Desde que os heróis, super-heróis e vilões foram
obrigados a dobrar o turno de trabalho, se dividindo entre aventuras nas hqs e graphic novels e aventuras nas telonas
de cinema, a vida e a personalidade destes personagens não tem sido mais a
mesma. Quer dizer, não que vivessem na mesmice de página a página, de revista a
revista, antes da lucrativa migração (quase em massa) para o cinema. Muito pelo
contrário, ainda ao largo das salas de cinema essa gente já vagava meio
tonta no mundo da ficção, à mercê de roteiristas e desenhistas variados e até
avariados. Já tiveram as suas vidas revistas e truncadas e trocadas e foram
mortos e ressuscitados. Agora, para não deitar num divã kafkiano e discutir transtorno
bipolar (ou polipolar), passaram a “aceitar” qualquer papel, nas revistinhas ou
nos cinemões. É claro que não se sentem à vontade em todas as interpretações...,
mas, para não criar clima com o “patrão”, deixam a aventura os levar...
Amante de quadrinhos, já me desgastei mais que
os personagens, ao vê-los irreconhecíveis em produções cinematográficas
medíocres. Hoje, já que na ficção ou se pega a onda ou se toma caldo, faço como
eles, deixo a história (inverossímil ou não) me levar. Ultimamente tenho me
surpreendido como o nível (cinematográfico) delas que, mesmo com roteiros pouco
inspirados, resultam em filmes-hq, no mínimo, divertidos.
Na retomada das aventuras do Homem-Aranha, após a irregular trilogia
(2002/2007) de Sam Raimi, havia muita expectativa em relação à direção de Marc Webb, que vinha do fascinante 500 Dias Com Ela (2009) e ao
protagonista, o desengonçado Andrew
Garfield, que herdou a teia de Tobey Maguire (o ainda favorito de muitos
fãs). Bem, O
Espetacular Homem Aranha (2012), que, além do “espetacular” do título, especulava
sobre os misteriosos pais de Peter Parker
e trazia Gwen Stacy (a linda Emma Stone),
a primeira namorada do cabeça de teia, acabou agradando. Mas ainda pairava uma
dúvida sobre a fidelidade à versão clássica dos quadrinhos que narra o
tumultuado e dramático romance de Peter
e Gwen. O diretor e seu roteiristas pensariam
primeiro nos leitores das hqs e ou nos espectadores? A resposta está no O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de
Electro (The Amazing Spider-Man 2, EUA, 2014).
A vida do adolescente super-herói aracnídeo não está
fácil. Com seus grandes poderes as suas responsabilidades só fazem aumentar: proteger
inocentes antes de caçar bandidos; descobrir a verdade sobre seus pais; se
livrar do fantasma do Capitão Stacy (Denis Leary), que não quer a filha Gwen envolvida com ele; arranjar um
tempinho para namorar ou se afastar de vez de Gwen Stacy; dar atenção ao antigo amigo Harry Osborn (Dane DeHaan);
ouvir e enfrentar o mal-amado Max Dillon/Electro (Jamie
Foxx); responder satisfatoriamente aos questionamentos da Tia May (Sally Field);
ficar de olho na OsCorp; implicar
(até) com trilha sonora durante a luta com um vilão..., ufa, que roteiro! Haja
energia e bom humor!
Assim como o filme anterior, O Espetacular Homem Aranha 2 é uma
típica história de gibi ou pouco mais que isso: uma graphic novel. O que começou no primeiro capítulo continua aqui com
muita adrenalina e humor e vai se arrastar por mais uns dois episódios, com
certeza. O que era mera referência, uma nota de pé de tela relacionada ao misterioso
Richard Parker (Campbell Scott), pai de Peter,
ganha longa e plausível explicação. Obviamente que algumas alusões, principalmente
as citadas no epílogo-prólogo, sobre amigos e paixões e vilões (tem um punhado
deles esperando a hora de entrar em cena, desmascarar Parker e enfrentar o Aranha),
estarão plenamente justificadas no OEHA3.
É claro que com muita destruição nas perseguições aéreas e terrestres.
Fala-se
um bocado da fábrica de vilões da Marvel, que basta um sujeito e um acidente
qualquer: choque elétrico, picada, raio, soro..., para surgir um vilão louco para
derrotar o Homem-Aranha e dominar o
mundo. Geralmente o tal “vilão de ocasião” é uma pessoa mal-amada, rejeitada
pela família e seus pares, vítima de bulliyng...,
e que em situação extrema, acuado, desperta aquela persona raivosa que todos nós escondemos fundo, com toda a carga de
traumas passados, e começa a agir como se todo mundo fosse responsável pela sua dor.
