sexta-feira, 25 de março de 2022

Crítica: Pajeú

 

P  A  J  E  Ú

por Joba Tridente 

Prêmio de melhor filme no Festival Olhar de Cinema (2020) e exibição em vários outros festivais nacionais e internacionais, finalmente chega às salas de cinema, no próximo dia 31 de março de 2022, o melancólico docudrama (híbrido de ficção com documentário) Pajeú (2020), com roteiro e direção de Pedro Diógenes (Inferninho). 


Em seu enredo, que vai se costurando aos poucos, com as mais diversas tessituras, o espectador acompanha o rito investigativo de Maristela (Fátima Muniz), uma jovem mulher que tem visões e pesadelos com um ser místico que emerge das águas poluídas (verdadeiro esgoto a céu aberto) do Riacho Pajéu (não confundir com o Rio Pajeú pernambucano que, cantado por Luiz Gonzaga, “vai despejar no São Francisco”), como se lhe pedindo socorro e/ou buscando alertá-la de alguma gravidade relacionada à água de um rio sucateado. 

Sem conseguir alguma explicação plausível para as apavorantes visões, Maristela se põe a investigar, por conta própria, a origem e a degradação do riacho..., da sua já esquecida nascente e importância histórica aos dias de hoje, na esperança de encontrar alguma conexão com as visões da entidade aquática. Assim, ela vai a campo e conversa com encarregados de instituições públicas, estudiosos, comerciantes, moradores da margem do riacho e até adolescentes numa praia de Fortaleza (Ceará), cidade por onde o Riacho Pajeú “corre” e é desviado, canalizado (em prol da especulação imobiliária), é abandonado ao próprio azar de ainda existir e (sem saneamento básico na região) servindo de lixeira para todo tipo de dejetos produzido por “humanos”. 


Pajeú, que começa com um clima de suspense, apostando num viés de realismo mágico dramático, questiona o desrespeito às águas do riacho, metaforiza o assunto em paralelo à vida amorosa e fraternal das pessoas e acaba enveredando por caminhos outros para falar (também) de lembrança e esquecimento e/ou desaparecimento na vida pessoal e ou familiar de cada um dos entrevistados. É interessante notar o quanto cada morador da grande cidade sabe sobre o famoso riacho (ou Rio do Pajé/Rio do Curandeiro)..., bem como o quê pensam os jovens sobre ele (que passa a maior parte escondido sob ruas e calçadas e/ou servindo de esgoto) e sobre si mesmos, ainda em busca de um lugar no mundo. 

Irregular em sua narrativa docudrama (mais doc que drama), com algum problema de áudio (perde-se muitas falas, principalmente quando casadas com os altos decibéis da incômoda trilha), o suspense investigativo Pajeú (com vocação - apenas vocação - para o terror leve) não fecha o assunto ecológico proposto (relacionado à água do riacho outrora venturoso que vai despejar no mar..., na Praia Formosa). Ao seu final místico (fatalista?), cabe ao espectador digerir as respostas dadas às tantas perguntas de Maristela aos transeuntes, em caminhada pela beira do riacho e beira do mar, em busca de algum tipo de informação, de relação e ou de reação diante do riacho semimorto, e ponderar sobre o futuro do riacho interior de cada um...


Para o cineasta Pedro Diógenes, Fortaleza é sua maior inspiração: “É uma cidade que sempre me surpreende, tanto positivamente quanto negativamente. Uma cidade que me encanta e me decepciona ao mesmo tempo. E muitas dessas inquietações vem da relação que Fortaleza tem com a memória, ou com a falta de memória”. (...) A história do Riacho Pajeú é de extrema importância para a história de Fortaleza, mas que desapareceu e foi esquecida na memória dos moradores e moradoras da cidade. Se foi apagado da cidade o riacho, responsável pelo nascimento e povoamento de Fortaleza, que outras histórias, pessoas e possíveis cidades também foram e são soterrados a cada dia?”.

Trailer: Aqui 

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


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