Em 2006 o
consagrado ator Selton Mello deu seus
primeiros passos, na direção cinematográfica, com o belo curta-metragem Quando o Tempo Cair (uma pungente reflexão
sobre a velhice), num bem vindo “resgate” do ator Jorge Loredo (o Zé Bonitinho).
Em 2008 estreou na direção com o taciturno longa-metragem Feliz Natal, uma obra sombria e trágica, mas sem novidades, que
vale mais por outro “resgate”: Darlene
Glória. Agora ele retorna, dividindo o roteiro com Marcelo Vindicatto, em um
filme mais luminoso e original, um delicioso drama cômico que, de tão ingênuo,
beira o nonsense: O Palhaço.
Nesta
nova produção, Selton Mello é Benjamin,
um jovem artista que ajuda o pai Valdemar
(Paulo José) a administrar o Circo
Esperança e também divide com ele as glórias do picadeiro, quando encarnam a
dupla de palhaços Pangaré e Puro Sangue. O circo é pequeno, cabe num
caminhão. A trupe de artistas se arranja em uma kombi e uma caminhonete. Mas,
além da subsistência dos mambembes, o que inquieta o jovem Benjamin é a dupla crise
de identidade: civil (carrega apenas um velho Registro de Nascimento, como
prova de sua existência), e profissional (ele é melancólico: “Eu faço o povo rir, mas quem vai me fazer
rir?”). O que o impede comprar um ventilador ou mesmo acreditar na graça
que faz. Apesar da boa acolhida aos artistas, nas pequenas cidades em que se
apresentam, a vida errante e as dificuldades financeiras do circo, ajudam a
agravar a sua depressão. No entanto, como não há dor que um belo amor não
atenue, pensando na possibilidade de viver uma nova vida, Benjamin decide correr atrás de um doce sonho, para descobrir
exatamente quem é.
Com alguma
referência a Renato Aragão, Charles Chaplin, Wes Anderson, Fellini..., O Palhaço é uma história repleta de
pequenas outras histórias poéticas, engraçadas, nostálgicas, que ganham vida e
graça nas marcantes participações especiais de Moacyr Franco (prêmio de melhor ator coadjuvante no Festival de
Paulínia), no corpo do impagável Delegado
Justo, Tonico Pereira, no papel
dos mecânicos gêmeos Beto e Deto Papagaio, Jorge Loredo, como o piadista Nei,
dono da loja de eletrodomésticos, e Luiz
Pereira Neto (o Ferrugem, lembra
dele?), faz um “brincalhão” atendente da Prefeitura. Na verdade todo elenco
que, passa longe do elenquinho de novelinhas da Rede XXXX, está bem. Selton
Mello e Paulo José, é claro, estão perfeitos. É difícil não reconhecer a
vitalidade de Paulo e o carinho com que Mello o homenageia na referência ao
antológico Macunaíma (1969), de
Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988).
O Palhaço é singelo, sincero e faz rir sem exagero.
Ele emociona ao falar de pessoas reais, que remoem os seus pequenos problemas e
continuam seguindo em frente com o seu espetáculo (embaixo ou fora das lonas), e
ainda resgata a infância de muita gente que viveu no interior, onde o circo era
a única diversão cultural possível. Resgata um tempo em que, talvez pareça
enganoso pensar assim, viver era (bem) mais simples. Poético, o filme traz um
Selton mais solto e tecnicamente muito bem acompanhado, seja na fotografia, com
estudados enquadramentos, no apuro do figurino, na cuidadosa direção de arte ou
(mesmo) na trilha sonora, com sua romântica breguice dos anos 1980, época em que
se passa a narrativa. Neste terceiro trabalho Mello não perdeu a intensidade e parece
estar bem a caminho (ou já ter chegado) aonde o público está.
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