quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Crítica: Notre dame

 


NOTRE DAME

por Joba Tridente

Está chegando às salas de cinema, no Brasil, o filme Notre Dame (2019), da diretora, roteirista e atriz francesa Valérie Donzelli (Rainha de Copas), trazendo uma trama híbrida que claudica no drama, na comédia de costumes, na fantasia, no musical e na dança..., mas sem assumir (?) um e ou outro gênero (à francesa). Na história, escrita por Donzelli (em parceria com Benjamin Charbit), acompanhamos o cotidiano da ocupadíssima Maud Crayon (Valérie Donzelli), uma arquiteta que, além de mãe dos adolescentes Françoise (Nafsica Labrakos) e Vincent (Benjamin Ewers), acolhe em sua casa e cama o ex-marido mala sem alça Martial (Thomas Scimeca), sempre que este briga com a nova mulher, e anda mexida por uma antiga paixão, o jornalista Bacchus Renard (Pierre Deladonchamps).



Na peripécia do fantasioso, a magia do cinema acontece logo no começo da “trama”, ali pelo prólogo de definição de personagens, quando, por artimanhas da Fadinha da Natureza dos Ventos Tempestuosos, numa sequência de puro delírio ou sonho, Maud, que é uma arquiteta insegura, meio tola e sem voz própria, tem a maquete de um parquinho infantil (encantado) arrebatada de sua casa e milagrosamente premiada, na véspera de Natal, num concurso (que ela nem se inscreveu) de revitalização da Esplanada de Notre Dame (antes do incêndio de 2019) lançado pela Câmara Municipal de Paris. A partir daí, a vida de Maud, que já não era fácil, por conta de dívidas e do chefe cínico Greg (Samir Guesmi), torna-se mais tensa, com o acompanhamento do desenvolvimento do projeto, do início das obras, do protesto dos franceses contra o projeto, que tem mais nada a ver com o original..., além dos problemas familiares triviais que inclui até uma possível gravidez.



Notre Dame, que se quer questionador da arquitetura também como forma de arte (há um embate tosco e fugaz sobre o assunto, que vai parar nos tribunais), é um filme bem linear, onde não faltam clichês (abomináveis escorregões - típicos de comédias americanas, profissionais atrapalhados e atrasados, burocracia, a indefectível liberdade sexual dos casais franceses etc) e nem cenas constrangedoras de “canto” e de “dança”. Seus personagens (majoritariamente masculinos), mais rasos que um pires, são tão caricatos e insossos que você pouco se importa com o destino deles. Sinceramente, é difícil acreditar que, nos dias de hoje, uma mulher como Maud seja tão submissa aos homens imbecis ao seu redor. É pelo medo de dizer não e ou pela carência afetiva e econômica?



Apostando num tom excessivamente fantasioso (e homenagem até ao ET de Spielberg), Notre Dame é um filme ideal para quem não quer ter o trabalho de pensar nem no porquê dos personagens usarem praticamente as mesmas roupas do princípio ao fim, com alguns detalhes relacionados à bandeira francesa..., e tão pouco se importar de ter a sua inteligência subestimada. O enredo é tão rasteiro que nem tangencia as questões sociais que apelativamente registra. Ora, se não há intenção alguma em repercutir a situação dos desabrigados de Paris, por que registrar melancolicamente uma família, em situação de rua (imigrantes?), na calçada do prédio da protagonista? Ainda que a sequência seja ligeira, para não criar vínculo (ou seria vinco?), se o interesse é tão somente o da “comédia”, por que apelar para a comoção do espectador com tais imagens piegas?



Enfim, a se acreditar na proposta de uma comédia romântica com elementos fantásticos, Notre Dame carece de humor que provoque (aos mais exigentes), no mínimo, um sorriso amarelo. Nem mesmo a parte reservada ao romance convence. Suas gags (algumas americanizadas) são ridículas e as cenas de nudez são tão batidas que causam mais enfado que riso e ou espanto. Parece até que a trama foi sendo desenvolvida no improviso narrativo..., o que, na toada da chanson, talvez resultasse melhor num musical que numa pretensa comédie française.  Ah, e como perguntar não ofende: Se o filme é francês e fala de arte e de intervenções e ou marcos arquitetônicos em Paris, como a Torre Eiffel e a Pirâmide (de vidro) do Louvre, por que a sua protagonista veste uma camiseta com a estampa I (coração vermelho = Love) Paris..., em vez de Je T’aime Paris?

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha.


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...