Conheci
Ravel Giordano Paz aqui no Claque ou Claquete. Ele apareceu para
ler minhas críticas, comentou, deixou endereço do seu site: Arquivos Críticos. Retribui visitas e comentários. E
a web-amizade nasceu daí. Não poderia perder a oportunidade de disponibilizar esta
surpreendente entrevista do inquietante organizador de A
Indústria Radical - Leituras de Cinema como Arte-Inquietação, concedida a Ademir Luiz (*).
RAVEL GIORDANO PAZ
um
radical do cinema e da literatura
Doutor em
Letras e pós-doutor em Teoria Narrativa, Ravel
Giordano Paz analisa a indústria cinematográfica atual, a importância da
obra de Machado de Assis e Chico Buarque, a “crítica profissional” de Wilson
Martins e as desleituras de Harold Bloom.
Ravel Giordano de Lima Faria Paz é professor da Universidade Estadual
do Mato Grosso do Sul e autor do livro Serenidade
e Fúria: o Sublime Assismachadiano, lançado pela Editora Nankin. Mestre em
Teoria e História da Literatura pela Universidade Estadual de Campinas, na qual
estudou os dois primeiros romances de Chico Buarque, Estorvo e Benjamim,
doutor em Letras Clássicas e Vernáculas (Estudos Comparados de Literaturas de
Língua Portuguesa) pela Universidade de São Paulo, onde realizou uma
aproximação contrastiva entre Machado de Assis e Almeida Garrett, e pós-doutor
pela Unicamp, onde pesquisou afinidades, diferenças e conflitos ideológicos das
proposições de Bakhtin e Derrida relacionadas à teoria da narrativa. Justamente
com o professor Fabio Akcelrud Durão, da Unicamp, organizou o livro A Indústria Radical - Leituras de Cinema
como Arte-Inquietação, lançado recentemente pela Editora Nankin, que reúne
15 artigos sobre a indústria cinematográfica, abordando desde o cinema
clássico, com textos sobre Cidadão Kane
e Terra em Transe, até a Saga Star Wars e o cult alternativo Pink Flamingos. Nesta entrevista Ravel
fala sobre cinema, literatura, a resistência da crítica literária quanto a
Chico Buarque e as desleituras de Harold Bloom.
Ademir Luiz: Por
que a indústria do cinema é uma indústria radical?
Ravel: Penso
no cinema como uma indústria radical no sentido de uma indústria em que, não
obstante o peso inegável das demandas econômicas, também as demandas artísticas
dos criadores valem alguma coisa, em graus variáveis, mas que não raro — ainda
que minoritariamente — chegam ao nível de radicalidade ético-estética (dois
conceitos, a meu ver, indissociáveis) das grandes obras de arte. E essa
radicalidade se acentua por um dado estrutural a meu ver intrínseco à forma
fílmica, que é sua espécie de destinação ao real: por mais surreal,
inverossímil ou amalucado que um filme seja, é sempre um naco da realidade que
uma tomada de câmera apreende. Essa “destinação” é tão efetiva que mesmo na era
da computação gráfica, quando de certa forma se torna possível escapar a ela,
sua força não diminuiu: vide, por exemplo, Avatar
e Expresso Polar. Pode-se
argumentar que isso tem a ver simplesmente com a hegemonia das formas
narrativas (em detrimento, no caso, do “cinema de poesia”, para usar a
expressão de Pasolini) num mundo orientado pela racionalidade instrumental, mas
também é preciso notar que as próprias técnicas que possibilitaram o
desenvolvimento da indústria cinematográfica são frutos desse mundo. Ou seja, o
cinema é uma arte (e indústria) radicalmente vinculada às bases materiais do
mundo moderno.
AL: Muitos dos intelectuais contemporâneos
passaram a citar filmes no lugar de literatura ou obras filosóficas, como forma
de embasar suas reflexões. Como interpretar essa tendência? O italiano Giovanni
Sartori está certo quando afirma que o homo sapiens está se tornando homo
videns? Essa guinada para o audiovisual atrapalha ou banaliza a reflexão?
Ravel: Penso
que essa tendência é salutar até certo ponto. É natural, inevitável e mesmo
indispensável que os objetos audiovisuais se incorporem aos processos reflexivos
e autorreflexivos num mundo onde eles ganham uma preeminência cada vez maior.
