domingo, 30 de outubro de 2011

Crítica: O Palhaço


Em 2006 o consagrado ator Selton Mello deu seus primeiros passos, na direção cinematográfica, com o belo curta-metragem Quando o Tempo Cair (uma pungente reflexão sobre a velhice), num bem vindo “resgate” do ator Jorge Loredo (o Zé Bonitinho). Em 2008 estreou na direção com o taciturno longa-metragem Feliz Natal, uma obra sombria e trágica, mas sem novidades, que vale mais por outro “resgate”: Darlene Glória. Agora ele retorna, dividindo o roteiro com Marcelo Vindicatto, em um filme mais luminoso e original, um delicioso drama cômico que, de tão ingênuo, beira o nonsense: O Palhaço.


Nesta nova produção, Selton Mello é Benjamin, um jovem artista que ajuda o pai Valdemar (Paulo José) a administrar o Circo Esperança e também divide com ele as glórias do picadeiro, quando encarnam a dupla de palhaços Pangaré e Puro Sangue. O circo é pequeno, cabe num caminhão. A trupe de artistas se arranja em uma kombi e uma caminhonete. Mas, além da subsistência dos mambembes, o que inquieta o jovem Benjamin é a dupla crise de identidade: civil (carrega apenas um velho Registro de Nascimento, como prova de sua existência), e profissional (ele é melancólico: “Eu faço o povo rir, mas quem vai me fazer rir?”). O que o impede comprar um ventilador ou mesmo acreditar na graça que faz. Apesar da boa acolhida aos artistas, nas pequenas cidades em que se apresentam, a vida errante e as dificuldades financeiras do circo, ajudam a agravar a sua depressão. No entanto, como não há dor que um belo amor não atenue, pensando na possibilidade de viver uma nova vida, Benjamin decide correr atrás de um doce sonho, para descobrir exatamente quem é.


Com alguma referência a Renato Aragão, Charles Chaplin, Wes Anderson, Fellini..., O Palhaço é uma história repleta de pequenas outras histórias poéticas, engraçadas, nostálgicas, que ganham vida e graça nas marcantes participações especiais de Moacyr Franco (prêmio de melhor ator coadjuvante no Festival de Paulínia), no corpo do impagável Delegado Justo, Tonico Pereira, no papel dos mecânicos gêmeos Beto e Deto Papagaio, Jorge Loredo, como o piadista Nei, dono da loja de eletrodomésticos, e Luiz Pereira Neto (o Ferrugem, lembra dele?), faz um “brincalhão” atendente da Prefeitura. Na verdade todo elenco que, passa longe do elenquinho de novelinhas da Rede XXXX, está bem. Selton Mello e Paulo José, é claro, estão perfeitos. É difícil não reconhecer a vitalidade de Paulo e o carinho com que Mello o homenageia na referência ao antológico Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988).


O Palhaço é singelo, sincero e faz rir sem exagero. Ele emociona ao falar de pessoas reais, que remoem os seus pequenos problemas e continuam seguindo em frente com o seu espetáculo (embaixo ou fora das lonas), e ainda resgata a infância de muita gente que viveu no interior, onde o circo era a única diversão cultural possível. Resgata um tempo em que, talvez pareça enganoso pensar assim, viver era (bem) mais simples. Poético, o filme traz um Selton mais solto e tecnicamente muito bem acompanhado, seja na fotografia, com estudados enquadramentos, no apuro do figurino, na cuidadosa direção de arte ou (mesmo) na trilha sonora, com sua romântica breguice dos anos 1980, época em que se passa a narrativa. Neste terceiro trabalho Mello não perdeu a intensidade e parece estar bem a caminho (ou já ter chegado) aonde o público está.

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