segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Crítica: Lixo Extraordinário


por Joba Tridente

O Lixo Extraordinário (Waste Land, Inglaterra, Brasil, 2009), documentário dirigido por Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley, permite duas leituras: o fascinante processo criativo do artista plástico Vik Muniz e o processo participativo (e introdutório) de uma comunidade na criação (compreensão e descoberta) da arte que protagonizam. A proposta do filme é registrar o mais recente projeto artístico-social de Vik (que costuma usar inusitados materiais) junto aos catadores de lixo de um dos maiores aterros do mundo: Gramacho, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, que será desativado até 2012. Ali se encontra de tudo (mesmo) que se possa imaginar ou ainda se aproveitar, como alimentos e até livros, que são rasgados pelos mais afoitos ou resgatados para uma possível futura biblioteca, pelo consciente Zumbi. No lixo revirado por catadores humanos e urubus, também se encontram, de vez em quando, corpos humanos. Felizmente o foco do filme está além (ou aquém) desse macabro cotidiano. A premissa de Muniz é, através da sua arte, ajudar financeiramente as pessoas que trabalham ali (revertendo o lucro da venda dos quadros) e (se possível) provocar mudanças coletivas e individuais.

A certa altura de Lixo Extraordinário, em uma curiosa conversa com Tião (do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis), um dos participantes do documentário, que diz não achar a menor graça em algumas obras de arte que viu, Vik Muniz pergunta a ele se isso não estaria relacionado à falta de informação sobre elas. Ele concorda meio assim-assim. O que faz lembrar de uma cena anterior (de humor negro), quando os dois visitam uma coletiva, na Inglaterra, onde está exposta uma, das estranhas esculturas “Bin Bag” (saco de lixo em bronze pintado), de Gavin Turk. Tião fica meio embasbacado diante da obra idêntica a um saco plástico preto, cheio de lixo, amarrado e largado ali, e a toca, pra ver se é realmente é pesada. Nem imagino o que possa ter passado pela sua cabeça nessa hora, mas ele parece achar divertida aquela escultura de bronze. Afinal, o que é arte? Aquilo (tudo) que satisfaz ao artista ou agrada aos críticos? Será que informações sobre um artista e a sua obra realmente podem modificar a opinião (e o gosto) de um observador? Eu não acredito!


O filme tem momentos descontraídos, com os catadores falando das coisas que encontram no lixo do rico (saco preto) e do pobre (sacola de supermercado), e dramáticos, mostrando que a miséria pode ainda ser maior, quando nem mesmo os catadores são poupados pelos assaltantes. É irônico, ao desvelar os livros jogados fora, como O Príncipe, de Maquiavel, e A Arte da Guerra, de Sun Tzu, e emblemático, ao mostrar imagens do desenho Riquinho, que uma garota assiste em uma televisão que ilumina o barraco onde mora. No entanto, apesar das tragédias pessoais ou coletivas o filme tem (ainda bem!) uma alegria (e beleza) contagiante. Por pior que seja a vida, aquela gente que convive com urubus, ratos e marginais, não desiste da única fonte de renda que a maioria conhece, porém, costuma sonhar com dias melhores.

O trabalho durou três anos e envolveu, além de Muniz, Fabio Ghivelder, Isis Rodrigues Garros, José Carlos da Silva Baia Lopes (Zumbi), Sebastião Carlos dos Santos (Tião), Valter dos Santos, Leide Laurentina da Silva (Irmã), Magna de França Santos, Suelem Pereira Dias. O que se vê na tela, em alguns momentos de catarse (de Vik), pode confundir o espectador (mais crítico) sobre as intenções do projeto: ele está a serviço dos catadores retratados ou do artista que os retrata? Intenções à parte, pelo resultado apresentado, ele parece (realmente) ter mexido mesmo com a autoestima do grupo que, depois da experiência na (re)criação de cada um, através de fotos e material reciclado, passou a se valorizar mais e a buscar novas caminhos profissionais e soluções para conflitos familiares.


O extraordinário em Lixo Extraordinário é ver a quantidade de coisas que poderiam ser doadas (brinquedos, livros, roupas) e ou reaproveitadas (materiais usados em fantasias de carnaval) e que são deitadas fora e ou vendidas, como sucata, pelos catadores. Ao ver bonecas, ursos de pelúcia e outros brinquedos, lembrei-me da animação Toy Story - 3 (2010) e de algumas benevolentes senhoras que (no Paraná) recolhem do lixo (e também aceitam em doações) brinquedos velhos e (até) quebrados e, com todo carinho os restauram, deixam como novos (às vezes precisam apenas de uma boa lavada) e fazem a alegria de crianças carentes que moram em favelas e orfanatos. Não sei se em Gramacho existe algum tipo de coleta parecida, pois não vi, em nenhum momento, alguém comentar sobre resgate e restauro dos brinquedos (inclusive) para os filhos dos catadores de reciclável. Porém, é surpreendente a consciência intelectual (e educacional) de Zumbi, ao falar com paixão dos livros que recolhe e guarda, para serem (muito bem) aproveitados numa biblioteca, que sonha criar, para atender as necessidades culturais de toda a comunidade.

Lixo Extraordinário, premiado em Sundance, Berlim, Dallas, Seattle, Durban, Paulínia, São Paulo, Manaus e concorrente ao Oscar, não é tão impactante ou tão incômodo quanto Estamira, belíssimo documentário dirigido por Marcos Prado, sobre uma catadora de lixo também de Gramacho, mas desperta interesse, provoca e emociona o espectador com as histórias dramáticas (e trágicas) de uma “gente invisível”, cuja única “saída visível”, para não cair na marginalidade, é fuçar o lixo em busca de algo que renda algum real.

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