segunda-feira, 6 de maio de 2013

Crítica: Somos Tão Jovens



Cheguei a Brasília em 1975 e saí de lá em 1990. Ao contrário do que possa parecer, nas cercanias da ditadura, nas barbas do poder, a vida cultural estava em plena e constante ebulição: ousadia teatral e musical, festivais e mostras de cinema, centro de criatividade, poesia marginal, geração mimeógrafo (Nicolas Behr), salões de humor etc. Era tanta coisa acontecendo que nem todo mundo tinha disponibilidade para ver e participar de tudo, inclusive dos encontros da garotada do punk-rock das SQ. Só fui prestar alguma atenção quando a Legião começou a tocar no rádio.

Somos Tão Jovens, de Antonio Carlos da Fontoura, é uma breve “cinebiografia” de Renato Russo (1960 - 1996), o músico fundador das bandas Aborto Elétrico e Legião Urbana. O roteirista Marcos Bernstein se pautou em fatos que teriam ocorrido de 1978 a 1982, período em que, após um acidente e em longo repouso, Renato Manfredini Junior (Tiago Mendonça) começa definir seu gosto musical e a se interessar pelo rock inglês, a rascunhar versos e, ao ouvir o Sex Pistols, descobrir seu “eu punk” e se decidir pelo glamour dos palcos.


A narrativa não traz nenhuma revelação bombástica sobre o compositor e cantor. Aliás, na web há muito mais informações sobre Renato Russo (e suas bandas) do que no filme livremente inspirado em sua biografia. Até mesmo os integrantes das bandas (Aborto e Legião) são mostrados como meros coadjuvantes que (com alguma tensão) em um momento ou outro o ajudaram a direcionar a carreira. Apesar da insistente (e incômoda!) afirmação da bissexualidade do músico, um flagra de drogas, aqui, e uma blitz “você sabe com quem tá falando?”, acolá, Somos Tão Jovens parece pisar em ovos e não ir além da “nóia” combinada: flerte gay, composição, flerte gay, álcool, flerte gay, shows, flerte gay, drogas, flerte gay, zoação dos entediados jovens candangos “filhos de você sabe quem?”.

Somos Tão Jovens (Brasil, 2013) se passa tão somente ao redor do mundinho de Russo, com seus bajuladores amigos (também) desocupados, ignorando completamente a movimentada e irreverente vida cultural de Brasília e sua geleia geral de jornalistas, escritores, artistas (teatro, música, plástica, gráfica) pensantes. Era um tempo em que a arte inteligente dava rasteira na ignorância armada. Um tempo de tribos sonhadoras: macrobióticos, vegetarianos, ufólogos, religiosos alternativos..., onde circulavam também os autoritários filhotes das autoridades. Tudo bem que o filme não é sobre esta Brasília ignorada, mas sobre o “seu” punk-rock-pop star “candango” mais famoso e que ainda faz (?) a cabeça da garotada..., todavia, um pouco mais de informação não faria mal nem mesmo aos fãs que sequer sabem onde fica o DF.


Somos Tão Jovens tem boa produção e elenco afinado. Porém, vez ou outra, escorrega na intenção e acaba por deslizar no exagero, forçando situações (e sequências) pouco críveis ou meramente ilustrativas, sem qualquer carga dramática. O destaque, sem dúvida, é o impressionante Tiago Mendonça, que busca interpretar e não imitar o ídolo Renato Russo. Linear, meio claustrofóbico, pontuado por boas músicas e um humor assim-assim, o filme não chega a ser arrebatador, mas é agradável e deve tocar principalmente o coração do jovem espectador e nostálgico fã.

4 comentários:

  1. Crítica sempre com muita lucidez..
    parabéns Joba...

    abraços
    Cacinho

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  2. Boa crítica, Joba, vou ver o filme e te digo... Deu pra sentir, pelo seu texto, que será interessante, mas nem tanto.. Morei em Brasília de 78 a 86 e conheci e vivi a Brasília ignorada de que você fala. Foi mesmo um tempo de muita efevercência! Foi fundamental na minha vida ter vivido lá, adorei as tribos de artistas plásticos, músicos, poetas e sonhadores que lá conheci. O Renato e suas bandas não faziam parte das minhas predileções. Eu gostava muito do pessoal que se apresentava no saudoso Cabeças, entre eles o Mel da Terra, o Renato Matos, os músicos da família da Odeth Ernest Dias e muitos mais... Um abração.

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    Respostas
    1. Olá, Teca.
      Infelizmente, eu não consegui ver essa Brasília do nosso tempo,
      nem ao menos citada.
      O filme parece mais interessado é na sexualidade de Russo.
      Talvez meu olhar tenha sido crítico demais.

      Aguardo a sua opinião.

      Abração!

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