por Joba Tridente
Quem trabalha com arte sabe que deve sempre desconfiar da segurança do tapete onde pisa. Basta um vacilo e acaba-se estatelado num campo minado e sem ter quem lhe dê a mão. É claro que em qualquer área há o famoso “puxar o tapete”, mas no campo artístico ele é muito mais evidente e, diria, até mais doentio. Cisne Negro (Black Swan, EUA, 2010), de Darren Aronofsky, é um drama de suspense psicológico que ocorre durante a preparação e apresentação de uma nova versão do balé O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky (1840 - 1893). Ele mostra a pressão sobre a companhia e a obsessão dos bailarinos para serem (ou parecerem) os melhores e assim ganhar papel de destaque. Uma história taciturna que, em quatro atos, mostra os percalços da sapatilha e dá um nó na cabeça do espectador.
Nina (Natalie Portman) é uma profissional obcecada pela perfeição técnica e acredita que, com a “aposentadoria” de Beth (Winona Ryder), pode ser a nova primeira bailarina. Porém, para protagonizar o majestoso espetáculo e dar vida ao inocente Cisne Branco e ao sedutor Cisne Negro, além da enigmática Lily (Mila Kunis), ela terá de vencer seus próprios traumas. Vivendo com a superprotetora mãe, Erica (Barbara Hershey), uma ex-bailarina, Nina só consegue expressar o lado virginal da personagem e pode não ter tempo suficiente para aprender a seduzir o público e convencer o exigente diretor artístico Thomas Leroy (Vincent Cassel). Ansiosa ela se entrega com furor aos ensaios, enquanto busca desesperadamente uma forma de despertar a sua libido, de trabalhar a sua sensualidade esquecida. Tanta dedicação acaba por provocar um estresse tão forte que Nina (e o espectador) se vê confundindo realidade e ficção.
Esta trama obsessiva, para bailarina ou terapeuta nenhum botar defeito, é baseada em The Understudy, uma história de Andres Heinz, que se passa nos bastidores de um teatro e cujo embate é entre duas atrizes. Na verdade Cisne Negro, com ótimo roteiro revisto e adaptado pelo próprio Heinz e por Mark Heyman e John McLaughlin, lembra algumas produções onde se rivalizam protagonistas e coadjuvantes, inclusive reconhecidos pelo próprio Aronofsky, mas que não vale citar porque, apesar de toda referência, ele tem luz e sombra próprias. Aliás, duelo de luz e sombra é o que não falta em sequências de inquestionável beleza e pavor, na excelente fotografia de Matthew Libatique e edição alucinante de Andrew Weisblum.
A busca de Nina pela perfeição técnica, até mais que a lembrança de filmes outros, me lembrou de uma passagem no belíssimo e inacabado romance Cidadela, de Antoine de Saint-Exupéry (1900 - 1944), publicado postumamente em 1948, em que uma bailarina ganha destaque numa apresentação porque erra um passo. Não fosse isso seria mais uma no meio do grupo. Ao errar o passo ela criou outro. Nina não cria e nem erra os passos. Entretanto, prisioneira da coreografia e da música magistral, ela tem como carrasco a sua própria mente. Nina conhece cada nota, cada movimento musical, menos a si mesma.
Cisne Negro é soturno, tenso. A sensação é a de que a sanidade da personagem (e do público) é colocada à prova a todo instante. Um drama (com cara de cinema fantástico) que perturba e maravilha o espectador, envolvendo-o num vendaval de emoções tão grande que, ao final do espetáculo, ele precisa aguardar o fim dos aplausos pra se recuperar. O filme é coerente com os trabalhos anteriores de Aronofsky, que aposta em tipos marginais, antissociais, em gente que vai desconstruindo-se (e ou reconstruindo-se) numa trama dolorosa até um final nem sempre apoteótico. Uma obsessão que faz dele um dos poucos diretores a conseguir o máximo de atores (muitas vezes) mínimos, numa lapidação visceral que expõe um brilho até então desconhecido pelos próprios atores, realizando uma obra cada vez mais autoral, num tempo de cinema cada vez mais igual.
Mesmo sem saber o que vai (realmente) chegar por aqui, acredito que Cisne Negro será um dos mais marcantes filmes de 2011.
Confesso que não gosto muito daquela câmera na mão. Mas "Cisne Negro" é realmente espetacular. O roteiro é todo construído para levar a um final apoteótico. Um filme maduro que pode com certeza levar a atriz Natalie Portman a ganhar o seu primeiro Oscar. Alías todo o elenco foi muito bem escolhido a mãe castradora interpretada pela Barbara Hershey, a bailarina adversária e liberal Mila Kunis, meio que um clichê por ela ser de São Francisco. E o professor Vincent Cassel é que a mola propulsora para a mudança da personagem principal. E a bailarina aposentada Winona Ryder que enfim nos brinda com uma interpretação digna, depois de ter feito muitas bombas por aí.
ResponderExcluirOlá, Antunes.
ResponderExcluirAchei que gostaria de Cisne Negro.
A direção é firme e sabe como "arrancar" o melhor de cada ator.
Só nesta semana vou poder ver o Biutiful.
Abração.
T+
Joba