Se pudesse citar Arthur Schopenhauer
(em Dores do Mundo), talvez dissesse que
“O mundo é o inferno, e os homens
dividem-se em almas atormentadas e em diabos atormentadores.”
De volta à fábrica de vilões, no campo da ficção
científica quem não dá asas à imaginação vai divergir (ôps!) e muito dos outros
universos. E se tantas “bobagens” de ontem, nas páginas de “livros visionários”,
hoje são realidades, como a impressora 3D..., por que não um monstrengo (se é
que ainda não existe)? Basta um tilt na
engenharia (manipulação) genética ou o voto num “palerma” e... Mas aí já é espetacular,
digo, especular demais.
Ironias à parte, alguns vilões Marvel até
parecem produtos da “acne”: doidos de
pedra e sempre com um calcanhar de Aquiles pronto para ser alvejado (nada
fatal, evidentemente). Até aqueles que parecem malvadões perfeitos têm
um parafuso a menos. E aí, no pega e soca e prende no arrasto, o Aracnídeo sempre acaba ganhando o dia.
Não porque tenha mais ferramentas além da teia, mas porque é mais esperto e
mais ágil. Está no script: vilão que
é vilão sempre volta depois (para completar a vingança) e herói que é herói
sempre o espera (para derrotá-lo novamente).
Em O
Espetacular Homem-Aranha 2, como
o título brasileiro (infelizmente) entrega, a ameaça vem de Electro, um cidadão pacato (Max)
vítima de dois acidentes: o desamor (que gera a invisibilidade) e o científico
(que gera a celebridade). Nos dois casos o preço é alto, já que nem todo
zé-ninguém deixa de ser um zé-ninguém só porque ficou famoso ou é amado só
porque deixou de ser um zé-ninguém. Já dizia John
Lennon na linda Nobody Loves You
When You're Down And Out: Nobody
loves you when you're down and out/ Nobody sees you when you're on cloud nine/
Everybody's hustlin' for a buck and a dime (...) Well I get up in the morning
and I'm looking in the mirror to see, ooo wee!/ Then I'm lying in the darkness
and I know I can't get to sleep, ooo wee!/ Nobody loves you when you're old and
grey/ Nobody needs you when you're upside down/ Everybody's hollerin' 'bout
their own birthday/ Everybody loves you when you're six foot in the ground. Amar
alguém que está sempre mal na fita, nem mesmo em canções.
O Espetacular
Homem Aranha 2: A Ameaça de Electro é um filme realmente espetacular.
O roteiro, mesmo com um furinho ou outro (não vou spoilerar), é consistente e com boa dose de humor. Talvez haja um
excesso de assuntos, mas eles vão se acertando na trama e logo o espectador estará
encantado com o romance de Peter e Gwen, enredado no maniqueísmo
hereditário e incontrolável do solitário Harry
Osborn, herdeiro da OsCorp, e,
principalmente, comovido com o drama de Electro,
cuja carência resulta em pelos menos duas belas e emocionantes sequências (diálogos
e imagens) que falam de invisibilidade célebre e celebridade invisível (não há
como não torcer por ele, mesmo quando surta). Dor tão pungente, de um vilão circunstanciado,
que eu me lembre, só a do Homem-Areia
(Thomas Haden Church), em Homem-Aranha 3
(2007), de Sam Raimi.
Diferente de Christopher Nolan, que fez um
primeiro Batman interessante, um segundo
Batman razoável e um terceiro Batman
bomba, Marc Webb, por enquanto, tem conseguindo manter e melhorar o clima
juvenil (de romance e aventura) do filme anterior, sem esquecer que está adaptando
personagens de história em quadrinhos. O que não impede da narrativa (com começo,
meio e fim) chegar mais consistente na exploração dos dramas e tragédias na
vida de Parker. A percepção de que o Homem-Aranha está deixando a
adolescência para trás se faz notar brilhantemente na trama de amor e ódio que o
enreda a Electro e no simpático (e
altruísta?) final de episódio. O herói
está cada vez mais confiante e consciente das suas obrigações.
Enfim, considerando a excelência do elenco, a ação
desenfreada (mas com ritmo!), o enredo ousado (e denso), os efeitos especiais
de cair o queixo, principalmente as tomadas aéreas em que o espectador salta e voa
com o herói - vale economizar para ver em 3D IMAX (não recomendo para quem tem
medo de altura), O Espetacular Homem
Aranha 2: A Ameaça de Electro é uma boa pedida para quem quiser saborear uma
divertida (e por vezes dramática) história do simpático Aracnídeo no Dia do Trabalho (estreia). Bem, pelo menos ele vai
trabalhar um bocado para a sua diversão. Ah, não custa lembrar que, em se
tratando de filme estadunidense, pancadaria, perseguição e acidentes
automobilísticos e tiroteio fazem parte da paisagem (ou da passagem!)...
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