terça-feira, 30 de outubro de 2012

Crítica: O Mar Não Está Pra Peixe: Tubarões à vista!



No mundo da animação cinematográfica (?) os animais estão cada vez mais humanos (racionais?)..., haja idiossincrasia. No mundo da ficção cinematográfica (?) os humanos estão cada vez mais irracionais (animais?)..., haja barbárie. Sabe-se lá quem imita (ou inventa) quem!

Multicolorido e apresentando uma fauna aquática diversificada, O Mar Não Está Pra Peixe: Tubarões à vista! traz de volta o peixe-herói , em mais uma luta, praticamente solitária, contra o seu grande (e bota grande nisso) inimigo e rival tubarão Troy, que retorna “bombado” e mais malvado, para tentar dominar o recife e ficar de vez com a ingênua Cordélia, agora acasalada com e mãe de Junior. Ao saber que Troy (e sua gang de tubarões famintos) quer revanche, o estrategista decide treinar seus amigos cabecinhas de vento. Porém, as coisas não saem exatamente como ele planejou e para complicar aparece Dylan, um estranho no ninho, digo, no recife, com uma ideia mirabolante (um espectador constante de desenhos animados vai dizer: eu já vi isto!): montar um espetáculo musical subaquático e trazer humanos para assistir, criando ali uma área livre de tubarões. Bem, nem é preciso dizer que é uma onda de confusão atrás da outra quando os pretendentes a lutadores e artistas entram em ação.


O Mar Não Está Pra Peixe: Tubarões à vista! (The Reef 2: High Tide, EUA, 2012), dirigido por Mark A.Z. Dippé (do abominável Spaw), é uma animação muito animada para o público infantil, ali dos cinco aos dez, doze anos (no máximo!)..., passou disso a desanimação pode ser geral. O roteiro clichê-básico (capaz de entediar os mais velhos), recheado de referência ao cenário artístico pop, é simplório e explora a clássica história edificante e enaltecedora dos valores humanos, digo, aquáticos. Os personagens são facilmente reconhecíveis: herói; desastrado; destrambelhado; artista; esperto; malvado; traidor; inocente etc. Uma galeria de tipos (coadjuvantes) para todos os gostos, mas pouco cativantes. O humor é pastelão-infantil, com uma ou outra indiscrição para o público adulto e nenhuma música (?) ou sequência memorável.

Com uma narrativa rala e previsivelmente didática, na infantilização de um tema (sobrevivência), digamos, adulto, a animação fala um pouco de tudo: Broadway, filosofia oriental, truculência ocidental, cultura Jedi, traição, insegurança, lição de moral etc... Excetuando o peixe Junior, todos os outros animais aquáticos são adultos. Não há sequer um adolescente em crise, apaixonado e ou em pé de guerra com os pais..., coisa rara na animação, hoje em dia! Quem sabe no próximo filme, quando o Junior crescer. O alvo, sem dúvida, é mesmo a criançada despreocupada que (na falta de um assunto mais adequado) se contenta com uma musiquinha, uma dancinha e uma briguinha agitada em águas rasas.


No mundo da fantasia politicamente correta (ou quase) vale tudo (ou quase), até mesmo peixe carnívoro que não come (literalmente) peixe não-carnívoro. A animação tem alguns furos e sequências sem nadadeiras e nem cabeça..., não sei se algum pequeno espectador se importará com tais escorregadelas. O filme em 3D não chegou para a Cabine e não fez falta o efeito da moda. O traço dos cenários e dos multicoloridos personagens é simples e simpático, às vezes lembra um protetor de tela (pouco sofisticado) aquário. A dublagem (em português), com seus chiados cariocas, incomoda que está acostumado com legendas. 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Crítica: Gonzaga - De pai pra filho



A retomada do cinema brasileiro (de qualidade!) tem feito o espectador (re)conhecer e se (re)descobrir parte de um país de contrastes e de confrontos socioculturais que volta a mostrar a sua cara nas mais diversas leituras e linguagens. Viva o Brasil no cinema de novo! No cinema que não tem vergonha de ser dramático, musical, polêmico ou cômico..., sem perder a classe! É claro que tem aquele telepúblico que (ao trocar a sala de casa pela do cinema) ainda prefere comédia padrão-lixo-tv, só para falar mal. Mas..., quem sabe um dia ele acaba entrando numa sala errada (eu vivo dizendo isso!) e dá de cara com um filme que realmente faça valer o preço do ingresso, como o excelente Gonzaga - De pai pra filho.

