A cultura
árabe é rica em provérbios. Em O Lobo do Deserto, há dois muito
pertinentes abrindo e fechando a trama. Um, fala sobre a profundidade do Mar
Vermelho. Outro, da amizade com lobos..., que não vou citar para não induzir a
leitura dessa interessante história que nos chega do oriente, varando a poeira
deixada pelo velho Lawrence da Arábia
(1962), de David Lean, para nos guiar por uma nova trilha sob o olhar curioso e
aguçado do aprendiz Theeb (Jacir Eid Al-Hwietat) e a direção segura
do estreante jordaniano Naji Abu Nowar.
O Lobo do Deserto (Theeb, 2014), com roteiro de Nowar
e Bassel Ghandour, é uma ficção que se passa na Arábia, durante o Império
Otomano, no ano de 1916, próximo à Primeira Guerra Mundial. O envolvente enredo
narra, com muita perspicácia e num cenário deslumbrante, a história de Theeb (Al-Hwietat), um garoto de uns dez
anos, que segue o seu irmão Hussein (Hussein Salameh Al-Saliheen), contratado
por um oficial britânico (Jack Fox) e
um tradutor árabe (Marji Audeh) para
guiá-los, pelo deserto, até um estratégico poço romano. Nessa viagem (praticamente
uma jornada do herói nua e crua) rodeada
de muitos perigos, o pequeno Theeb,
cujo nome significa “lobo”, terá que manter seus grandes olhos bem abertos e
aprender a confiar até mesmo num estranho beduíno (Hassan Mutlag).
Embora deixe
transparecer que o fim da inocência para o menino Theeb é também o fim de uma era para o hospitaleiro povo do deserto,
o enredo não trata diretamente da Revolta Árabe, do Mandato Britânico da
Palestina ou da 1ª. Guerra Mundial. Mas estas questões sociais (em ponto de
ebulição!) que mudariam o mapa e as tradições locais, são visíveis (e com forte
impacto!) entre cenas. A chegada de estranhos ao acampamento da família de Theeb, na mais apavorante e memorável sequência
da narrativa, serve com metáfora dessas iminentes mudanças.
Lobo do Deserto tem um andamento diferenciado dos (ansiosos)
filmes de ação e aventura hollywoodianos. A sua cadência de passo de camelo (bailando
entre dunas e rochedos) é mais contemplativa..., já que o conto árabe trata de
uma viagem de descoberta (e aprendizado) do mundo (em transformação) real ao redor
de Theeb. O que não quer dizer que
haja algum excesso dramático e
ou cenas (de ação) que se estiquem além do necessário.
Enfim, considerando
a magnífica fotografia de Wolfgang
Thaler; o excelente elenco amador (o único profissional é Jack Fox); a performance do jovem Jacir
Eid Al-Hwietat, com seus marcantes olhos-jabuticabas; as inconvenientes e
famintas moscas “coadjuvantes”; o roteiro com sabor de novidade e tiradas
memoráveis; o enredo que não subestima a inteligência de nenhum espectador
jovem ou adulto; a edição cirúrgica; a surpreendente direção de Naji Abu Nowar...,
vale tanto o ingresso quanto a indicação ao Oscar 2016.
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