Mas o distanciamento crítico é igualmente indispensável, e nesse sentido outros
aportes são fundamentais; sem falar nos riscos de superficialidade, como a que
se verifica, por exemplo, na reflexão de Néstor García Canclini. Quanto à
assertiva de Sartori, pelo que entendi dela, se refere a um tipo de
transformação antropológica, senão biológica. Não me sinto habilitado a
considerar as coisas desse ponto de vista, mas, se posso emitir uma opinião,
diria que não me parece que os processos cognitivos tradicionais estejam sendo
substituídos por um tipo de pensamento mais imagético, e muito menos um
pensamento que dispense ou mesmo desloque a importância da linguagem verbal. Em
suma, parece-me que há um bocado de exagero, talvez uma ânsia de instituir
novos conceitos, na afirmação de Sartori.
AL: Seu artigo no livro reflete sobre O Anticristo, filme de Lars Von Trier. É uma obra repleta de simbolismos eruditos e
de conceitos psicanalíticos, como bem demonstrou em seu texto. Porém, tive
uma experiência com O Anticristo que
me deixou perplexo. Na sessão de cinema em que o assisti, as pessoas riam nas
cenas teoricamente mais pesadas, como no início no qual há sexo explícito e na
longa sequência de tortura do personagem de Willem Dafoe. Como explicar isso?
Devemos apelar para o chavão de que existe cinema pipoca e cinema de arte,
inacessível para as massas? O riso foi uma espécie de defesa contra o impacto
que essas cenas deveriam produzir?
Ravel: As
duas respostas são válidas e complementares mas ainda assim insuficientes. Em
relação à primeira, mesmo acreditando ser necessário relativizar de diversas
formas e por diversos motivos a oposição entre “cinema pipoca” e cinema de arte
(o professor Ramiro Giroldo, da UFMS, lembra que todo filme contém elementos
artísticos), penso ser natural que um público afeito ao primeiro tenha certa
dificuldade de acompanhar filmes herméticos como O Anticristo. E o tipo de função defensiva que você cita também
existe, sem dúvida, ainda que a níveis inconscientes ou quase. No entanto,
minha experiência como espectador de plateias, e não só de objetos estéticos,
me ensinou a tentar extrair dessas reações supostamente incongruentes algo de
valioso a respeito dos próprios objetos. Nesse caso, a lição é simples: ao
flertar com gêneros e códigos do cinema de massa, como a pornografia e o
terror, Trier se expõe a avaliações calcadas na familiaridade com esses
códigos. E o que se verifica aí é algo curioso, mas até certo ponto previsível:
que, muito embora efetiva, a radicalidade ético-estética do diretor dinamarquês
não faz frente ao tipo de “radicalidade”, digamos, mais mundana e estereotipada
desses códigos. Creio que a situação é mais perceptível no caso do recente Ninfomaníaca. Ainda não vi a versão sem
cortes, mas suponho que, em termos de “radicalidade pornográfica”, mesmo ela
passe longe, por exemplo, da ultra exposição acintosa a que os filmes
propriamente pornográficos submetem o corpo feminino. Note-se que não se trata
de fazer o elogio de “radicalidades” desse tipo (que eu insisto em grafar entre
aspas), mas de reconhecer um limite: o dito cinema de arte ainda paga certo
tributo ao moralismo pequeno-burguês... Aliás, é no interior dos padrões culturais
estabelecidos, e numa certa “negociação” com eles, que mesmo os filmes mais
radicais produzem suas problematizações ético-estéticas. Nesse sentindo,
mensurando histórica e “proporcionalmente” essa dialética com os padrões
morais, parece-me que é ainda Pasolini, pelo menos entre os cineastas mais
conhecidos, quem foi mais longe.
AL: O sr. é especialista em teoria, história e
em estudos comparados de Literatura. Qual sua perspectiva acerca da questão da
adaptação cinematografia de obras literárias? O que caracteriza uma boa
adaptação? A fidelidade? Ou o contrário, a possibilidade de partir do livro
para criar uma obra cinematográfica independente? É possível dar exemplos de
adaptações que se aproximaram do ideal?
