terça-feira, 23 de outubro de 2012

Crítica: Gonzaga - De pai pra filho



A retomada do cinema brasileiro (de qualidade!) tem feito o espectador (re)conhecer e se (re)descobrir parte de um país de contrastes e de confrontos socioculturais que volta a mostrar a sua cara nas mais diversas leituras e linguagens. Viva o Brasil no cinema de novo! No cinema que não tem vergonha de ser dramático, musical, polêmico ou cômico..., sem perder a classe! É claro que tem aquele telepúblico que (ao trocar a sala de casa pela do cinema) ainda prefere comédia padrão-lixo-tv, só para falar mal. Mas..., quem sabe um dia ele acaba entrando numa sala errada (eu vivo dizendo isso!) e dá de cara com um filme que realmente faça valer o preço do ingresso, como o excelente Gonzaga - De pai pra filho.

Dirigido por Breno Silveira (de Os 2 Filhos de Francisco), que lançou recentemente o comovente À Beira do Caminho (inspirado em músicas de Roberto Carlos), Gonzaga - De pai pra filho (Brasil, 2012), é a cinebiografia de dois ícones da musica brasileira: Luiz Gonzaga do Nascimento (1912 - 1989), o Gonzagão, e Luiz Gonzaga do Nascimento Junior (1945 - 1991), o Gonzaguinha. Cada um, a seu tempo, viveu intensamente a sua vida (nos palcos e, às vezes, em família) numa época (?) de mandos e desmandos (da sova ao cala-boca!). Uma história de amor e de dúvidas sobre um pai e um filho separados e unidos pela música e pela vida estradeira, que precisaram de décadas para curar mágoas e, finalmente se conhecerem. Um filme onde o DNA é o que menos importa.


Para Breno Silveira, que novamente se debruça sobre um assunto musical: Não são biografias que me interessam, mas boas histórias, que emocionem e toquem em questões universais, sentimentos que digam respeito a todas as pessoas. Eu gosto de falar de laços. Há sete anos, a Marcia Braga, produtora, e a Maria Hernandez, idealizadora do projeto,  me procuraram com umas fitas cassetes gravadas pelo Gonzaguinha, em que ele tentava resgatar a história do pai, através de 15 horas de conversa entre os dois. Quando eu comecei a escutar, em cada fita eu percebia a emoção deles e ia me emocionando também. Fiquei impressionado ao entender que pai e filho estavam se conhecendo ali.  Até que, numa das últimas fitas, o Gonzaguinha dizia: “Estou entrando no sertão, sertão que era do meu pai. À minha direita tem uma lua... Deve ser ele, o Velho Lua me olhando... Eu não conheci meu pai direito e, amanhã, é o enterro dele”.  Fiquei emocionado e com vontade de contar essa história.


Livremente inspirado pelas biografias de Luiz Gonzaga e Gonzaguinha e pela obra Gonzaguinha e Gonzagão, Uma História Brasileira, de Regina Echeverria, o filme se passa entre os anos 1920 e 1980. O roteiro de Patrícia Andrade traça um perfil abrangente (e comovente) da carreira musical de Luiz Gonzaga e parte da carreira de Gonzaguinha, com pinceladas significativas das suas conturbadas vidas em família, no sertão (Exu-PE) e na favela (São Carlos-RJ). O grande foco da narrativa, que abre luz para a carreira de Luiz Gonzaga, é a discussão da relação e o acerto de contas entre o pai (inconstante), sonhando em conquistar o mundo, e o filho (amargurado), querendo sumir no mundo.

O ótimo elenco traz atores profissionais e não-atores em desempenhos fascinantes. Para viver os músicos foram escolhidos seis atores: Land Vieira (Gonzaga: 17/23); Chambinho do Acordeon (Gonzaga: 27/50); Adélio Lima (Gonzaga: 70); e Alison Santos (Gonzaguinha: 10/12); Giancarlo Di Tommaso (Gonzaguinha: 17/22); Júlio Andrade (Gonzaguinha: 35/40). O sorriso iluminado da cada Gonzaga emociona, mas a caracterização mais impressionante ficou com Júlio Andrade, perfeito como Gonzaguinha.


