O que você faria se a mulher (ou o homem!) dos seus
sonhos literalmente se concretizasse na intimidade da sua casa, como se fosse a
coisa mais natural do mundo (além da ficção)? E se você ainda tivesse todo o
controle sobre essa pessoa, qual seria a sua reação? Não tem a menor ideia?
Quem sabe se assistindo ao Ruby Sparks -
A Namorada Perfeita (não ligue para este subtítulo dos infernos!) acaba
encontrando uma resposta, no mínimo, satisfatória (para ambos?).
Ruby
Sparks - A Namorada Perfeita (Ruby Sparks, EUA, 2012) é uma gostosa comédia (com pitadas de
drama) que navega por águas do realismo mágico que de vez em quando lambe as
nossas telas. Na trama, Calvin (Paul Dano), um solitário escritor, com
bloqueio criativo e em plena crise amorosa, encontra em sua cozinha, numa certa
manhã, Ruby (Zoe Kazan), a garota com quem sonha todas as noites e sobre quem
vem escrevendo, para passar mais tempo com ela. Antissocial, ele só sai de casa
para eventuais consultas psiquiátricas e para levar o seu cachorro Scotty ao parque. A última namorada
deixou um vazio difícil de ser preenchido. Ruby
é romântica, alegre, prendada, sedutora. Porém, sem saber que é fictícia,
começa a pensar e a agir como uma mulher de verdade, colocando em risco a frágil
harmonia da casa. Calvin tem o comando
da vida e da morte da personagem nas teclas da sua velha máquina de escrever
Olympia. Ele escreveu um belo prólogo e alguns capítulos, mas será capaz de escrever
um epílogo para essa misteriosa história?
O argumento fantástico pode não ser dos mais
originais..., mas é eficiente. Um cinéfilo (de carteirinha) antenado com a
metalinguagem cinematográfica logo vai citar (entre outros) filmes como Mais Estranho
Que A Ficção , de Marc Forster, Adaptação, de Spike Jonze e Estranhos Normais (2010) de Gabriele
Salvatores..., e um leitor mais erudito se lembrará do mito de Pigmaleão. Referências que em nada desmerecem
esta agradável produção, repleta de reviravoltas absurdas, dirigida pelo casal
(real) Jonathan Dayton e Valerie Faris (do fascinante Pequena Miss Sunshine) e estrelada pelo casal
(real) Dano e Kazan.
O roteiro de Zoe Kazan é divertido, sem ser
hilário, dramático, sem ser piegas..., intenso, sem ser cansativo. Está sempre
buscando uma nova linguagem para tratar das velhas armadilhas do amor e suas
reticências, conseguindo-se desviar dos clichês mais clichês. Como, por
exemplo, ao nos lembrar que, se no papel (onde nem sempre vale o escrito!) a
pontuação pode mudar o sentido de um texto, na vida real o amor pode não resistir
a quem conjuga o verbo amar apenas na primeira pessoa. Assim como o amor entra
em colapso, se não compartilhado numa relação a dois, a insegurança pode tornar
o ser humano egocêntrico e prisioneiro da própria crueldade. Kazan também nos questiona:
quando excedemos (no amor, no prazer, na dor), a quem cabe ditar (ou mudar) regras?
Ao traduzir os percalços da solidão (a dois e em
família) e os dissabores da possessividade (conjugal), Ruby Sparks faz um curioso retrato, às vezes melancólico, porém
cativante, do convívio fugaz entre o homem moderno, ainda tradicional (o problemático
autor Calvin), e a mulher contemporânea
independente (a personagem literária Ruby),
que aos poucos se desenham em uma página em branco e se descobrem quão estranhos
são a si mesmos. Na metáfora ou nas entrelinhas a narrativa nunca dá um passo
maior do que a perna, apesar de material suficiente para ousar mais. Opta pela
zona de conforto, contando uma história (sci-fi?)
bacana para aquele público jovem/adulto (descolado!) que gosta de uma boa comédia
(romântica!) à margem do lugar comum da atual safra hollywoodiana, calcada na
escatologia e no complexo de Peter Pan.
Além do ótimo casal protagonista a produção conta
com um simpático elenco de apoio: Chris
Messina é Henry, o irmão “esperto”
e falastrão de Calvin; Elliott Gould é Dr. Rosenthal, o psiquiatra do jovem escritor; Annette Bening é Gertrude,
a mãe new age, cuja felicidade e vivacidade
incomodam o deprimido Calvin; Antonio Banderas é Mort, o hippie natureba namorado de Gertrude. A trilha sonora de Nick
Urata é agradável, mas em alguns momentos incomoda. A despeito do segundo final,
que arredonda (e adoça?) esse estranho Conto de Fadas, Ruby Sparks é um excelente programa para se ver e refletir (preferencialmente)
a dois.
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