Ravel: Acho
que existem muitos exemplos interessantes de adaptação cinematográfica, mas
nenhum que se paute por uma fidelidade stricto sensu. Nem sei, aliás, se esse
termo, “adaptação”, vale para todos os casos. Tome-se, por exemplo, a filmagem
de Esperando Godot, por Michael Lindsay-Hogg,
em que as marcações cênicas de Beckett são “violadas” em função de estratégias
de composição e significação especificamente cinematográficas, e uma obra-prima
como O Ciúme, de Godard, que
ressignifica inteiramente o “original” de Alberto Moravia. Apenas no primeiro
caso, a meu ver, se pode falar em adaptação, que nesse caso consistiria numa
transposição de linguagens, mas mesmo essa transposição implica necessariamente
em modificação. Ainda assim, são exemplos que se situam em extremos opostos, e entre
eles é possível localizar infinitos casos intermediários. Por exemplo as
adaptações (também nesses casos o termo me parece válido) de Drácula, por Francis Ford Coppola, ou de
Frankenstein, por Kenneth Branagh,
que buscam certa “fidelidade” aos “originais” mas também acrescentam outros
elementos. E há casos ainda mais extremos que o de “O Ciúme, como o de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de
Glauber Rocha, que teria sido inspirado - mas não mais do que isso - em Grande Sertão: Veredas. São
possibilidades igualmente válidas e interessantes. Problemático, a meu ver, é a
obsessão por recriar inteiramente os “sentidos originais”, que só pode resultar
num engessamento da potência formal cinematográfica. No mais, eu não daria
exemplos de adaptações ideais, no máximo citaria minhas adaptações ou
recriações preferidas. Dentre elas me lembro, agora, dos já citados O Ciúme e Drácula, Moby Dick, de
John Huston, 2001, de Stanley Kubrick
e, para citar uma obra nacional, Lavoura
Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho, sobre a qual publiquei um texto há
alguns anos.
AL: O sr. estudou os dois primeiros romances de
Chico Buarque no mestrado. Tanto Estorvo
quanto Benjamim, além de Budapeste, já foram adaptados para o cinema. Qual sua
opinião acerca dessas adaptações?
Ravel: Vi a
adaptação de Estorvo, por Ruy Guerra,
há muito tempo, e fiquei com a impressão que ela peca por um vanguardismo que
esvazia elementos importantes do livro, sem oferecer outros que o compensem. O
romance, na minha leitura, se constrói numa dicotomia entre um mundo de
simulacros e uma realidade nua e crua que invade o primeiro e expõe suas
contradições, além da unidade entre ambos, fundada no capital. Tive a impressão
de que aquele primeiro plano, de uma realidade elitista e simulacrizada,
praticamente se desvanece no estilo ultracinemanovista do filme. Mas essa é uma
impressão antiga, formada num momento em que meu contato com o romance era
muito intenso (estava em plena escrita da dissertação), e que — pensando no que
eu mesmo disse sobre a questão das adaptações — provavelmente desconsidera os
valores intrínsecos do filme. Sem dúvida ele tem uma força construtiva, mas eu
preciso revê-lo para tentar sopesá-la. Em relação ao Benjamim, de Monique Ganderberg, a minha impressão foi de que
também houve um tipo de esvaziamento em relação ao alcance temático do livro,
mas quase no sentido oposto ao do filme de Ruy Guerra, no sentido de que a
afetação da câmera e mesmo dos diálogos se atém ao universo do simulacro que também
está em pauta aí. Mas é um belo filme, com atuações muito sensíveis. De
qualquer forma, nos dois casos eu tenho certa dificuldade de me desprender dos
“originais” para formular uma avaliação mais equânime.
AL: O crítico Wilson Martins definiu Chico Buarque
como um “literato amador” e justificou seu sucesso comercial em função do fato
de que, segundo ele, “o literato amador e o leitor amador são figuras
simétricas e complementares da vida intelectual. Nenhum deles tem na literatura
o seu interesse predominante: um escreve por vaidade, o outro lê por desafio”.
Esse julgamento é justo? A literatura de Chico Buarque sobrevive sem a fama do
cantor e compositor?
Ravel: Pois
é, eu discuti essa posição, e outras, semelhantes, como a de Diogo Mainardi, em
minha dissertação. Primeiro, quero dizer que considero Wilson Martins um
péssimo crítico profissional, e acho que tanto em crítica quanto em criação
literária um status como esse, “profissional”, não diz muita coisa. Muitos
“leitores amadores” são mais argutos e sensíveis que muitos críticos
profissionais. Quanto à obra literária de Chico, realmente não sei se ela
integrará ou deveria integrar algo como um cânone definitivo da literatura
brasileira, se algo assim pudesse existir. Sem considerar, aqui, os trabalhos
de teatro e os próprios discos e canções (que são obras literomusicais), penso
que seus romances constituem uma contribuição valiosa. Todos têm certo grau de
profundidade e o mérito, parece-me - com a possível exceção de Estorvo -, de prender o leitor comum.