Dirigido por Breno Silveira (de Os 2 Filhos de Francisco), que lançou recentemente o comovente À Beira do Caminho (inspirado em músicas de Roberto Carlos), Gonzaga - De pai pra filho (Brasil, 2012), é a cinebiografia de dois ícones da musica brasileira: Luiz Gonzaga do Nascimento (1912 - 1989), o Gonzagão, e Luiz Gonzaga do Nascimento Junior (1945 - 1991), o Gonzaguinha. Cada um, a seu tempo, viveu intensamente a sua vida (nos palcos e, às vezes, em família) numa época (?) de mandos e desmandos (da sova ao cala-boca!). Uma história de amor e de dúvidas sobre um pai e um filho separados e unidos pela música e pela vida estradeira, que precisaram de décadas para curar mágoas e, finalmente se conhecerem. Um filme onde o DNA é o que menos importa.


Para Breno Silveira, que novamente se debruça sobre um assunto musical: Não são biografias que me interessam, mas boas histórias, que emocionem e toquem em questões universais, sentimentos que digam respeito a todas as pessoas. Eu gosto de falar de laços. Há sete anos, a Marcia Braga, produtora, e a Maria Hernandez, idealizadora do projeto,  me procuraram com umas fitas cassetes gravadas pelo Gonzaguinha, em que ele tentava resgatar a história do pai, através de 15 horas de conversa entre os dois. Quando eu comecei a escutar, em cada fita eu percebia a emoção deles e ia me emocionando também. Fiquei impressionado ao entender que pai e filho estavam se conhecendo ali.  Até que, numa das últimas fitas, o Gonzaguinha dizia: “Estou entrando no sertão, sertão que era do meu pai. À minha direita tem uma lua... Deve ser ele, o Velho Lua me olhando... Eu não conheci meu pai direito e, amanhã, é o enterro dele”.  Fiquei emocionado e com vontade de contar essa história.


Livremente inspirado pelas biografias de Luiz Gonzaga e Gonzaguinha e pela obra Gonzaguinha e Gonzagão, Uma História Brasileira, de Regina Echeverria, o filme se passa entre os anos 1920 e 1980. O roteiro de Patrícia Andrade traça um perfil abrangente (e comovente) da carreira musical de Luiz Gonzaga e parte da carreira de Gonzaguinha, com pinceladas significativas das suas conturbadas vidas em família, no sertão (Exu-PE) e na favela (São Carlos-RJ). O grande foco da narrativa, que abre luz para a carreira de Luiz Gonzaga, é a discussão da relação e o acerto de contas entre o pai (inconstante), sonhando em conquistar o mundo, e o filho (amargurado), querendo sumir no mundo.

O ótimo elenco traz atores profissionais e não-atores em desempenhos fascinantes. Para viver os músicos foram escolhidos seis atores: Land Vieira (Gonzaga: 17/23); Chambinho do Acordeon (Gonzaga: 27/50); Adélio Lima (Gonzaga: 70); e Alison Santos (Gonzaguinha: 10/12); Giancarlo Di Tommaso (Gonzaguinha: 17/22); Júlio Andrade (Gonzaguinha: 35/40). O sorriso iluminado da cada Gonzaga emociona, mas a caracterização mais impressionante ficou com Júlio Andrade, perfeito como Gonzaguinha.


