Já foram
feitos dezenas de filmes sobre o Holocausto..., e com certeza outras dezenas
virão. Geralmente é uma variação mais ou menos traumática e ou pungente do tema
Segunda Guerra/Nazismo x Judeu/ Campo de Concentração/ Liberdade..., que muito
espectador curioso ao tema já assiste meio que anestesiado, comendo pipoca e
tomando refrigerante..., enquanto a barbárie rola na tela.
O Filho de Saul (Saul
fia, 2015), filme húngaro dirigido por Lazló
Nemes..., retorna ao inferno de Auschwitz-Birkenau, em outubro de 1944, para
mostrar o destino das pessoas recolhidas ao campo de concentração e extermínio
pelo viés dos Sonderkommandos..., prisioneiros que tinham alguma sobrevida de
semanas ou meses, enquanto “serviam” aos alemães nazistas, alimentando de
judeus as câmaras de gás e os fornos incineradores e também de cinzas os rios e
de corpos excedentes as valas. Ainda que vivessem na iminência da própria
morte, os resistentes Sonderkommandos acreditavam no fim da guerra ou num
levante que facilitasse a fuga.
O Filho de Saul, co-roteirizado por Nemes e Clara Royer, num registro fotográfico
meticuloso e claustrofóbico de Mátyás
Erdély, acompanha a angustiante mudança de rotina e de caráter do judeu
húngaro Saul Ausländer (Géza Röhrig),
integrante do Sonderkommando, que (em vez de incinerar) decide enterrar o corpo
de um garoto “morto” na câmara de gás. Para tanto, precisa encontrar, entre os
prisioneiros, um rabino que faça as orações fúnebres àquele menino desconhecido
que tomou como seu filho. Uma tarefa muito mais difícil do que a de conduzir o
próprio povo para a câmara de gás..., já que tem que driblar a segurança
nazista e a contrariedade dos outros membros do grupo, que contam com ele para
levar a cabo o plano da revolta no campo de extermínio.
Excetuando a
história do menino morto, o enredo é inspirado em fatos macabros narrados em Os Manuscritos de Auschwitz, que fala do
trabalho nada nobre dos Sonderkommandos e a rebelião no dia 7 de outubro de
1944. Longe da pieguice melodramática da bíblia de entretenimento
hollywoodiana..., Lazló Nemes não está preocupado em fazer um filme bonito, mas
em mostrar os horrores da guerra e a ilimitada insanidade humana. Câmera na
mão, planos-sequência, enquadramento, closes, ausência de trilha (!!!), gritos,
diálogos mínimos (em húngaro, alemão, iídiche e polonês) e facetados contribuem
para uma das mais incômodas experiências cinematográficas do ano e ou já vista
em filmes sobre o Holocausto.
Nemes não
julga os atos dos Sonderkommandos e tampouco explica a obstinação de Saul em querer enterrar o corpo de um
desconhecido. Se é a expiação pelo trabalho ingrato em Auschwitz-Birkenau, a
recordação de algum filho morto e ou a percepção da infância perdida, caberá ao
espectador realizar tal leitura. Há um grande leque de possibilidades, que dependerá
muito da intensidade de imersão na trama. A mim, o gesto de solidariedade e fé,
de Saul, lembrou a ação do personagem
judeu Guido Orefice (Benigni), que faz
o seu filho Giosuè (Giorgio
Cantarini) acreditar que estão participando de um jogo e não num campo de extermínio,
durante a 2ª Guerra, no belíssimo A vida
é Bela (La vita è bela, 1997), de
Roberto Benigni. Em O Filho de Saul,
o também determinado protagonista age (contrariando as regras) sem se preocupar
com a perda de “privilégios” e ou com um dia a mais e ou a menos de vida (“estamos todos mortos!”) ao trocar o
rito a uma criança morta pela fuga dos adultos vivos. Até mesmo no final, um e
outro se complementam no itinerário da liberdade. Sombra e luz insólitas num
palco de atrocidades que (sete décadas depois) ainda teima em fazer eco em
outros territórios..., com ou sem alcance midiático.
O Filho de Saul é um drama tenso, à beira de um
thriller de guerra, muito bem conduzido pelo estreante Lazló, que acerta tanto
no elenco quanto na narrativa sóbria. Não há exibicionismo e sequer trilha
sonora (!!!) para desviar a atenção. O terror provocado está mais na sugestão,
que é sempre mais forte e incômoda que qualquer cena explícita. Um filme para
se ver e refletir uma pouco mais sobre a senda evolutiva do homem social e
religioso.
Ah, não será
novidade se, em breve, os norte-americanos decidirem refilmá-lo, enchendo de
clichê, trilha chorosa, sensacionalismo etc.
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