Certamente eles teriam muito menos leitores se não fossem obras de quem são,
mas isso não elimina seus méritos. Exige, talvez, uma maior vigilância crítica,
mas tanto no sentido do elogio quanto de reações ressentidas como as de Wilson
e Mainardi.
AL: Retomando a questão das adaptações
cinematográficas de obras literárias. Seu doutorado abordou a obra de Machado
de Assis, colocando-a em contraste com a de Almeida Garrett. Alguma adaptação
para o audiovisual realizada a partir de Machado de Assis lhe agradou? Por
exemplo, a minissérie Capitu
produzida pela Globo, a despeito de ser visualmente rica, em minha opinião,
traiu o espírito do romance, transformando-o numa farsa. O que o sr. achou?
Ravel: Lembro-me
de já termos discutido sua leitura de Capitu,
de Luiz Fernando Carvalho. Acho que você tem razão, mas gosto da minissérie
mesmo assim. O espírito farsesco é proposital e também pode ser tomado em
sentido positivo, não obstante o evidente esvaziamento da tensão social do
romance, pois nesse caso há elementos compensadores e que encontram certa
justificativa no âmbito da proposta. As inserções de imagens e músicas
contemporâneas, por exemplo, penso que têm relação com o deslocamento do foco -
ou melhor, do espírito da narrativa - da casmurrice de Bentinho para a
jovialidade de Capitu. Mas é claro
que há muito o que considerar aí. Carvalho embarca numa canoa que cedo ou tarde
vai começar a fazer água, se é que já não começou, e cujo grande problema é
justamente aquele esvaziamento em função de uma leitura feminista. O fato,
porém, é que Machado é um autor difícil de adaptar, e Carvalho tentou responder
à sua maneira a essa dificuldade. Penso que a adaptação “atualizadora” de Quincas Borba, por Roberto Santos, é
muito mais infeliz, e resulta muito mais antiquada que o romance de Machado. Já
Sérgio Bianchi conseguiu “atualizar”, ou melhor, recontextualizar a força de A Causa Secreta graças ao trabalho com a
metalinguagem. Sobre esse filme, aliás, há um belo texto em A Indústria Radical, do professor Antônio
Manoel Santos Silva. Memórias Póstumas,
de André Koltzel, é um filme bem feito mas que também opera um esvaziamento
semântico, tornando Brás Cubas um paspalhão divertido, a meu ver sem
compensação significativa para isso. Já o Brás
Cubas, de Júlio Bressane, é um de meus filmes preferidos, que aliás poderia
constar da lista que fiz há pouco. Acho que Bressane incorporou o espírito,
digamos, avant avant garde de Machado
para reconstruir seu texto de forma inteiramente nova, acrescentando outros
elementos às tensões sociais do romance, e não esvaziando-as.
AL: Harold Bloom incluiu Machado de Assis no
livro Gênio, afirmando que
ele foi uma “espécie de milagre”, por ter conseguido construir sua obra mesmo
tendo nascido em um país periférico, sendo mestiço em tempos de escravidão e
epilético. É possível articular essa leitura com a perspectiva materialista que
Roberto Schwarz desenvolveu acerca do mesmo problema em Um Mestre na
Periferia do Capitalismo?
Ravel: A
princípio, penso que não. São perspectivas opostas, e, nesse caso, fico com
Roberto Schwarz: as condições de possibilidade da obra de Machado têm a ver com
a condição periférica de nosso capitalismo e com as condições específicas de
nascimento e criação do escritor, além de sua posição singular, em certo
sentido muito oportuna, no contexto literário da época. Além disso, a qualidade
das obras machadianas se constituiu paulatinamente, à custa de muito esforço,
muita leitura e muito exercício de escrita e reescrita. E veja que minha
leitura da obra de Machado se dá a partir do sublime romântico, sendo que a
noção de gênio é fundamental no romantismo. Talvez eu possa relativizar o viés
materialista de minha resposta e, pensando não na noção de milagre, mas de
gênio, sugerir que certo arrebatamento e certa consciência, aliás, não só
consciência como a busca de certa elevação (retórica e temática) são
fundamentais na construção dessa obra. Aliás, o que eu busco demonstrar em meu
trabalho é como a busca de uma sublimidade de fonte e temas românticos nos
primeiríssimos escritos de Machado pode ser vista como uma base para os voos
mais altos dos grandes contos e romances, onde uma dialética de sublimidade e
antissublimidade extrema é fundamental, não se furtando a movimento de sínteses
como o que chamo de um “sublime doméstico”, mas também catalisando
representações verdadeiramente paradoxais, que investem certas figuras e
narrativas de Machado de uma radicalidade ainda contemporânea. Enfim, com as
devidas precauções pode-se talvez falar em um “gênio”, mas não em um “milagre”
machadiano. Por outro lado, é verdade que o “fenômeno” Machado de Assis
surpreende. Não só a qualidade como o volume de sua obra são muito grandes,
ainda mais em se tratando de um funcionário público zeloso como ele foi. Mas
suas condições de nascimento e sua situação social de certa forma ajudam a
explicar isso. Com o perdão do psicologismo raso, creio que Machado não seria o
grande escritor que é se não tivesse as “manhas” de um filho da escravidão: a
humildade de quem viveu, ainda que indiretamente, o jugo da opressão e, ao
mesmo tempo, a consciência cada vez mais segura de seu valor. Desculpe ter
saído da esfera de sua pergunta para apresentar minha própria perspectiva sobre
Machado.
