domingo, 21 de fevereiro de 2016

Crítica: O Lobo do Deserto


A cultura árabe é rica em provérbios. Em O Lobo do Deserto, há dois muito pertinentes abrindo e fechando a trama. Um, fala sobre a profundidade do Mar Vermelho. Outro, da amizade com lobos..., que não vou citar para não induzir a leitura dessa interessante história que nos chega do oriente, varando a poeira deixada pelo velho Lawrence da Arábia (1962), de David Lean, para nos guiar por uma nova trilha sob o olhar curioso e aguçado do aprendiz Theeb (Jacir Eid Al-Hwietat) e a direção segura do estreante jordaniano Naji Abu Nowar.


O Lobo do Deserto (Theeb, 2014), com roteiro de Nowar e Bassel Ghandour, é uma ficção que se passa na Arábia, durante o Império Otomano, no ano de 1916, próximo à Primeira Guerra Mundial. O envolvente enredo narra, com muita perspicácia e num cenário deslumbrante, a história de Theeb (Al-Hwietat), um garoto de uns dez anos, que segue o seu irmão Hussein (Hussein Salameh Al-Saliheen), contratado por um oficial britânico (Jack Fox) e um tradutor árabe (Marji Audeh) para guiá-los, pelo deserto, até um estratégico poço romano. Nessa viagem (praticamente uma jornada do herói nua e crua) rodeada de muitos perigos, o pequeno Theeb, cujo nome significa “lobo”, terá que manter seus grandes olhos bem abertos e aprender a confiar até mesmo num estranho beduíno (Hassan Mutlag).


Embora deixe transparecer que o fim da inocência para o menino Theeb é também o fim de uma era para o hospitaleiro povo do deserto, o enredo não trata diretamente da Revolta Árabe, do Mandato Britânico da Palestina ou da 1ª. Guerra Mundial. Mas estas questões sociais (em ponto de ebulição!) que mudariam o mapa e as tradições locais, são visíveis (e com forte impacto!) entre cenas. A chegada de estranhos ao acampamento da família de Theeb, na mais apavorante e memorável sequência da narrativa, serve com metáfora dessas iminentes mudanças.


Lobo do Deserto tem um andamento diferenciado dos (ansiosos) filmes de ação e aventura hollywoodianos. A sua cadência de passo de camelo (bailando entre dunas e rochedos) é mais contemplativa..., já que o conto árabe trata de uma viagem de descoberta (e aprendizado) do mundo (em transformação) real ao redor de Theeb. O que não quer dizer que haja algum excesso dramático e ou cenas (de ação) que se estiquem além do necessário.



Enfim, considerando a magnífica fotografia de Wolfgang Thaler; o excelente elenco amador (o único profissional é Jack Fox); a performance do jovem Jacir Eid Al-Hwietat, com seus marcantes olhos-jabuticabas; as inconvenientes e famintas moscas “coadjuvantes”; o roteiro com sabor de novidade e tiradas memoráveis; o enredo que não subestima a inteligência de nenhum espectador jovem ou adulto; a edição cirúrgica; a surpreendente direção de Naji Abu Nowar..., vale tanto o ingresso quanto a indicação ao Oscar 2016.

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