Aliás, Júlio é protagonista de um fato interessante que merece constar no folclore cinematográfico. Segundo Breno: No primeiro dia de testes, adentrou o estúdio um cara igual ao Gonzaguinha. Com jeito arrogante, cigarro na mão, magro, barbudo, ele perguntou: “Posso cantar?”. Eu disse que sim, claro.  Para minha surpresa, a voz, o jeito, tudo era igual ao do personagem. Achei que tinham levado um sósia para lá. Mas quando dirigi a primeira cena, entendi que eu estava de frente para um grande ator. Só depois fui saber que era o Júlio Andrade, que se caracterizou para ganhar o papel. E segundo Andrade: Há cinco anos eu conheci a Maria Hernandez, que me contou sobre o projeto do filme. Eu tenho todos os discos do Gonzaguinha, queria muito fazer esse trabalho. Era um fã querendo fazer seu ídolo. E eu comecei a falar isso para todo mundo, até que meu nome chegou aos ouvidos dos produtores de elenco que me chamaram para o teste. No dia, fui de barba, sobrancelha cortada, peruca, roupa anos 80 e sandália. Eu não conhecia o Breno e cheguei lá com uma postura arrogante e ele só me olhava e ria. Contei da minha história com a obra do Gonzaguinha e cantei a música 'Feliz'. Dois dias depois, a Cibele Santa Cruz disse que o papel era meu. Foi a maior alegria da minha vida.


No afinado elenco também se destacam: Claudio Jaborandy, encarnando o sofrido Januário, pai de Gonzaga; Nanda Costa, como Odaléia Guedes, primeira esposa de Gonzaga e mãe de Gonzaguinha e Roberta Gualda no papel de Helena Cavalcanti, segunda esposa de Gonzaga; a linda Cecília Dassi faz uma graciosa Nazinha, primeira namorada de Gonzaga, e Silvia Buarque vive a sofrida e bondosa Dina, madrinha-mãe de Gonzaguinha que, na companhia de Xavier Pinheiro (Luciano Quirino), o primeiro parceiro de Gonzaga, criou o menino. Dina recebeu uma bela homenagem de Gonzaguinha em: Com a perna no mundo (Gonzaguinha da Vida, 1979): Acreditava na vida/ Na alegria de ser/ Nas coisas do coração/ Nas mãos um muito fazer (...) Sentava bem lá no alto/ Pivete olhando a cidade/ Sentindo o cheiro do asfalto/ Desceu por necessidade (...) O Dina/ Teu menino desceu o São Carlos/ Pegou um sonho e partiu/ Pensava que era um guerreiro/ Com terras e gente a conquistar/ Havia um fogo em seus olhos/ Um fogo de não se apagar (...) Diz lá pra Dina que eu volto/ Que seu guri não fugiu/ Só quis saber como é/ Qual é/ Perna no mundo sumiu (...) E hoje/ Depois de tantas batalhas/ A lama dos sapatos/ É a medalha/ Que ele tem pra mostrar (...) Passado/ É um pé no chão e um sabiá/ Presente/ É a porta aberta/ E futuro é o que virá, mas, e daí? (...) ô ô ô e á/ O moleque acabou de chegar/ ô ô ô e á/ Nessa cama é que eu quero sonhar/ ô ô ô e á/ Amanhã bato a perna no mundo/ ô ô ô e á/ É que o mundo é que é meu lugar.


Do baião ao popular, Gonzaga - De pai pra filho traz no seu repertório uma bela seleção da música (sem fronteira) dos dois protagonistas. O pai gonzagueando o baião e o filho gonzagueando a canção. Ritmos norteando gerações. O sentimento de protesto em dois pontos de vista. A seca na sanfona retirante. A grita estudantil no violão. Duras realidades. Duas realidades. As 15 músicas de Gonzaga (o único Rei do Baião) e as 3 de Gonzaguinha dispensam comentários.  Antes que o espectador fã de Gonzaguinha reclame que, de tantas pérolas do compositor, apenas 3 fazem parte do colar melódico, não custa lembrar que o grande foco da biografia cabe ao seu pai. A superprodução, com excelente reconstituição de época, é muito bem emoldurada pela exuberante fotografia de Adrian Teijido. Um filme para matar saudades e preconceitos!

sábado, 20 de outubro de 2012

Crítica: Os Candidatos


Em tempos de eleição e campanhas políticas, sempre regadas a muita baixaria (campanha política e baixaria “são” sinônimos em qualquer lugar), a comédia Os Candidatos pode surpreender e divertir o espectador mais ingênuo. Porém, quem conhece o ambiente fétido e sabe muito bem como funciona a falcatruagem parlamentar, talvez, entre uma indignação e outra, dê boas gargalhas..., mas não muitas.

