sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Crítica: As Aventuras de Paddington


Em tempos de intolerância social, com a Europa balançando histericamente seu molho de chaves, ameaçando trancar definitivamente as portas aos imigrantes..., se não é ironia, é bem-vinda e ousada a chegada ao cinema do gracioso Paddington, o urso peruano mais amado pelos ingleses nos últimos 56 anos.

As Aventuras de Paddington (Paddington, 2014), dirigido com muita criatividade por Paul King, que também o roteirizou, em parceria com Michael Bond, autor do best-seller Paddington Bear, é um filme fantasia com uma pitada crítica à xenofobia. Após uma série de 24 livros e três seriados animados para tv: Paddington (BBC, 1975/1986); Paddington Bear (Hanna-Barbera, 1989/1990); The Adventures of Paddington Bear (Cookie Jar Entertainment/Cinar Films 1997/2001)..., King e Bond, baseados apenas no essencial da primeira aventura de Paddington, escreveram uma história inédita, para a alegria dos milhares de antigos fãs e a conquista de novos.


A trama, que pega carona no pastelão e no nonsense para apresentar o adorável urso peruano ao grande público infantil (e seus acompanhantes), é de uma simplicidade tocante: Após um incidente nas profundezas da selva peruana, um jovem urso, aconselhado por sua tia Lucy, migra para Londres em busca de melhores condições de vida, levando apenas uma mala com alguns pertences, um velho chapéu vermelho e uma plaqueta dependurada no pescoço: Por favor, cuide deste urso. Obrigado. Ele é um filhote educado que cresceu ouvindo que o povo inglês é cordial e solidário e trata com respeito os visitantes. Porém, assim que bota as patas na Estação de Paddington, nota que a amabilidade britânica mudou, mas que (para sua tranquilidade) sempre há quem procura conservar os bons modos, como a família Brown, que o hospeda. Ali, o adorável urso, que recebeu o nome de Paddington, descobre um admirável mundo novo e que civilização é um conceito discutível.

As Aventuras de Paddington é um filme fantasia com conteúdo de qualidade para toda a família. O equilíbrio entre os universos lúdico e social é perfeito. As suas entrecenas ressaltam, em linguagem acessível a qualquer espectador, questões pertinentes como a invisibilidade do estrangeiro, a solidão urbana, o paradoxo cultural. A sequência numa estação ferroviária, em que o educadíssimo urso (que trata a todos por Sr. e ou Sr.ª) parece completamente “invisível” aos transeuntes, é emblemática, e possivelmente a mais comovente (entre tantas!) da narrativa que fala de imigração com uma sinceridade arrepiante.


A “invisibilidade”, matéria muito bem argumentada pelos roteiristas, está na pauta do dia em todo o mundo. No Brasil não é diferente, haitianos e africanos (independentes da sua formação), por exemplo, recebem o mesmo tratamento (de invisibilidade) que o articulado urso peruano Paddington. Na maioria das vezes o estrangeiro é julgado não por sua formação intelectual, mas por seu lugar de origem. Um dilema que o Sr. Brown e a Sr.ª Brown (Hugh Bonneville e Sally Hawkins), seus filhos Judy (Madeleine Harris) e Jonathan (Samuel Joslin), a governanta Bird (Julie Walters) e a ensandecida taxidermista Millicent (Nicole Kidman), vão ter que resolver.


Ainda que o assunto imigração (explícito e ou metafórico) seja “quente”, King não deixa o público esquecer que As Aventuras de Paddington é um filme infantil. Ele fala (e bem!) de coisas sérias..., mas sem perder a magia, o lúdico, a diversão proporcionada pelas trapalhadas do urso na charmosa casa dos Brown e na misteriosa cidade de Londres. Situações como a do banheiro e do batedor de carteiras vão fazer a alegria da criançada e de alguns marmanjos, já as maravilhosas cenas da florada da cerejeira vão encantar a todos.


O merchandising incomoda um pouco, mas não tira a excelência de As Aventuras de Paddington, comédia live-action que usa com muita propriedade a tecnologia a serviço da arte. É difícil acreditar que o fofíssimo urso seja apenas uma criação em CGI. Com um elenco afiado, fotografia e direção de arte primorosas, o único ponto negativo (?) é a versão dublada brasileira, repleta de bobagens, de coloquialidades absurdas. É até engraçadinha, mas não tão divertida quanto o filme original com o seu cáustico humor inglês. É claro que o público alvo (crianças) e os que não gostam de legendas não estão preocupados com isso, mas fica o alerta.

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