por Joba Tridente
Há uns dois anos a pauta do dia era a migração humana. Gente fugindo da fome, da guerra, da ditadura em sua terra natal..., em busca de uma (suposta) vida melhor em países mais ricos. Muitos e muitos morreram na travessia marítima. Muitos e muitos morreram na praia. Muitos e muitos morreram na travessia terrestre. Muitos e muitos morreram na fronteira. Muitos e muitos morreram nas mãos de cidadãos extremistas dos países ricos onde cidadão pobres acreditavam haver um futuro. Muitos e muitos foram deportados para a sua miséria inicial. Para sua miséria existencial. Para sua invisibilidade. O trânsito do enxame de seres humanos nas fronteiras só perdeu o interesse da mídia para a exploração de outra tragédia, a da Covid.19. Um vírus que molesta pobres e ricos..., claro que mais pobres que ricos. Uma praga que não pede licença e nem mostra passaporte para atravessar fronteiras..., obrigando os governos a se esticarem para rever seus protocolos médicos emergenciais e inibir o trânsito dos seus próprios cidadãos.
Esticar, para alcançar algo, lembra o gesto do espacate: “movimento ginástico que consiste em abrir as pernas de modo que estas formem um ângulo de 180° e fiquem paralelas ao solo”. Espacate é o título do filme de estreia em longa-metragem do cineasta suíço Christian Johannes Koch, onde o famoso movimento de alongamento vai muito além da metáfora. Neste comovente drama, Christian, que divide o roteiro com Josa Sesink, aborda a complicada questão da imigração ilegal na Suíça entrelaçada numa trama que explora, com perspicácia, relações extraconjugais e trabalhista, preconceito racial, sonhos olímpicos, oportunismo e aparência social.
Porém, como nem tudo que está longe dos olhos está realmente oculto..., as cartas que dão sustentação ao castelo do bem estar social e sentimental começam a perder força após um acidente de trabalho envolvendo Artem e um incidente de roubo de fone de ouvido envolvendo Ulyana. Dizem que de boas intenções o inferno está cheio e ou que a emenda sempre sai pior que o soneto. Será? Bem, ao socorrer pai e filha, a amante e professora solidária Marina acaba casualmente aproximando as duas famílias em uma situação moralmente complexa e angustiante, fazendo o castelo desmoronar e jogar luz perigosamente em quem busca a sombra. Daí, para preservar-se (num cenário de segredos, mentiras e chantagens), só lhe resta se esticar muito e fazer escolhas sociais e profissionais que podem deixar sequelas na vida de todos ao seu redor...
Nesse entrelaçamento fascinante, onde os assuntos provocativos são esticados até o ponto de ruptura, o que se destaca é a inteligência com que o diretor e roteirista cutuca os atos oportunistas, a hipocrisia humana, geralmente travestida de solidariedade. Encontra o tom de voz certo para bradar sobre a intolerância social, trabalhista e judicial, envolvendo suíços e imigrantes. Para argumentar sobre a extensão da solicitude dos nativos aos estrangeiros ilegais..., bem como das imperdoáveis situações de constrangimento. Para questionar a frustração de atletas talentosos cujo sonhos de grandes competições tornam-se pesadelos em terras alheias. Segundo Koch, “O número atual de “sans papiers”, pessoas que vivem na Suíça, sem documentos de residência válidos, é estimado entre 90.000 e 250.000. (...) O que é muito típico da Suíça é que, no primeiro nível, você não consegue ver toda a desigualdade e a injustiça. Está escondido, está atrás das fachadas - por exemplo, em comparação com Berlim, onde é óbvio.).
Espacate, que fez parte da seleção oficial do festival de Sofia, onde ganhou o prêmio de Melhor Filme, e também de San Sebastián, Zurique e da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, está sendo exibido no Festival Volta ao Mundo: Suíça, da plataforma de streaming Petra Belas Artes À La Carte.
NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha.
Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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