Os Candidatos (The Campaign, EUA, 2012), dirigido por Jay Roach, começa com a seguinte advertência: “A guerra tem regras, briga na lama tem regras. Na política não há regras.” - Ross Perot, candidato à presidência dos Estados Unidos em 1988. A sátira acompanha os bastidores da campanha política de dois candidatos ao Congresso Norte Americano: Cam Brady (Will Ferrell), um “político profissional” (machista) e Marty Huggins (Zach Galifianakis), um “inocente” (e afetado) guia turístico. Cam era candidato único a um quarto mandato, mas após um novo escândalo sexual se viu obrigado a enfrentar nas urnas um rival excêntrico e despreparado. No entanto ele acredita que, mesmo em pleno declínio nas pesquisas, é capaz de vencer o delicado concorrente. Cam só não contava com a chegada de Tim Wattley (Dylan McDermott), um agente de campanha contratado para transformar Marty em um novo homem e ou (ao menos) em um homem viril. Wattley é um sujeito que não gosta de perder e, então, aproveita para mudar também a personalidade da família, da casa e (literalmente) os cães de Marty. Com o picadeiro armado tem início o show de obscenidades.


Escrito por Chris Henchy e Shawn Harwell, a comédia tem como alvo a campanha política estadunidense de 2012, mas acaba por satirizar políticos em todo o mundo. É incômodo (e vergonhoso) se dar conta de que os absurdos da narrativa são práticas (re)correntes desses “profissionais” de lábia fácil e discurso vazio. Roach acredita que “...ultimamente a comédia é a resposta certa para a política. Pelo menos nos dá algo para rir e faz com que a realidade dessa situação seja mais fácil de engolir, diferente de quando você só assiste aos noticiários, o que pode ser bem assustador. Olhando algumas das campanhas eleitorais atuais, eu fico na dúvida se era isto que os fundadores deste país tinham em mente". Já para Galifianakis: “Acompanhei a política toda minha vida e ainda me impressiono com a quantidade de manipulação que ocorre nos bastidores da construção de um político, e como o público pode ser enganado por isso. Só estamos mostrando, de uma forma divertida e engraçada, como a salsicha é feita”.

O argumento é interessante, resta saber se a crítica (em tom de galhofa) consegue tocar e acordar o espectador-eleitor entorpecido no lado de baixo do Equador. Grande (?) parte da população concorda que todo político é farinha do mesmo saco, mas será que todo saco (norte ou sul-americano) resiste à mesma farinha? É bom que se diga que Os Candidatos não tem a mesma força (catártica) do thriller político Tudo Pelo Poder, de George Clooney (que vai direto ao nervo), mas suas retóricas apresentam alguns pontos em comum. No entanto, o que mais os diferencia (e os distancia) é o epílogo, Roach “opta” por um (improvável) final edificante e moralista..., bem ao gosto de Hollywood. Aqui a arte não imita a vida, sugere uma saída.


A paródia política de Roach é um filme irregular, mas acima da média. Na ânsia de dissecar o maior número possível de baixarias (buscando humor em tudo), acaba pecando pelo excesso de alvos e algumas setas se perdem no caminho fácil do clichê e da caricatura. Em se tratando de nova comédia americana, algumas piadas (até politicamente incorretas) são realmente engraçadas. Outras, que abusam da sexualidade (e do indefectível pênis!), são enfadonhas. O uso dos chavões políticos (Família, Jesus e Liberdade, Coluna Vertebral) é hilário. Assim como o adesivo no carro do candidato Cam (um achado!) ou a impagável sequência na Igreja do Avivamento (com suas cobras sagradas).

