Meu
Querido Filho
por Joba Tridente
É do aclamado livro O Profeta (1923), do mestre libanês Gibran Khalil Gibran
(1883-1931), a breve prosa poética Os
Filhos, que vem marcando profundamente gerações de leitores, sem jamais
perder a pertinência: “E uma mulher que
carregava o filho nos braços disse: “Fala-nos dos filhos.”/ E ele disse:
“Vossos filhos não são vossos filhos./ São filhos e filhas da ânsia da vida por
si mesma./ Vêm através de vós, mas não de vós./ E, embora vivam convosco, não
vos pertencem./ Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,/
Pois eles têm seus próprios pensamentos./ Podeis abrigar seus corpos, mas não
suas almas;/ Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis
visitar nem mesmo em sonho./ Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não
procureis faze-los como vós,/ Porque a vida não anda para trás e não se demora
com os dias passados./ Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são
arremessados como setas vivas./ O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito e
vos estica com toda a Sua força para que Suas flechas se projetem, rápidas e
para longe./ Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:/
Pois assim como Ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece
estável.” (tradução de Mansour Challita).
Cito Gibran Kalil nesta introdução porque, ainda que
num outro (?) contexto, é impossível não se lembrar deste belo e profundo conto
ao assistir Meu Querido Filho (Weldi, 2018), o sensível filme escrito e
dirigido com elegância pelo tunisiano Mohamed Ben Attia, cuja trama enreda o
espectador num pungente drama familiar e social, com um leve viés psicológico, em
que um dedicado pai, Riadh (Mohamed Dhrif), busca desesperadamente por
seu filho Sami (Zakaria Ben Ayyed) que, sem nenhuma justificativa e às vésperas do
vestibular, vai embora de casa, para se juntar a militantes terroristas do
ISIS, na Síria. Desenvolvida a partir do
ponto de vista de Riadh, a narrativa
compartilha com o público a mesma sensação de perplexidade e angústia de um pai
que, ao lado se sua mulher Nazli (Mouna Mejri), não consegue compreender
a razão do amado filho único do casal, dar um rumo inesperado à sua vida,
influenciado pela doutrina jihadista.
O que leva um jovem estudante de classe média, feito Sami, a quem seus zelosos pais não deixam
faltar coisa alguma, a tomar uma atitude tão drástica? Adrenalina? Autoafirmação?
Certamente, em todo o mundo, não são poucos os Sami que diariamente os pais perdem para o terrorismo, o tráfico de
droga e de armas, o mercenarismo, as ideologias políticas e religiosas equivocadas.
E há também aqueles jovens que deixam seus lares para se dedicar a causas meritórias
em diversas partes do mundo e, às vezes, acabam frustrando os planos (profissionais)
de seus familiares. A dor da perda é sempre menor naquele que olha de fora do
que em quem a sente por dentro. O corte do segundo cordão umbilical pode deixar sequelas...
Conforme material de divulgação, publicado no site Instituto da
Cultura Árabe, o diretor e roteirista Mohamed Ben Attia encontrou o
argumento para Meu Querido Filho ao
ouvir, em uma rádio, relatos de pais que estavam à procura dos filhos que
tinham se juntado ao Estado Islâmico: “Infelizmente,
tornou-se quase que comum. Um dia, ouvindo um pai falando sobre sua história,
realmente me afetou. Ele continuava repetindo: ‘meu filho’. Eu rapidamente
percebi que o que me interessou mais não foram as razões que fizeram o filho
sair, mas o ponto de vista dos que ficaram para atrás: os pais dele, que não
viram isso chegando”.
Uma vez que a “sangria” não está na jugular, mas no
coração de um pai desnorteado com o desaparecimento do filho, a narrativa
sóbria pode não dar as respostas que o público deseja, sobre o terrorismo e
suas facções no Oriente Médio e ou sobre as inquietações juvenis num mundo além
das conexões digitais..., mas tentará objetivá-las. Num drama pessoal e dolorosamente
humano, onde não há espaço para maniqueísmos e ou polemização, o espectador
saberá tão somente o que Riadh sabe
sobre a perturbadora realidade ao seu redor, porque é apenas a ele que
acompanhamos na cruel jornada de resgate de Sami.
Meu Querido
Filho é de um realismo tocante. O naturalismo que evoca não está impresso
apenas na performance arrebatadora do veterano Mohamed Dhrif e ou na entrega do
bom elenco iniciante, mas se estende equilibrado pela cenografia e fotografia
que lhe garantem um caráter documental crível. Com ótimo roteiro (se ocupando
apenas do que é essencial ao fato em questão) e edição que vai acentuando o
ritmo e encurtando sequências até se bastar com elipses (sem exibicionismo) num
desfecho comovente, este introspectivo drama tunisiano há de calar fundo no
coração de qualquer platéia...
*Joba Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm,
realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
Olá! Onde posso ver esse filme????
ResponderExcluir..., olá, Mercedes, boa noite. ..., talvez você o encontre em algum serviço de streaming na tv (a cabo/assinatura) e ou web. ..., boa sorte!
ExcluirOi Joba, grata pelo retorno!
ResponderExcluir..., grato a você, pela leitura e interesse, Mercedes. ..., numa busca rápida (filme meu querido filho streaming) vi que está no streaming da Pandora Filmes, Now e Google Play. ..., creio que esteja em outros serviços também!
ExcluirQuerido, muito agradecida!!!!
Excluir..., não por isso! ..., boa sorte e boa sessão!
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