segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Crítica: Trilha Sonora da Cidade

 

Trilha Sonora da Cidade

por Joba Tridente

Recentemente o produtor, roteirista e diretor Edu Felistoque, desceu aos quintos dos infernos paulista, também conhecido como Cracolândia, e de lá trouxe um dos mais perturbadores documentários recentes sobre o fluxo de drogas e dependentes: Cracolândia. Um filme incômodo, que te deixa sem chão e que, pela abordagem sincera, é capaz de mudar o olhar de muita gente (nem que seja de rabo-de-olho) sobre a questão. Um documentário social que está mais interessado em buscar soluções (Brasil e mundo afora), para o drama de centenas de cidadãos, do que ficar atirando balas de festim em culpados da culpa alheia nunca assumida.

Agora, Edu Felistoque, em parceria com Gab Felistoque, mergulha nos quintos dos céus paulistanos e, em meio a transeuntes de purgatório, faz transbordar para todos os ouvidos uma deliciosa Trilha Sonora da Cidade..., interpretada por vários artistas solos ou em grupos: Lammpi; Kick Bucket; Jali Kiari; Elzo Henschell; Teko Porã; O Grande Grupo Viajante; Lilian Jardim..., fazendo a gente esquecer, por alguns momentos, do caos e dos humores de São Paulo.


Ao artista de rua não importa a origem do público, ou mesmo a classe de ocasião (mendigos, desocupados, turistas, bêbados, executivos, drogados), que para por alguns instantes para ouvi-lo na audição improvisada. O que vale é a democracia do logradouro público..., mesmo para quem não conhece a cultura de passar o chapéu. Em mãos de um diretor mais afoito, Trilha Sonora da Cidade (2020) certamente não passaria de poluição sonora/visual. Mas, como se ouvissem ao Coração Tranquilo, de Walter Franco, os diretores Edu e Gab Felistoque mantiveram “a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo” para realizar um filme envolvente, com bom ritmo e gostosa sonoridade contemporânea, onde não faltam jazz, mpb, pop, vanguarda.


Cada artista, em seu tempo, conta sua história de vida e formação profissional, fala de sonhos e razões para se apresentar solitário e ou acompanhado nas calçadas, praças, trens e periferias condicionadas à música padronizada, sem jamais perder o tesão e ou abrir mão do espaço público que escolheu para expressar a sua musicalidade. São músicos e atores que, ainda que sonhem outros amanhãs na carreira, estão certos das escolhas de hoje. Seus depoimentos sinceros podem, inclusive, incentivar artistas tímidos, com suas composições de gaveta, à espera da oportunidade bater à porta.


A direção de fotografia caprichada (e até intimista) de William Prado, na composição de vários fotógrafos, e a impressionante captação de som e mixagem de  Marcos Ventura..., que consegue a proeza de eliminar todo e qualquer ruído inconveniente (de rua, metrô, moradia) para exaltar a qualidade da música autoral dos músicos em suas rotinas de exibição (que inclui até alguma desobediência civil em nome da arte) e as falas na intimidade caseira..., dão a leveza necessária ao documentário Trilha Sonora da Cidade.

Enfim, considerando o recorte expressivo do panorama dos artistas que se apresentam em espaços públicos em São Paulo e o respeito de Edu Felistoque e Gab Felistoque aos artistas de rua, tanto na condução das entrevistas quanto na captação sonora..., Trilha Sonora da Cidade é um documentário que tem tudo para agradar até aquele cidadão que diz não precisar de arte para viver. É bom demais. Que a arte, em qualquer espaço, sobreviva ao caos nosso de cada dia cinzento...


NOTA:
Trilha Sonora da Cidade estreia no dia 25 de novembro de 2020, às 20h, na plataforma do In-Edit TV, logo após o debate com os diretores, às 19h. Nas primeiras 24 horas o acesso ao documentário será gratuito. Depois, cada acesso terá o valor simbólico de R$3,00.

 

*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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