O elenco de comediantes de Os Candidatos (incluindo: Jason Sudeikis, John Lithgow, Dan Aykroyd ) é muito bom, mas merece uma ressalva: já passou da hora de Galifianakis deixar de lado os trejeitos afeminados, a impressão é que, com ou sem barba, ele está representando sempre o mesmo personagem enrustido. Vale a pena refletir sobre a dica do figurinista Daniel Orlandi sobre a arte de se vestir um político: “Você precisa de um bom terno mas não muito bom. Você não quer que pareça inacessível às massas com que eles estão tentando se identificar."

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Crítica: Relação Explosiva



Diz a sinopse: Um ex-assaltante de bancos, Charlie Bronson (Dax Shepard), que vive em uma pequena cidade da Califórnia com sua namorada, Annie (Kristen Bell), decide abandonar o programa de proteção a testemunhas para ajudá-la a alcançar seu emprego dos sonhos em Los Angeles. Mas o intrometido ex-namorado de Annie (Michael Rosenbaum) envia os ex-cúmplices de Charlie (liderados por Bradley Cooper) e um policial federal atrapalhado (Tom Arnold) a uma perseguição eletrizante. A viagem de lazer se transforma rapidamente em um áspero, cômico caos em alta velocidade.

Isso é o que diz a sinopse, porque, na real, Relação Explosiva (de onde tiram esse título?), de cômico, tem nada. Já o eletrizante..., é uma questão de quanto chocado você ficará ao ver esse desastroso arremedo de cinema. É um filme sem noção, sem argumento, sem roteiro, sem direção..., e um elenco (incluindo carros envenenados) mais canastrão (e feio!) do universo hollywoodiano. Não tem condições nem de almejar, um dia, quem sabe, ser considerado trash! Ãhn? Tá bom, Kristen Bell é bonitinha, mas é canastra!

Relação Explosiva (Hit & Hun, EUA, 2012) é amadoresco. Quando os “personagens” não estão rodando em círculo, dando cavalo de pau ou correndo (e se batendo!?) ou caçando parceiros sexuais, por estradas praticamente vazias, com seus carros “de marca”, estão falando de? De? De? Ora, do assunto favorito das novas “comédias” norte-americanas: pênis e estupro masculino..., agora com variações gays e terceira idade, com direito a nu frontal (e close no “velho guerreiro”, é claro) geriátrico. Entre um corre um pouquinho, roda um pouquinho, queima o pneu (o pneu!) um pouquinho, a grande questão em discussão é o quanto ofensivo a um gay é dizer que algo espalhafatoso é coisa de “v....”! Olha, como se diz por aqui, é melhor deixa!

Enfim, um filme de corrida sonolenta, para quem ri de qualquer coisa, principalmente de conversas sobre pênis e estupro na prisão. E pensar que é um filme independente!

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Crítica: As vantagens de ser invisível


Deslumbrante! É a primeira palavra que vem à mente durante e após a sessão do belo drama romântico, às vezes cômico, As vantagens de ser invisível (The Perks of Being a Wallflower, EUA, 2012), de Stephen Chbosky. Coisa rara, um diretor (praticamente estreante) realizar um filme tão desconcertante quanto magnífico. É difícil não adjetivar esta obra minimalista que se ocupa da essência e não dos contornos de uma história emocionante sobre a juventude e ou sobre ser jovem (em qualquer época ou lugar).

Narrar com simplicidade, em uma época de cinema prolixo (e descartável!), não é tão simples (ou fácil) quanto parece. Chbosky, que adaptou o próprio livro (The Perks of Being a Wallflower), é direto, dá o seu recado sem recorrer ao clichê baixaria e ou à lição de moral. Entre o cinema da moda (do lucro fácil garantido na escatologia) e o cinema “cabeça”, o diretor apostou na vida inteligente (uma réstia, que seja!) que ainda pulsa no universo adolescente em todo o mundo.


