O'Dowd), a fim de comprovar
a veracidade das histórias fantasiosas contadas pelo seu adorado e recém-falecido
avô Abe (Terence Stamp), sobre um grupo de crianças superdotadas que habitavam
a região rural daquele país e que ele conheceu na juventude. Jake, é claro, encontra as crianças
peculiares, vivendo sob os cuidados da Srta.
Peregrine (Eva Green), num solar
localizado num laço de tempo em 1943. Assim como o lugar, as crianças são exatamente
como lhe contou o avô. Cada uma tem a sua particularidade: uma jovem domina o
ar; um garoto dá vida a coisas inanimadas; uma garotinha tem força sobre-humana;
um menino é invisível etc. Todavia, este recanto absurdo (no tempo e espaço),
onde o convívio de bizarrices é harmônico, está ameaçado por forças malignas
comandadas pelo perverso Sr. Barron (Samuel L Jackson), e seu desejo cego de
alcançar a imortalidade. Jake, como
bom mocinho estadunidense, não vai ficar de fora dessa luta (do bem contra o
mal).
Com seu
roteiro infantil e preguiçoso, O Lar das
Crianças Peculiares parece um filme-catálogo (tipo álbum de figurinha) de
apresentação de personagens peculiares e suas habilidades que poderão render algo
a mais no futuro da franquia. Um apresenta o seu “número espetacular” aqui,
outro apresenta o seu “número estranho” acolá, como se num circo e ou num teatro
de variedades. Além das especialidades de cada um, nada mais se sabe deles e,
portanto, não há espaço para se criar empatia por quem quer que seja, de dentro
e ou de fora da fenda temporal. Mas não creio que este detalhe incomode o
público alvo, na faixa dos 9 aos 12 anos. Se não se fala de diferenças, não há
razão para se discutir preconceitos.
Também não me
parece que os pequenos espectadores vão deixar as guloseimas de lado para questionar
o “efeito marmota”, a “fenda temporal” e as idas e vindas de Jake entre 2016 e 1943. Afinal, estão
ali para se divertir (se for possível) e não para pensar e dar um nó no cérebro
diante de algumas incoerências da narrativa. Tudo bem que não se pode esperar
lógica e ou coerência num filme infantojuvenil (principalmente de Burton!) que
aborda o fantástico e a viagem no tempo..., assunto que povoa a mente de milhões
de crianças em todo o mundo..., mas alguns remendos nos furos no script não fariam mal.
Enfim, como
o seu enredo está nivelado no “inho”: bonitinho, engraçadinho, divertidinho, o
suspense é levinho e a ação meio pastelão(zinha). O que não que dizer que O Lar das Crianças Peculiares seja uma
comédia. Há uma cena ou outra mais forte, mas nada que amedronte (ou
traumatize) a garotada acostumada a games violentíssimos, a sangrentos
programas televisivos e a filme de super-heróis. Os “desafios” (alguns bem
bobos) enfrentados pelos peculiares são de fácil solução. O humor é tacanho. No
“terceiro ato” até há uma tentativa de se fazer graça com algumas tiradas do
caricato vilão Sr. Barron (L Jackson),
mas as “piadas macabras” não rendem mais que dois ou três sorrisos breves. Tampouco
funciona o forçado romance entre Jake
e Emma (Ella Purnell), a garota que pode flutuar.
Para o
espectador/leitor ligado em enredos de ação e aventura, por conta das tais peculiaridades,
é fácil relacionar, à primeira vista (ou lida?), os jovens (mutantes) do Lar das Crianças Peculiares com os jovens (mutantes) da Escola
do Professor Xavier para Jovens Super-Dotados (X-Men). A diferença entre os dois grupos de “X” pode ser apenas uma
questão de semântica. Ou seria de inocência, já que os alunos (X-Teens) da Srta. Peregrine são mais ingênuos e menos treinados para o combate
que os alunos (X-Teens) do Professor Xavier? As referências não
param por aí. Como no universo das coincidências nem tudo é paralelo, é forte a
influência da obra-prima Monstros/Freaks
(1932), de Tod Browning (1882-1962), em todo o contexto (livro/filme). Se os
resquícios de Horizonte Perdido
(1973) ou de A Pequena Loja de Horrores
(1986) entre um “dia da marmota” e outro, e a animada homenagem ao mestre do stop motion Ray Harryhausen (1920-2013),
com a engraçadinha tropa de esqueletos, são passageiros na fugacidade digital na
telona..., reconhecidas imagens recicladas de produções alheias insistem em
permanecer na retina do cinéfilo. Pode ser interessante enumerá-las!
Assim,
considerando que, em meio a inúmeras referências, a marca característica de Tim Burton
prevalece, com seu visual deslumbrante e um 3D consistente, em detrimento de uma
trama que se desenvolve claudicante (guardando “ás” na manga para futuras
continuações?), alternando entre excelentes e frouxas sequências; que o elenco
faz o que pode dentro do pouco tempo que lhe cabe em cena; que a trilha-clichê
por vezes é irritante; que ao sair do cinema pouco (ou quase nada) se carrega
na memória da historinha que acabou de assistir..., do ponto de vista de um
adulto exigente e ansioso para ser surpreendido, acho que O Lar das Crianças Peculiares fica a desejar. O que não quer dizer
que o público jovem comungue com essa resenha ranzinza...
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