O Artista é um filme para o cinéfilo que, a
despeito das invenciones videoclipistas contemporâneas, nunca deixou de
acreditar na magia do cinema. Uma história repleta de doçura e de amargura,
colhida nas profundezas do pré-som e da pré-cor por quem ama o fazer
cinematográfico. Um delicioso melodrama para lembrar (ou conhecer) o cinema em preto
e branco e suas histórias singelas (mesmo quando trágicas), já formadoras de
plateia nos idos de 1920/30, ao alcance daquele público cuja preguiça mental o
faz preferir a dublagem à legenda. Se bem que, vez ou outra, ele será obrigado
a ler alguma, tomara que ainda saiba ler. Aliás, é a questão da legenda versus
áudio o motivo deste espetáculo. É interessante notar que, enquanto nos anos
20/30 discutia-se a transição entre o cinema mudo e o falado, hoje é CGI e 3D
que resultam em acaloradas discussões.
O Artista (The
Artist, França, Bélgica, 2011), de Michel
Hazanavicius, é uma grande celebração. Uma viagem às incríveis produções
cinematográficas dos anos 1920 e 1930, onde o carismático ator George Valentin (Jean Dujardin) faz fama e fortuna com seus personagens charmosos e
aventureiros em filmes mudos de grande apelo popular. No entanto, o tempo não
para e a modernidade vem atropelando tudo que parece obsoleto. É nesse clima
novidadeiro que, após um ocasional empurrãozinho na carreira da iniciante atriz
Peppy Miller (Bérénice Bejo), ele fica sabendo que o Kinografh Studios, para quem
trabalha, irá produzir apenas filmes sonoros. Enquanto a determinada garota se
entusiasma com a novidade, o inseguro Valentim
é contra. Com o orgulho ferido (feito Charles Chaplin na defesa de sua
pantomima), o consagrado ator (de pouca fala) passa a questionar o futuro da
sétima arte sonora. O seu drama, de uma ternura arrebatadora, arranca risos,
suspiros e lágrimas da plateia que aposta no seu talento e num esfuziante
recomeço. Afinal, o cinema é feito de fases (e frases de efeito). Ou não ?!
O público
mais antigo sabe que nos primórdios do cinema, para facilitar o acompanhamento
e a compreensão da história, eram inseridas (entre cenas) cartelas com textos. A
chegada do som (que revolucionou a sétima arte), no entanto, apavorou meio
mundo artístico, até Charlie Chaplin (1889 - 1977) resistiu a ele por mais de
uma década. O temor da classe (e de alguns produtores) era que o cinema sonoro,
por conta das risíveis primeiras experiências, destruísse carreiras e estúdios,
já que a maioria dos atores não tinha “aquela” voz imaginada pelos espectadores,
como se pode ver no genial musical Cantando
na Chuva (Singin’ in the Rain, 1952). Por outro lado, dependendo do talento
da estrela, a novidade poderia consolidar o ofício, como aconteceu à diva Greta
Garbo, indicada ao Oscar pelo desempenho em seu primeiro filme sonoro, Anna Christie (1930), cujo slogan era: Garbo Fala!
Se antes
do som a intenção da trama se bastava nos olhos, no gestual, com o seu advento
ela ganhou destaque na voz, e para isso a interpretação era mais do que
fundamental. O filme sonoro passou a exigir mais de todos os envolvidos, da
concepção à finalização da obra. O irônico é que, para melhorar a qualidade do
áudio, surgiu a dublagem (viciando o norte-americano, que não vê filmes estrangeiros
por causa das legendas), mas que (de certo modo) acabou facilitando a
disseminação do cinema em todo mundo (dublado - com alguma relutância - em
outras línguas) e facilitando (depois) a sua exploração pela TV.
O Artista não é um filme de ontem, mas um filme
(de hoje) sobre o cinema que se fazia ontem, em posse da alta tecnologia de
hoje simulando a de ontem. Tudo nele remete ao passado, da extraordinária
performance de Dujardin, com seu sorriso iluminado, à trilha magistral de Ludovic Bource. A nostálgica narrativa
de Hazanavicius, que “fala” mais com imagens do que com “palavras”, do amor à
arte e do valor da amizade (canina e humana), surpreende pela simplicidade. É
impossível ficar alheio à cativante Bérénice Bejo e ao adorável cão (Uggy), parceiro de Valentin, dentro e fora das telas, lembrando a admirável relação de
Chaplin com a sua cachorrinha em A Dog's Life (1918). A metalinguagem na “gritante” sequência
inicial de lançamento do filme A Russian
Affair (tela/plateia/tela/bastidores/tela) com o pedido de “silêncio” (na
apreciação de um filme mudo) é mais que perfeita, é genial! Assim como o
nocaute de algumas metáforas (principalmente) sobre a ascensão e a queda de
astros e estrelas. Mas o ponto alto fica com a antológica sequência de Valentin enlouquecido com a sonoplastia
real e incapaz de pedir ajuda. Não me lembro de casamento tão perfeito de
áudio-imagem.
Um bom cinéfilo
verá na fantástica trama de O Artista
as muitas homenagens (conscientes) a clássicos como: Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950), Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain,
1952), Nasce uma Estrela (A Star Is
Born,1954), e a diretores como: Charles Chaplin, Orson Welles, Alfred
Hitchcock, Fritz Lang. Em um momento
muito em especial, Peppy relembra
Greta Garbo (1905-1990) em Grand
Hotel (1932), com a famosa frase que a marcou pelo resto da
vida: I want to be alone! (Eu
quero ficar sozinha!). Michel Hazanavicius não é o primeiro e, com certeza, não
será o último a homenagear o cinema, preto e branco ou colorido, mudo ou falado.
Muitos diretores contemporâneos acreditam na carga dramática do silêncio,
apostam na imagem (por mil palavras), na interpretação, na ausência de trilhas,
mas não conseguem fugir do pejorativo filme
de arte. Infelizmente nem todos tem a boa sorte de juntar qualidade e boca
a boca, como O Artista, e traçar um
destino premiado rumo ao grande público.
O mundo
viu e riu diferente com as pantomimas do francês Jacques Tati (1907 - 1982) e
com as paródias do norte-americano Mel Brooks. Ao ironizar (também) a
modernidade retrô (e por tabela o público americano?) o ponto vai para Mel
Brooks com a sua coloridíssima comédia A
Última Loucura de Mel Brooks (Silent Movie, 1976), onde a única fala é um sonoro
Non! (Não!), dito pelo mímico francês
Marcel Marceau (1923 - 2007), ao ser convidado a estrelar o Silent Movie. Questionado sobre a resposta
do artista, Mel responde: Eu não sei. Eu
não falo francês! Dificilmente o americano fará filas para ver o filme
francês, já que odeia ler legendas, mesmo que mínimas. Pior para os folgados, O Artista é inesquecível!
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