sábado, 12 de abril de 2014

Crítica: Divergente


Utopia distópica e ou distopia utópica é um assunto perturbador e recorrente na ficção científica. Quando bem desenvolvido, na literatura ou no cinema, pode resultar em acalorada e reflexiva discussão. No entanto, a impressão é a de que os novos autores não querem saber de lição de casa: ler ou ver os mestres do gênero que, com muito mais competência, trataram do tema. Como o passado não parece ser de interesse de quem projeta literariamente ou cinematograficamente o futuro, e o leitor ou espectador infantojuvenil está mais interessado na aventura romanceada no caos (sociopolítico) do que na reflexão do caos (sociopolítico)..., o que vier é lucro para editores e produtores.  A obra da vez é Divergente, da escritora Veronica Roth, na leitura do diretor Neil Burger. Nada mais divergente!

Divergente (Divergent, EUA, 2014), o primeiro de uma série de quatro filmes (Insurgente e Convergente - em duas partes), fala de um mundo devastado por uma guerra onde, em vez de embate com paus e pedras, os sobreviventes estadunidenses, divididos em cinco grupos distintos: Abnegação, Amizade, Audácia, Franqueza, Erudição, e um sem-facção, comungam uma paz calculada no fiel da confiança. Todos sob o governo dos Abnegados (ao menos na aparência).  Vivendo em uma Chicago semidestruída, cercada por muro e torres elétricas, essa gente faccionada pelo DNA, tem a “oportunidade” de, aos 16 anos, mudar de grupo, contrariando o seu DNA-Casta. Porém, (sempre há um porém na esmola demasiada), aquele que não se adaptar ao novo grupo, se tornará um pária (sem-facção).


Beatrice/Tris (Shailene Woodley) é uma abnegada que acredita ter nascido para ser audaciosa, mas um teste de aptidão prova que ela faz parte de uma minoria nascida fora da caixinha. Ou seja, se enquadra em qualquer grupo e em nenhum deles. Em resumo: é uma ameaça ao sistema de cotas. Ao trocar Abnegação por Audácia, a adolescente, que conta com a assistência do reservado treinador Quatro (Theo James), irá descobrir que, numa sociedade em que o fiel da confiança anda desequilibrado, segredos podem ser violados e a audácia subjugada por efeitos colaterais. Ah, a inconstância dos homens!

Divergente é um filme do pouquinho: pouquinho de ação, pouquinho de vilania, pouquinho de aventura, pouquinho de romance rebelde etc..., o suficiente para “prender a atenção” do público alvo adolescente e não incomodar o Tico e o Teco empanturrados de refrigerante e pipoca. Da obra original de Roth, lançada quando ela tinha apenas 21 anos, conheço apenas o que li nas sinopses e não me arrisco a ir além disso (!), para não quebrar o pescoço ao mergulhar na pocinha de água que marola com girinos, sonhando em ser um tsunami. Também porque não quero macular a minha memória afetiva (de clássicos) com literatura aflitiva inspirada nos populares Harry Porter (1997/2007), de J. K. Rowling e Jogos Vorazes (2008/2010), de Suzanne Collins.


Todavia, não parece que só os livros de Veronica carecem de amadurecimento. Burger, que realizou os excelentes O Ilusionista (2006) e Sem Limites (2011), parece ter sido atropelado pelos integrantes jovens da facção Audácia que, enquanto fazem a segurança (?) da cidade, praticam parkour, gritam e correm felizes como se fossem apresentar algum número musical de Jesus Cristo Superstar ou de West Side Story. Só para situar, excetuando os sem-facção, que parecem zumbis, todos os integrantes das outras facções são caracterizados pelo figurino-uniforme e ou alguma expressão-uniforme hereditária. Parece que o diretor, com base no roteiro simplório de Evan Daugherty e Vanessa Taylor, que possivelmente é fiel ao romance simplista..., pensou: - Quer saber? Audácia é energizada demais, vou mesmo é de Abnegação! E foi! Deixou a velha-nova Chicago em meio a fogo cruzado da submissão e da sublevação e o espectador adulto (embasbacado!) à espera de algo realmente novo e não de um arremedo (altruísta) de uma história tola, já vista até mesmo em bobagens pseudocientíficas-politizadas “B”. 

Considerando que em 1997 vi uma inesquecível pérola (sobre eugenia): Gattaca, de Andrew Niccol, um dos melhores sci-fi de todos os tempos, e em 2013 assisti ao ótimo Ender’s Game - O Jogo do Exterminador, de Gavin Hood, que trata do recrutamento de crianças para treinamento em artes da guerra; considerando que me diverti um bocado com as adaptações de Harry Poter e até me surpreendi com os Jogos Vorazes; considerando que os 140 minutos de Divergente parecem 180, que é um “filme pronto” - para adolescente não ter que pensar (só suspirar pelo casal protagonistas!), que o elenco obedece as marcações do diretor (e a maioria deve estar de volta em Insurgente), que a trama é risível na sua redundância (eu também ando cada vez mais redundante)..., é um filme que não disse a que veio, pelo menos ao espectador (cinéfilo) adulto e não-leitor dos livros de Roth, a Veronica, não o Philip.

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