Cheguei a
Brasília em 1975 e saí de lá em 1990. Ao contrário do que possa parecer, nas
cercanias da ditadura, nas barbas do poder, a vida cultural estava em plena e
constante ebulição: ousadia teatral e musical, festivais e mostras de cinema, centro
de criatividade, poesia marginal, geração mimeógrafo (Nicolas Behr), salões de
humor etc. Era tanta coisa acontecendo que nem todo mundo tinha disponibilidade
para ver e participar de tudo, inclusive dos encontros da garotada do punk-rock
das SQ. Só fui prestar alguma atenção quando a Legião começou a tocar no rádio.
Somos Tão Jovens, de Antonio
Carlos da Fontoura, é uma breve “cinebiografia” de Renato Russo (1960 - 1996), o músico fundador das bandas Aborto Elétrico e Legião Urbana. O roteirista Marcos
Bernstein se pautou em fatos que teriam ocorrido de 1978 a 1982, período em
que, após um acidente e em longo repouso, Renato
Manfredini Junior (Tiago Mendonça)
começa definir seu gosto musical e a se interessar pelo rock inglês, a
rascunhar versos e, ao ouvir o Sex
Pistols, descobrir seu “eu punk” e se decidir pelo glamour dos palcos.
A
narrativa não traz nenhuma revelação bombástica sobre o compositor e cantor. Aliás,
na web há muito mais informações
sobre Renato Russo (e suas bandas) do que no filme livremente inspirado em sua
biografia. Até mesmo os integrantes das bandas (Aborto e Legião) são mostrados
como meros coadjuvantes que (com alguma tensão) em um momento ou outro o ajudaram
a direcionar a carreira. Apesar da insistente (e incômoda!) afirmação da bissexualidade
do músico, um flagra de drogas, aqui, e uma blitz “você sabe com quem tá falando?”, acolá, Somos Tão Jovens parece pisar em ovos e não ir além da “nóia” combinada: flerte gay, composição,
flerte gay, álcool, flerte gay, shows, flerte gay, drogas, flerte gay, zoação
dos entediados jovens candangos “filhos
de você sabe quem?”.
Somos Tão Jovens (Brasil, 2013) se passa tão somente ao
redor do mundinho de Russo, com seus bajuladores amigos (também) desocupados, ignorando
completamente a movimentada e irreverente vida cultural de Brasília e sua geleia
geral de jornalistas, escritores, artistas (teatro, música, plástica, gráfica)
pensantes. Era um tempo em que a arte inteligente dava rasteira na ignorância
armada. Um tempo de tribos sonhadoras: macrobióticos, vegetarianos, ufólogos,
religiosos alternativos..., onde circulavam também os autoritários filhotes das
autoridades. Tudo bem que o filme não é sobre esta Brasília ignorada, mas sobre
o “seu” punk-rock-pop star “candango” mais famoso e que ainda faz (?) a cabeça
da garotada..., todavia, um pouco mais de informação não faria mal nem mesmo
aos fãs que sequer sabem onde fica o DF.
Somos Tão Jovens tem boa produção e elenco afinado. Porém,
vez ou outra, escorrega na intenção e acaba por deslizar no exagero, forçando
situações (e sequências) pouco críveis ou meramente ilustrativas, sem qualquer
carga dramática. O destaque, sem dúvida, é o impressionante Tiago Mendonça, que
busca interpretar e não imitar o ídolo Renato Russo. Linear, meio
claustrofóbico, pontuado por boas músicas e um humor assim-assim, o filme não chega
a ser arrebatador, mas é agradável e deve tocar principalmente o coração do jovem
espectador e nostálgico fã.
Crítica sempre com muita lucidez..
ResponderExcluirparabéns Joba...
abraços
Cacinho
Valeu, Cacinho!
ExcluirAbs.
Boa crítica, Joba, vou ver o filme e te digo... Deu pra sentir, pelo seu texto, que será interessante, mas nem tanto.. Morei em Brasília de 78 a 86 e conheci e vivi a Brasília ignorada de que você fala. Foi mesmo um tempo de muita efevercência! Foi fundamental na minha vida ter vivido lá, adorei as tribos de artistas plásticos, músicos, poetas e sonhadores que lá conheci. O Renato e suas bandas não faziam parte das minhas predileções. Eu gostava muito do pessoal que se apresentava no saudoso Cabeças, entre eles o Mel da Terra, o Renato Matos, os músicos da família da Odeth Ernest Dias e muitos mais... Um abração.
ResponderExcluirOlá, Teca.
ExcluirInfelizmente, eu não consegui ver essa Brasília do nosso tempo,
nem ao menos citada.
O filme parece mais interessado é na sexualidade de Russo.
Talvez meu olhar tenha sido crítico demais.
Aguardo a sua opinião.
Abração!