Aliás, Júlio é protagonista de um fato interessante que merece constar no folclore cinematográfico. Segundo Breno: No primeiro dia de testes, adentrou o estúdio um cara igual ao Gonzaguinha. Com jeito arrogante, cigarro na mão, magro, barbudo, ele perguntou: “Posso cantar?”. Eu disse que sim, claro.  Para minha surpresa, a voz, o jeito, tudo era igual ao do personagem. Achei que tinham levado um sósia para lá. Mas quando dirigi a primeira cena, entendi que eu estava de frente para um grande ator. Só depois fui saber que era o Júlio Andrade, que se caracterizou para ganhar o papel. E segundo Andrade: Há cinco anos eu conheci a Maria Hernandez, que me contou sobre o projeto do filme. Eu tenho todos os discos do Gonzaguinha, queria muito fazer esse trabalho. Era um fã querendo fazer seu ídolo. E eu comecei a falar isso para todo mundo, até que meu nome chegou aos ouvidos dos produtores de elenco que me chamaram para o teste. No dia, fui de barba, sobrancelha cortada, peruca, roupa anos 80 e sandália. Eu não conhecia o Breno e cheguei lá com uma postura arrogante e ele só me olhava e ria. Contei da minha história com a obra do Gonzaguinha e cantei a música 'Feliz'. Dois dias depois, a Cibele Santa Cruz disse que o papel era meu. Foi a maior alegria da minha vida.


No afinado elenco também se destacam: Claudio Jaborandy, encarnando o sofrido Januário, pai de Gonzaga; Nanda Costa, como Odaléia Guedes, primeira esposa de Gonzaga e mãe de Gonzaguinha e Roberta Gualda no papel de Helena Cavalcanti, segunda esposa de Gonzaga; a linda Cecília Dassi faz uma graciosa Nazinha, primeira namorada de Gonzaga, e Silvia Buarque vive a sofrida e bondosa Dina, madrinha-mãe de Gonzaguinha que, na companhia de Xavier Pinheiro (Luciano Quirino), o primeiro parceiro de Gonzaga, criou o menino. Dina recebeu uma bela homenagem de Gonzaguinha em: Com a perna no mundo (Gonzaguinha da Vida, 1979): Acreditava na vida/ Na alegria de ser/ Nas coisas do coração/ Nas mãos um muito fazer (...) Sentava bem lá no alto/ Pivete olhando a cidade/ Sentindo o cheiro do asfalto/ Desceu por necessidade (...) O Dina/ Teu menino desceu o São Carlos/ Pegou um sonho e partiu/ Pensava que era um guerreiro/ Com terras e gente a conquistar/ Havia um fogo em seus olhos/ Um fogo de não se apagar (...) Diz lá pra Dina que eu volto/ Que seu guri não fugiu/ Só quis saber como é/ Qual é/ Perna no mundo sumiu (...) E hoje/ Depois de tantas batalhas/ A lama dos sapatos/ É a medalha/ Que ele tem pra mostrar (...) Passado/ É um pé no chão e um sabiá/ Presente/ É a porta aberta/ E futuro é o que virá, mas, e daí? (...) ô ô ô e á/ O moleque acabou de chegar/ ô ô ô e á/ Nessa cama é que eu quero sonhar/ ô ô ô e á/ Amanhã bato a perna no mundo/ ô ô ô e á/ É que o mundo é que é meu lugar.


Do baião ao popular, Gonzaga - De pai pra filho traz no seu repertório uma bela seleção da música (sem fronteira) dos dois protagonistas. O pai gonzagueando o baião e o filho gonzagueando a canção. Ritmos norteando gerações. O sentimento de protesto em dois pontos de vista. A seca na sanfona retirante. A grita estudantil no violão. Duras realidades. Duas realidades. As 15 músicas de Gonzaga (o único Rei do Baião) e as 3 de Gonzaguinha dispensam comentários.  Antes que o espectador fã de Gonzaguinha reclame que, de tantas pérolas do compositor, apenas 3 fazem parte do colar melódico, não custa lembrar que o grande foco da biografia cabe ao seu pai. A superprodução, com excelente reconstituição de época, é muito bem emoldurada pela exuberante fotografia de Adrian Teijido. Um filme para matar saudades e preconceitos!

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