A frase que deu início ao romance e pauta todo o filme é: Nós aceitamos o amor que achamos merecer. A trama gira em torno de Charlie (Logan Lerman), um adolescente estranho até para si mesmo, perseguido por um passado trágico. Enquanto silenciosamente observa o “mundo real” ao seu redor (em busca do seu espaço), ele escreve cartas para um amigo (oculto). É através delas que, aos poucos vamos conhecendo a sua dócil e conturbada personalidade cheia de dores e segredos. Solitário e com dificuldades de relacionamento social, ele encontra nos descolados jovens meio-irmãos Sam (Emma Watson) e Patrick (Ezra Miller), e no gentil Sr. Anderson (Paul Rudd), professor de literatura, o apoio necessário para sair do seu incômodo casulo e tentar passar incólume pelo primeiro ano do 2º Grau.

As vantagens de ser invisível passa ao largo de qualquer gratuidade e ou pieguice de divã ao tratar de questões pertinentes ao universo juvenil: suicídio, sexo, drogas, homossexualidade, amor..., autoafirmação. Chbosky não adoça a vida (como ela é!) dos seus personagens, seria trair o bom senso do seu público leitor (e agora) espectador. Também porque, como ele mesmo diz: “Eu estava passando por um período difícil em minha vida pessoal. Mas também tinha chegado a um ponto da vida em que estava pronto para escrever sobre o motivo para que pessoas boas passem por certas coisas ruins, e como a família e os amigos podem nos ajudar a passar por tais coisas. Eu realmente precisava de respostas, e foi como se Charlie me desse um tapinha no ombro e dissesse ‘Estou pronto para contar minha história. Eu não estava tentando agradar ou tocar todo mundo. Estava apenas tentando contar minha própria verdade. Nunca pensei em agradar um público vasto. Contei minha história de forma verdadeira e acho que as pessoas respeitam isso”.


É surpreendente o domínio cinematográfico de Stephen Chbosky que, até então, tinha em seu currículo o roteiro de Rent (2005) e o longa The Four Corners of Nowhere (1995). Traduzir em imagens e diálogos (para o cinema) um livro de cartas de um adolescente (com humor variável) mantendo a coerência e sem ser enfadonho, é realmente um feito notável. É evidente que ele tem a vantagem de ser o roteirista e autor da obra original e sabe exatamente o que merece destaque e o que pode passar batido sem perda de conteúdo. No entanto, de nada adiantaria tanto apuro na criação de personagens tão cativantes sem a excelência do renovado trio protagonista e do ótimo elenco coadjuvante. Aquele fascinante mundo de outras fantasias ficou bem lá trás. Que bom.

Ambientado nos anos 1990, em nenhum momento As Vantagens de ser invisível parece datado. As boas músicas (da trilha) que ilustram deliciosas passagens continuam atuais (ainda tocam no rádio!). São memoráveis as duas arrepiantes sequências com Watson e Lerman (que dispensaram dublês), ao som de Heroes, de David Bowie (e Brian Eno), muito bem captadas pelo fotógrafo britânico Andrew Dunn. Os mais saudosistas vão delirar com as divertidas representações colegiais de The Rocky Horror Picture Show, as seleções musicais em fita cassete e as “festas descoladas” noventistas... Ponto para a direção de arte!

As vantagens de ser invisível é um filme para o espectador que ainda acredita no cinema de qualidade (independente da nacionalidade). Para um público que valoriza o seu dinheiro e gosta de ser surpreendido e não subestimado. Um dos melhores filmes do ano. Imperdível!

Fotos: Divulgação

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Crítica: Ruby Sparks - A Namorada Perfeita



O que você faria se a mulher (ou o homem!) dos seus sonhos literalmente se concretizasse na intimidade da sua casa, como se fosse a coisa mais natural do mundo (além da ficção)? E se você ainda tivesse todo o controle sobre essa pessoa, qual seria a sua reação? Não tem a menor ideia? Quem sabe se assistindo ao Ruby Sparks - A Namorada Perfeita (não ligue para este subtítulo dos infernos!) acaba encontrando uma resposta, no mínimo, satisfatória (para ambos?).

