quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Crítica: Trash - A Esperança Vem do Lixo


Ultimamente o cinema brasileiro vem se vendendo pelos extremos.  De um lado a tríade favela-tráfico-violência, assunto que parece não demonstrar sinais de esgotamento nem nos telejornais sensacionalistas diários. Do outro, comédia (re)calcada nos programas humorísticos televisivos e peças de teatro que, mesmo não tendo a menor graça, leva milhões de espectadores às salas de cinema. Outros gêneros, ainda que com grande apelo de elenco ou de assunto, não chegam a tanto.

Trash - A Esperança Vem do Lixo, assim mesmo, com o título em inglês e subtítulo (piegas) em português, é um drama policial investigativo dirigido pelo britânico Stephen Daldry. A ficção (futurista?), baseada no romance homônimo do escritor inglês de literatura infantojuvenil Andy Mulligan, trata de corrupção política, violência policial e cidadania.


No centro do imbróglio, uma carteira com alguns bons trocados encontrada em um lixão, no Rio de Janeiro, pelo catador Raphael (Rickson Tevez), um adolescente que, em pouco tempo, vê seu golpe de sorte se transformar em golpe de azar. Pois, mal comemora o achado com seu amigo Gardo (Eduardo Luis), descobre que, além do dinheiro e da identidade de um tal José Ângelo (Wagner Moura), a carteira deve ter algo muito valioso, já que o policial Frederico (Selton Mello) está decidido a encontrá-la. Como quem trabalha em lixão não tem medo de sujeira, mas desconfia de uma polícia muito generosa na recompensa, Raphael e Gardo procuram um amigo mais esperto, Rato (Gabriel Weinstein), e os três resolvem investigar a origem da carteira.

No livro a história (de ação e aventura) se passa em um país fictício do Terceiro Mundo. Poderia ser na Índia, nas Filipinas ou mesmo no Brasil, onde a adaptação caiu como uma luva. Na verdade, qualquer leitor terceiro-mundista reconhece a sua realidade na obra de Mulligan, que não precisa projetar uma distopia para discutir uma utopia. Ou seja, as questões sócio-políticas que levanta em seus livros, para leitores jovens, são comuns no mundo enumerado.


O roteiro escrito por Richard Curtis é de uma crueza perturbadora e de uma singeleza arrepiante..., num bem-vindo contraponto de situações-limite. Se bem que, ainda que a história seja uma ficção, os fatos (brasileiros de violência civil e ou militar) superam a fantasia. Se a narrativa não adoça a língua malfazeja da polícia e ou doura suas balas, tampouco se apropria de clichês novelísticos baratos (excetuando a trilha sonora redundante) para espetacularizar a vida difícil dos garotos. Afinal, na periferia, o que adorna o contorno, não é o que se recicla no lixo do dia, mas o que se salva do fogo cadente que assobia na noite.

Nos dias de turbulência social em que vivemos, com a grita a favor e contra a punição aos “de menor”, por crimes cometidos, muitos espectadores serão colocados em xeque, diante das ousadas ações (de cidadania?) dos três amigos favelados e semialfabetizados em busca da verdade envolvendo a carteira. Movimento improvável (impossível?) no tabuleiro da violência social, cujas peças igualitárias estão sempre perdidas no arquivo morto da economia no intermédio das eleições?  Ou uma boa chacoalhada na caixa para atirar para fora (da zona de conforto corporativista) as peças que fazem o país claudicar e patinar aquém dos 20 centavos?


Trash - A Esperança Vem do Lixo (Trash, 2014), independente de seu conteúdo por vezes pesado e indigesto, é acima de tudo uma história otimista (talvez por isso “a esperança” no subtítulo)..., e bem intencionada sobre valores éticos, desde que observado que toda ação e reação é do ponto de vista (moral) dos adolescentes. Embora o seu final anárquico (amoral?) e lúdico possa incomodar os mais puristas. Bem, sonhar com um novo amanhã custa nada.

Considerando que Trash é uma crônica sócio-política com sequências nervosas, na excelência de Selton Mello apavorando com seu policial, e outras sensíveis, nas interpretações emocionantes de Rickson Tevez, Eduardo Luiz e Gabriel Weinstein; que há ótimos diálogos - segundo o diretor, a maior parte improvisada pelos garotos; que o flerte com o mockumentário agrega valor ao prato; que há um curioso quebra-cabeça envolvendo religião e contravenção; que a trilha sonora de Antonio Pinto é intrusiva, redundante e manipuladora, quanto mais aparece, mais descartável (feito musiquinha de telejornal); que é um filme-reflexão para o público jovem, sem menosprezar o adulto, com questões interessantíssimas para discussão em Sala de Aula, ONG, Pontos de Cultura etc..., recomendo com louvor! 

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