AL: Em vários círculos acadêmicos o nome de
Harold Bloom, possivelmente o crítico literário mais pop da atualidade, é
desqualificado. Combatem como redutora e retrógada sua defesa do cânone
literário ocidental. Sendo um estudioso de Derrida, uma espécie de nêmesis de
Bloom, qual sua opinião sobre isso? Ele é mesmo ultrapassado ou é vítima da
patrulha ideológica do que chama de “escola do ressentimento”, onde a filiação
ideológica seria mais importante do que o valor estético?
Ravel: Essa é
outra situação na qual é preciso bom senso para pôr os pingos nos “is”. Bloom é
um grande crítico, sem dúvida. Por mais que sua militância canônica (que, no
entanto, ele tem a sabedoria de relativizar em alguns momentos) seja
questionável, sua formação teórica e sua bagagem de leitura lhe permitem
análises brilhantes. Bloom tem trabalhos de divulgação e, digamos, ostentação
intelectual como O Cânone Ocidental e
outros mais sólidos. Gosto particularmente dos textos de Poesia e Repressão, embora tenha me atrevido a discutir sua interpretação
de um poema de Blake (num artigo publicado na Revista de Estudos Literários da
UEMS). Penso que o aproveitamento da desconstrução derridiana por Bloom é um
tanto limitado - bem mais, por exemplo, que o de Paul de Man -, mas às vezes
ele produz bons frutos. A ideia de desleitura é valiosa, desde que dialetizada
por uma perspectiva histórico-social à qual Bloom é fundamentalmente avesso,
não obstante o psicologismo que, a rigor, contradiz sua perspectiva
pretensamente estética. Quanto à polêmica com os culturalistas, acho que ele é
tão vítima quanto culpado, existe aí uma guerra de trincheiras marcada pela
incompreensão e, aliás, ressentimentos mútuos. Isso é parte do processo, é
claro, mas é preciso que o processo ande... As limitações do culturalismo são
efetivas, e por vezes redundam em coisas completamente desastrosas, mas ele
coloca em pauta questões importantes. Entre elas algo que a crítica marxista
também postula, e nem sempre das melhores formas, que é a indissociabilidade do
estético e do ideológico. É uma questão realmente complexa, e o esteticismo de
Bloom também não me parece a melhor forma de encará-la. Quanto à questão do
cânone em si mesma, acho que ela é tão problemática quanto válida. Fixar ou
propor cânones pode parecer retrógrado mas ainda é necessário, e talvez só
deixe de ser se um dia chegarmos à “verdadeira humanidade” preconizada por
Marx, quando todos serão artistas... Então alguém precisa fazer isso:
selecionar o que merece ser lido, ainda que às custas de controvérsias. E Bloom
tem coragem de correr esse risco, de dar a cara a tapa.
AL: Ainda importa se Capitu é culpada ou não?
Ravel: Não,
definitivamente não... Mas bem que pode ser - o Bentinho bem que merece, hahaha...
Ademir Luiz é doutor em História e pós-doutor
em poéticas visuais. É autor de Hirudo
medicinallis - carta aberta de um vampiro de brinquedo ao espectro de Orson
Welles (romance); Pequenas estórias
da grande história (contos); Arquivo
de heresias (ensaios).
Ilustrações: foto-arte de Joba Tridente sobre foto de
Rosa Maria Santos.
pretty nice blog, following :)
ResponderExcluir..., thank you (‘°..‘°)
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