quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Crítica: Nona: Se me molham, eu os queimo

 


NONA: SE ME MOLHAM, EU OS QUEIMO

por Joba Tridente

Para alguns, a vingança (principalmente amorosa) é um tira-gosto que se come frio. Para outros, a vingança é um petisco que se saboreia quente, flamejante. No cinema não há uma idade e ou um método específico para que um personagem se vingue de alguém que lhe tenha feito mal e ou lhe tenha trazido algum tipo de aborrecimento. As pessoas se vingam por picuinhas, ciúmes amorosos ou profissionais e até por questões imperdoáveis. No cinema (que, às vezes imita a vida que, às vezes, imita o cinema) tudo é possível na inspiração e na sugestão de vingança. Humor negro, comédia rasgada, drama, thriller, fantasia infantojuvenil..., ela está lá à espera da faísca.

Ultimamente tenho visto que mais e mais cineastas se “inspiram” em alguma passagem das suas vidas em família para realizar um filme. Pelo jeito, sai bem mais barato pegar algum fato familiar (que pareça agradável) e “roteirizar” do que criar um roteiro autoral e ou pagar Direitos Autorais para adaptar uma obra literária de qualidade. Parece que estamos vivendo um tempo de “cinebiografias” domésticas. Via das facilidades íntimas à parte, nem tudo que é memorabilia resulta em obras razoáveis. Muitas deveriam continuar esquecidas no álbum de fotografias e em velhas fitas de vídeo numa caixa no sótão.


Nona: Se me molham, eu os queimo (Nona - Si me mojan yo los quemo, 2018), com roteiro e direção da chilena Camila José Donoso, é uma trama inspirada em fatos e fotos e vídeos de família, com pitadas de ficção, que chega aos cinemas em meio à pandemia. O enredo, que claudica aqui e ali, com um fiapo de história, anda às voltas com pecadilhos amorosos na terceira idade e suas consequências diluvianas e ou incendiárias. Porém, como em muitas formas de experimentação cinematográfica, a colagem de “gêneros” nem sempre encontra equilíbrio na história pretendida. Não só porque, na maior parte do tempo, a narrativa..., que não chega a ser um docudrama, ao agregar vídeos caseiros em diferentes formatos e que pouco e ou quase nada acrescentam ao enredo (mas aumentam a metragem)..., enrola e desenrola (a história e o espectador) mostrando a protagonista se ocupando com alguns afazeres domésticos, balançando, fazendo consultas médicas, cuidando do quintal e do jardim, viajando de carro, reclamando da vida e da cidade, comentando sobre incêndios nas casas vizinhas à sua e numa área de reflorestamento na cidade costeira de Pichilemu, para onde fugiu depois de cometer um “crime passional” em Santiago (Chile). Mas, porque, infelizmente, o relato fictício que realmente interessa (pois justifica o título e poderia render muito mais, se o fogo, digo, o foco fosse mantido)..., com as “cenas de traição” e as “cenas de vingança”, envolvendo a personagem Nona (Josefina Ramirez) e seu ex-amante Pedro (Eduardo Moscovis) num “crime passional”..., ocupa pouquíssimos minutos do filme.

Ora, se o trecho da trama dedicado aos vingadores Nona (avó da diretora) e Pedro é o que há de melhor e de mais original no roteiro, não dá para entender o descaso. Se ele é o ponto de desenvolvimento do argumento, é uma pena que, no roteiro, as três sequências não passem de um fiapo de estopa para pavio de coquetel molotov. Se estendido, certamente o episódio, contando todo o imbróglio envolvendo o casal, faria de Nona: Se me molham, eu os queimo um filme hilário, de humor negro, completamente absurdo. Mas, relegado a um segundo plano, para abrir metragem para a colagem de filmetes pessoais (bacaninhas apenas para a família e não para estranhos), o fato perde a graça. Também porque o espectador não tem a menor ideia do que está acontecendo quando o fato de fato acontece. As aparências enganam.


Nona: Se me molham, eu os queimo, com seu título fascinante, convidativo, é um filme que promete mais do que oferece ao espectador exigente. Em caso contrário, o cinéfilo é bem capaz de se apaixonar pela maquiavélica (?) personagem idosa. A impressão é a de que, entre um assunto pessoal (fictício) e outro de família, com suas cenas domésticas, o roteiro irá se ocupar também de guerrilhas e de resistência à ditatura de Pinochet, mas, ao primeiro sinal de blitz, ele patina na cinza e mal tangencia no tema espinhoso que, se aparece rapidamente, é mais para fazer cena..., forçando-o no contexto.  Enfim, com sua estrutura de programa especial televisivo, Nona: Se me molham, eu os queimo é uma produção fragmentada, sem gênero definido, cuja direção irregular vai ilustrando (com vídeos) um fato aqui e reencenando outro acolá, sem uma história nítida para contar e ou sem jamais se aprofundar no que realmente interessa ao público: a picardia do título!

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha.

 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


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