Jorge Mautner é um dos mais originais autores e
compositores brasileiros. Conheci casualmente a sua literatura e música ainda
nos anos 1970. Nessa época morava em Santo André e sempre ia a São Paulo, a Capital
Cultural do Brasil onde se encontra de tudo (do arco da moça ao arco da velha),
e passava o dia assistindo a vários filmes, indo a livrarias e visitando sebos.
Naquele tempo era comum encontrar pessoas vendendo
livros “usados”, espalhados em uma lona ou pano, na calçada. Foi assim que encontrei
à venda, numa manhã de sábado, na Avenida São João, os livros Deus da Chuva e da Morte (Editora
Martins Fontes, 1962) e Narciso em Tarde
Cinza (Editora Exposição do Livro, 1965). Sabia quase nada de Mautner, mas
estudava Mitologia Grega e achei que tinha a ver. Paixão total! Nunca havia
lido nada tão arrebatador e moderno (como se dizia). Nem mesmo o perturbador PanAmérica (Editora Tridente, 1967), do
José Agrippino de Paula, que logo depois encontrei num saldão, mexera tanto
comigo. Ao saber que os dois volumes faziam parte da Mitologia do Kaos, saí fuçando em tudo quando era canto e acabei
encontrando o Kaos (Editora Martins
Fontes, 1963)..., também na calçada. Não demorou e conheci o seu desconcertante
e (para mim!) melhor disco: Para Iluminar
a Cidade (Selo Pirata - Polygram, 1972).
Continuei lendo e ouvindo Jorge Mautner com
satisfação, mas sem o mesmo impacto inicial da sua trilogia iluminando a cidade
e fazendo cabeças. Tive depois apenas mais uma sensação de total arrebatamento
literário, se bem que noutro contexto (muito outro!), com o romance Zero (1975), do Ignácio de Loyola
Brandão. Mas isso é outra história..., e candanga.
Mautner está em algumas salas de cinema,
iluminando a tela com a sua presença literária, filosófica e musical, no
documentário Jorge Mautner - O Filho do
Holocausto (Brasil, 2012), dirigido por Pedro Bial e Heitor
D’Alincourt. O filme traça um panorama razoável deste genial artista (ainda
de vanguarda!) que, para muitos, é um ilustre desconhecido. Para tanto, traz
uma boa seleção de números musicais (gravada especialmente para o doc), com
participações de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Nelson Jacobina (1953 - 2012);
trechos de livros (em leitura meio enfadonha pelo autor); cenas de O Demiurgo, filme dirigido por Mautner,
quando do seu exílio em Londres; e lembranças memoráveis de pessoas próximas ao
homenageado, como o multiartista José Roberto Aguilar, que relembra a amizade
nascida na adolescência.
O documentário, que não foge ao (vicioso)
formato padrão-tv, apesar de buscar a abrangência biográfica de Mautner, não
esgota o assunto... Por conta da narrativa (acadêmica-tv?) deixa a sensação de
estar faltando pedaços (importantes!). Jorge Henrique Mautner, filho da
austríaca e católica Anna Illich e do judeu-austríaco Paul Mautner, refugiados
da 2ª Guerra Mundial, é autor de uma obra cuja reflexão filosófica, pertinente ao
mundo que se quer civilizado, merece ser (re)vista e ou (re)conhecida. E
ouvida!
É difícil precisar o interesse da nova geração
de espectadores por Jorge Mautner, o também pai da diretora de telenovelas
Amora Mautner. Aliás, os dois propiciam a melhor e mais divertida sequência do
doc: Amora fala dos seus traumas infantis (em família) e Mautner desvela a
inusitada e bonita origem do nome Amora. O filme, apesar de problemas técnicos
(captação de áudio) e excesso de preciosismo, vale pela presença (sempre!) cativante
de Jorge Mautner.
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