Ruby Sparks - A Namorada Perfeita (Ruby Sparks, EUA, 2012) é uma gostosa comédia (com pitadas de drama) que navega por águas do realismo mágico que de vez em quando lambe as nossas telas. Na trama, Calvin (Paul Dano), um solitário escritor, com bloqueio criativo e em plena crise amorosa, encontra em sua cozinha, numa certa manhã, Ruby (Zoe Kazan), a garota com quem sonha todas as noites e sobre quem vem escrevendo, para passar mais tempo com ela. Antissocial, ele só sai de casa para eventuais consultas psiquiátricas e para levar o seu cachorro Scotty ao parque. A última namorada deixou um vazio difícil de ser preenchido. Ruby é romântica, alegre, prendada, sedutora. Porém, sem saber que é fictícia, começa a pensar e a agir como uma mulher de verdade, colocando em risco a frágil harmonia da casa. Calvin tem o comando da vida e da morte da personagem nas teclas da sua velha máquina de escrever Olympia. Ele escreveu um belo prólogo e alguns capítulos, mas será capaz de escrever um epílogo para essa misteriosa história?


O argumento fantástico pode não ser dos mais originais..., mas é eficiente. Um cinéfilo (de carteirinha) antenado com a metalinguagem cinematográfica logo vai citar (entre outros) filmes como Mais Estranho Que A Ficção, de Marc Forster, Adaptação, de Spike Jonze e Estranhos Normais (2010) de Gabriele Salvatores..., e um leitor mais erudito se lembrará do mito de Pigmaleão. Referências que em nada desmerecem esta agradável produção, repleta de reviravoltas absurdas, dirigida pelo casal (real) Jonathan Dayton e Valerie Faris (do fascinante Pequena Miss Sunshine) e estrelada pelo casal (real) Dano e Kazan.

O roteiro de Zoe Kazan é divertido, sem ser hilário, dramático, sem ser piegas..., intenso, sem ser cansativo. Está sempre buscando uma nova linguagem para tratar das velhas armadilhas do amor e suas reticências, conseguindo-se desviar dos clichês mais clichês. Como, por exemplo, ao nos lembrar que, se no papel (onde nem sempre vale o escrito!) a pontuação pode mudar o sentido de um texto, na vida real o amor pode não resistir a quem conjuga o verbo amar apenas na primeira pessoa. Assim como o amor entra em colapso, se não compartilhado numa relação a dois, a insegurança pode tornar o ser humano egocêntrico e prisioneiro da própria crueldade. Kazan também nos questiona: quando excedemos (no amor, no prazer, na dor), a quem cabe ditar (ou mudar) regras?


Ao traduzir os percalços da solidão (a dois e em família) e os dissabores da possessividade (conjugal), Ruby Sparks faz um curioso retrato, às vezes melancólico, porém cativante, do convívio fugaz entre o homem moderno, ainda tradicional (o problemático autor Calvin), e a mulher contemporânea independente (a personagem literária Ruby), que aos poucos se desenham em uma página em branco e se descobrem quão estranhos são a si mesmos. Na metáfora ou nas entrelinhas a narrativa nunca dá um passo maior do que a perna, apesar de material suficiente para ousar mais. Opta pela zona de conforto, contando uma história (sci-fi?) bacana para aquele público jovem/adulto (descolado!) que gosta de uma boa comédia (romântica!) à margem do lugar comum da atual safra hollywoodiana, calcada na escatologia e no complexo de Peter Pan.

Além do ótimo casal protagonista a produção conta com um simpático elenco de apoio: Chris Messina é Henry, o irmão “esperto” e falastrão de Calvin; Elliott Gould é Dr. Rosenthal, o psiquiatra do jovem escritor; Annette Bening é Gertrude, a mãe new age, cuja felicidade e vivacidade incomodam o deprimido Calvin; Antonio Banderas é Mort, o hippie natureba namorado de Gertrude. A trilha sonora de Nick Urata é agradável, mas em alguns momentos incomoda. A despeito do segundo final, que arredonda (e adoça?) esse estranho Conto de Fadas, Ruby Sparks é um excelente programa para se ver e refletir (preferencialmente) a dois. 

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