A Laika é uma produtora singular que vem se
destacando, tanto pela excelência técnica e quanto pela qualidade dos enredos, num
universo muito particular (pela complexidade) da animação em stop-motion. Até onde se saiba, é a
única que trabalha com temas sombrios, melancólicos..., porém divertidos, como
os fascinantes curta Moongirl (vídeo
sem legendas, 2005) e os longas Coraline (2009)
e ParaNorman (2012).
Em Os
Boxtrolls, a viagem é para os subterrâneos da amontoada Pontequeijo (Cheesbridge), abrigo dos simpáticos trolls, que se vestem com caixas de produtos diversos e de onde
tiram seus pitorescos nomes (Peixe, Chulé, Ovo). Os moradores da vitoriana cidade os temem, por acreditar que,
além de roubar seus preciosos queijos, eles sequestram e matam bebês humanos. Para
dar fim às odiadas criaturas, as autoridades locais contratam o exterminador de
pestes Arquibaldo Surrupião, da Companhia dos Homens dos Chapéus Vermelhos,
que emprega o maldoso Sr. Rude e os
inocentes úteis Sr. Picles e Sr. Truta. O caçador Surrupião é um homem ambicioso que fará
de tudo para dar cabo das adoráveis criaturas e ocupar um lugar à mesa de
queijos da Sociedade dos Chapéus Brancos.
No entanto, um bebê (Ovo) desaparecido
há dez anos e um garotinha (Winnie)
da sociedade podem transformar o seu sonho, de troca de chapéu, em um explosivo
pesadelo.
Baseado no livro Here Be Monsters (2005), de Alan Snow, a animação de aventura e
suspense Os Boxtrolls (The Boxtrolls, 2014), dirigida por Graham Annable e Anthony Stacchi, é um achado maravilhoso. O seu contexto não marca
página nas histórias comuns. O roteiro inventivo, de Irena Brignull e Adam Pava,
parece saído das páginas clássicas de Charles Dickens, tão rica é a reflexão sobre
os perturbadores vícios humanos que, sem o menor teor de pieguice, estão na
tela e em linguagem acessível a qualquer público.
Com seu estilo steampunk-vitoriano, Os Boxtrolls
é de uma contemporaneidade absurda. Em meio a acontecimentos bizarros, traz à
tona assuntos pertinentes, como aparência (física), conveniência (social), corrupção
(política), família (desestruturada), preconceito (racial). Tudo, é claro,
entre uma dose e outra de humor infantil, nonsense, negro,..., para fixar a
mensagem nos futuros formadores de opinião. As tocantes discussões morais entre
Sr. Picles e Sr. Truta, sobre o perverso trabalho que executam, são antológicas.
Considerando que a narrativa desenha uma
história cativante e altamente reflexiva; que não há nenhuma luta pela tomada
de poder; que a eficácia do discurso cínico, ou melhor, irônico, provoca o espectador
(principalmente em véspera de eleições), expondo a mesquinhez de pessoas em uma
luta de classes por status, por um lugar no rol das celebridades (descerebradas!)
que, no alto da sua hipocrisia, decidem se devem investir na fabricação de queijo
ou na construção de hospital para crianças; que os personagens são muito bem escritos
e desenhados; que os diálogos (ainda que dublados!!!) são ótimos; que
tecnicamente é irretocável..., Os Boxtrolls é uma animação imperdível!!!
NOTA: Há uma
genial e desconcertante sequência pós-créditos finais. A conversa afiada sobre
“quem somos” realmente cala fundo, quando nos atentamos para a pontuação do
texto nas entrelinhas! Talvez você diga: Ora,
mas isso eu já sei! Saber ou não da tese é mero detalhe. A grande questão é
como se livrar do cabresto....
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