quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Crítica: Hebe - A Estrela do Brasil



HEBE - A ESTRELA DO BRASIL
por Joba Tridente

O Brasil tem grandes nomes da cultura popular do rádio, teatro, cinema, literatura, televisão, folclore que, sob o olhar certo, resultariam em excelentes documentários e ou cinebiografias dramatizadas (docudramas). Pena que a maioria (e dependendo da ocupação artística!) só ganha reconhecimento cinematográfico após a morte..., talvez porque não tenha como contestar do além-túmulo, caso a adaptação não lhe faça jus e ou extrapole na fantasia (do ouvi dizer) sem comprovação de dados. Há que se atentar também para que a cinebiografia não vire uma cine-hagiografia, confundindo devoção ao artista com devoção ao cinema. A linha é tênue e é preciso cuidar para que não se quebre o encanto dos fãs...

Em geral, as personalidades mais visadas para abrilhantar as telonas são da área do entretenimento musical. Assim, já se destacaram nas salas de cinema os cantores e compositores Cazuza, Zezé de Camargo e Luciano, Gonzação e Gonzaguinha, Erasmo Carlos, Tim Maia, a cantora Elis Regina, o cantor Wilson Simonal. Houve espaço também para o médium Chico Xavier, o médico Bezerra de Menezes, jogador Heleno, a militante alemã Olga Benário. Bem como para os apresentadores de televisão  Bingo (Bozo) e Chacrinha, que agora ganham a companhia iluminada da cantora, atriz e apresentadora Hebe Camargo (1929-2012) em Hebe - A Estrela do Brasil.


Como virou tendência destacar apenas um breve recorte na vida de qualquer cinebiografado, o docudrama Hebe - A Estrela do Brasil, dirigido por Maurício Faria, a partir do roteiro de Carolina Kotscho, traz somente fatos ocorridos nos anos 1980, quando Hebe, com 40 anos de carreira, comprou briga contra a censura, os políticos corruptos, a igreja, os produtores e a televisão, para que tivesse a liberdade de falar o que pensasse e apresentar em seu programa, sempre ao vivo, quem ela quisesse, inclusive transgêneros, como Roberta Close. Nesse período de abertura censurada, ao sentir-se amordaçada e enquadrada em movimentos partidários, já que falava também dos menos favorecidos, clamou: A Hebe não é de direita! A Hebe não é de esquerda! A Hebe é direta!


Além dos atropelos da célebre apresentadora na frente e atrás das câmeras, na televisão, Hebe - A Estrela do Brasil expõe parcialmente um lado menos conhecido de Hebe Camargo (Andréa Beltrão, magnífica): a vida em família, onde o relacionamento harmonioso com o filho Marcelo (Carlos Horowicz) contrasta com a relação conturbada com o abusivo e ciumento marido Lélio (Marco Ricca). Também é tocante o registro sutil da sua solidão, nos bastidores dos holofotes, e a escassa vida social em meio a tanto luxo.

Hebe - A Estrela do Brasil traz, em meio a flashes de histórias paralelas (que podem soar pulverizadas) com o filho, o marido e o sobrinho Cláudio Pessutti (Danton Mello), uma composição interessante e nada monótona da vida da famosa apresentadora, muito bem interpretada (e não imitada!) por Beltrão. Em sua narrativa não faltam as discussões com empresários, a intimidade com os convidados, no famoso sofá, os selinhos (na boca), o figurino e as jóias exuberantes (caríssimas), as polêmicas (por falar o que queria) e as contradições (por falar o que queria) desta que foi considerada a melhor apresentadora de televisão de um Brasil de outros tempos (?). De um Brasil que prometia abertura e não do que insiste na meia volta-volver (!). Dificilmente nesse Brasil do retrocesso a apresentadora teria o brilho de outrora..., já que não parecia ser dada a concessões.


Hebe - A Estrela do Brasil não é um filme hilário, mas tem lá seus breves momentos de humor, num enredo por vezes pesado. A reconstituição de época é excelente. A montagem é ágil e os recortes fotográficos, com Hebe de costas, é genial. O elenco, assim como Andréa Beltrão, não imita, mas interpreta (por exemplo, Roberto Carlos ou Silvio Santos), o que valoriza a personificação. Uma vez que a Globo é a produtora, há que se louvar a liberdade aparentemente incontida das críticas de Hebe a ela e da citação dos canais Bandeirantes e SBT, palcos dos famosos programas. Se bem que não podia ser diferente se o que se busca e dar veracidade ao relato.


Enfim, esta pode não ser aquela cinebiografia ampla, geral e irrestrita, recheada de divertidas fofocas, que todo fã espera dos seus ídolos, mas vale pelo registro de seus dias mais emblemáticos, quando finalmente Hebe vence a hipocrisia política, religiosa e televisiva e conquista definitivamente o seu direito de dar voz a quem bem entendesse. O que não quer dizer que nas décadas seguintes sua vida tenha sido um mar de flores perfumadas.

Vale ressaltar ao espectador que se incomodar com o conteúdo minguado, que talvez  ele encontre um brilho maior de Hebe Camargo na minissérie que a Globo está preparando para 2020, e ou no documentário realizado pela roteirista Carolina Gotscho que será lançado no próximo ano.


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.

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