Um homem enquadrado enquadrando o mundo ao seu
redor. Juvenal (Paulo André), condutor de metrô em Belo Horizonte. Uma mulher
enquadrada enquadrando o mundo ao seu redor. Margô (Sílvia Lourenço),
controladora de estação de metrô em Belo Horizonte. Em comum, ou quase, a solidão.
A dele, analógica. A dela, digital. A timidez num mundo fluido sobrecarregado
de anônimos sobrecarregados de idiossincrasias. O claustro. As fobias de cada
um. Ele deixando se perder na multidão. Ela tentando se encontrar em pixels. Juvenal mora num velho escritório
travestido de apartamento rodeado de coisas mínimas. Coisas unitárias. Não espera
que alguém o visite. Não espera que alguém distraia a sua vista de primeiro
andar sobre transeuntes térreos. Quando se mistura a eles, não espera relar e
ou ser relado. Relar em alguém é criar intimidade indesejada. É abrir brecha
para confidências. Solitários têm horror a confidências. Paga o desejo para não
criar intimidade. Margô compartilha
um pequeno apartamento com o pai velho (Jean-Claude
Bernardet). Não se relam. Conectada à internet também não rela em outro
usuário. Um toque automático na tela afaga seus peixes digitais com comida virtual.
Quando um café, um almoço quebra a rotina solitária e o conforto do anonimato
com uma “súplica”, talvez seja a hora de ambos reverem seus conceitos de
convivência. Pois, como dizia o sofista Protágoras (480 a.C. - 410 a.C.): “O homem é a medida de todas as coisas, das
coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.”
O Homem
das Multidões (Brasil, 2012), de Marcelo Gomes e Cao
Guimarães é uma crônica contemporânea inquietante e sensível que dialoga
com o conto homônimo do escritor Edgar Alan-Poe e com o ótimo docudrama Transeunte (2010),
de Eryk Rocha. O curioso quadrado que limita a tela, enclausurando
personagens, feito janela de vagão de metrô ou de monitor, é uma provocação e
tanto. A impressão é a de assistir ao drama por uma fresta na tela, num
excelente registro fotográfico de Ivo Lopes
Araújo, que não dispensa intrigantes close-ups
e close-ôps. Assim como uma claraboia
direciona a luz, a projeção direciona o olhar do espectador a uma leitura mais intimista
da narrativa que tem o seu ponto alto na performance do casal protagonista. Um
filme para quem ainda acredita em ousadias estéticas no cinema
brasileiro.
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