Mesmo sendo
fã dos quadrinhos e das antigas animações (ou talvez por isso!), não me senti
confortável para escrever sobre Snoopy e
Charlie Brown: Peanuts, O Filme. O
desenho dos personagens, com os traços (olhos e bocas) dançando na cara deles,
me incomodou e acabou me desconectando da história assim-assim..., que
reconheço, melhora um pouco do segundo para o terceiro ato. O Bom Dinossauro foi outra produção que
não me animou. Além do traço muito feio dos dinossauros, a fraquinha trama
(sobre insegurança) infantil (com referências inclusive ao concorrente A Era do Gelo) não me convenceu. Todavia,
me simpatizei com o Êpa! Cadê o Noel?...,
ainda que o título tenha nada a ver com a narrativa. Por falar em título, o
curioso (não entendi a razão) é que em cada país, onde a animação é lançada, o
título original: Ooops! Die Arche ist
weg… (tipo: Oooops! A Arca se foi...)
é modificado: Onde está a Arca?; Noé sumiu!; Cadê Noé?; De dois em dois....,
etc.
Êpa! Cadê o Noé? (Ooops!
Die Arche ist weg, 2015, Alemanha, Bélgica, Luxemburgo, Irlanda), dirigido
por Toby Genkel e Sean McCormack, é uma animação
computadorizada que apresenta uma trama inspirada na lenda bíblica da Arca de
Noé e é interpretada somente por animais míticos e ou reais. Mas fica
tranquilo, tem nada (!) a ver com apelativa doutrinação religiosa..., o seu
foco é muito mais pertinente: sociabilidade.
Ou seja, fala de família e formação
moral, porém, numa linguagem descompromissada e, portanto, muito mais
eficaz para espectadores de qualquer idade.
A história
começa com a revelação de que uma avassaladora enchente está a caminho e que
somente os animais convidados, carnívoros e herbívoros, poderão subir a bordo
de um Arca e se salvar do dilúvio iminente. Na fila dos bichos privilegiados,
as duplas são formadas por casais e ou pais e filhos..., como é o caso dos gentis
Dave e seu filho Finny, dois míticos Nestrians,
que ao fazer o check-in não têm como comprovar
que são animais de verdade e que estão na Lista VIP, e das estressadas Hazel e sua filha Leah, duas Grymps que
acabam envolvidas num plano maluco para abrigar os dois excluídos. Enquanto os
adultos discutem sobre invasão de privacidade, Leah e Finny decidem
explorar o local e acabam do lado de fora da Arca e em meio à inundação. Daí,
enquanto os pais procuram pelos seus filhotes na imensa Arca, os jovens, em
terra, tentam encontrar uma forma de voltar para a segurança da embarcação.
Seguindo lado
a lado, as histórias de dedicação e preocupação
(dos pais) e a de aventura e ocupação
(dos filhos) abrem espaço para uma fascinante análise do macrocosmo dos adultos
dentro da Arca, desvelando a intolerância, o preconceito, o racismo, a
burocracia, dos passageiros e da tripulação..., e do microcosmo dos jovens perdidos,
colocando em prática todo o aprendizado de sobrevivência fora do “ninho”. O
universo infantil de Finny e Leahl, repleto de contrastes e confrontos, é sem dúvida muito mais interessante que o
dos seus pais. De um lado, o ingênuo Finny
que, por viver uma vida itinerante, tem carência de amigos e está sempre
disponível para novas amizades com qualquer espécie que possa também
compartilhar conhecimento e um gostoso abraço para levantar o astral. De outro,
a “arrogante” Leah, criada para ser
totalmente independente num mundo competitivo e machista, o que a faz evitar
qualquer tipo de amizade e ou ajuda. Duas tocantes realidades em pauta para
muito texto: pertencimento e afetividade (em Finny) e isolamento e desprezo (em Leah). Duas crianças vivendo o que aprenderam em casa com seus
pais.
A propósito
do argumento desta animação europeia, coincidentemente publiquei recentemente, no
meu blog literário Falas ao Acaso, um pertinente decálogo sobre educação e família, escrito pelo pediatra
e psicanalista argentino Arnaldo Rascovsky (1907-1995): Os meninos aprendem o que vivem..., que tem tudo a ver com o que acabei de dizer: Se um menino vive criticado, aprende a
condenar./ Se um menino vive com hostilidade, aprende a brigar./ Se um menino
vive humilhado, aprende a sentir-se culpado./ Se um menino vive com tolerância,
aprende a ser tolerante./ Se um menino vive com estímulos, aprende a confiar./
Se um menino vive estimado, aprende a estimar./ Se um menino vive com justiça,
aprende a ser justo./ Se um menino vive com segurança, aprende a ter fé./ Se um
menino vive com aprovação, aprende a querer-se bem./ Se um menino vive com
aceitação e amizade, aprende a encontrar amor no mundo. Se quiser, confira
o decálogo em espanhol, no blog.
O enredo desta
interessantíssima fábula (contemporânea) pode não até ser dos mais originais...,
há muita animação (e até ficção) que fala de animais em fuga, por causa de
alguma catástrofe natural, e de pais em busca de filhos perdidos. Isso é fato,
mas não é o “X” da questão em Êpa! Cadê o
Noé?. O que conta, aqui, é a sagacidade dos seus realizadores no desenvolvimento
do tema socialização. Para o
espectador adulto (pensante): uma grande metáfora dos dias presentes (?). Para
o espectador infantil (receptivo): uma história divertida, sensível, e com
mensagem muito bacana e nada piegas sobre relacionamentos.
Literalmente uma animação para pais e filhos..., que podem ter de rever seus
conceitos após a sessão.
Êpa! Cadê o Noé?, não é uma náufraga animação à
deriva num mercado dominado pelos grandes estúdios norte-americanos. Muito pelo
contrário, além do excelente conteúdo, tecnicamente tem ótimo desempenho,
principalmente na variação de texturas, como, por exemplo, nas peles (de
pelúcia) dos Nestrians e (sedosa) dos
Grymps. Os personagens são bem
resolvidos e o desenho da maioria é agradável (e fofo!). A paleta de cores é
maravilhosa, o ritmo de ação (pastelão) e aventura é muito bom e o humor leve
funciona para todos os públicos. Embora uma ou outra situação pareça já vista
em outros filmes do gênero, há soluções bem criativas, como o hilário disfarce
dos fantásticos Nestrians e o
rotineiro serviço de bordo da Arca. É também notável a delicadeza na direção das
sequências mais tocantes, envolvendo a reveladora jornada dos filhotes.
Enfim, considerando
a emoção (em cenas de cortar o coração) que me tomou; as deliciosas gags; as
linhas sobre criacionismo e evolucionismo camufladas no subtexto..., ainda que
o título brasileiro seja ridículo e gratuito, Êpa! Cadê o Noé? é um filme que pode ancorar com segurança para
pais e filhos e educadores em qualquer sala de cinema.
Ah, em 2015,
Êpa! Cadê o Noé? ganhou o prémio Pardal de Ouro, de Melhor Filme Animado,
na 23ª edição do Festival Alemão de Mídia Infantil (Deutsche Kinder-Medien-Festival Goldener
Spatz).
Muito bom! Assisti muitas vezes com meu filho!
ResponderExcluir..., grato por sua visita, leitura e considerações, Pessoal e Estudo.
ExcluirAmei muittooo merece uma série 😍
ResponderExcluir..., uma boa ideia Unknown! ..., boa mesmo!
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