BELEZA TÓXICA
Neste 2020, o perturbador drama jurídico O
Preço da Verdade (Dark Waters, 2019), brilhantemente dirigido
pelo norte-americano Todd Haynes, deixou cinéfilos e público ocasional
horrorizados com a narrativa que desvela o processo movido (por mais de uma
década) pelo advogado corporativo Robert Bilott ( Mark Ruffalo),
do escritório de advocacia Taft Stettinius & Hollister, de Cincinnati, Ohio
- USA, contra a toda poderosa multinacional DuPont, responsabilizada por crime
ambiental e de saúde pública e por ocultação de experiências inimagináveis no
processo químico de fabricação de seus produtos (Teflon) consumidos em quase
(?) todo o mundo.”
Agora, ainda na esteira do horror oculto em frascos práticos e elegantes,
nos chega o tanto quanto apavorante documentário Beleza Tóxica (Toxic
Beauty, 2019), da cineasta canadense Phyllis Ellis..., que esmiúça
as fórmulas (ininteligíveis) dos produtos de beleza usados por imensa população
(principalmente feminina) em quase todo o mundo, para desmaquilar o famoso
Talco Infantil da Johnson & Johnson, que teria provocado câncer de ovário e
de mama em mais de 15.000 mulheres. O filme está na mostra online grátis ECOfalante e em alguns
serviços pagos de streaming.
Embora o foco maior em Beleza Tóxica incida na ação coletiva de
mulheres canadenses (diagnosticadas com câncer de ovário e de mama relacionados
ao uso de talco infantil) contra a influente fabricante (negacionista) Johnson
& Johnson, a sua luminosidade é tão abrangente que a inequívoca série de
entrevistas com cientistas, médicos(as), vítimas/pacientes, advogados, esclarece
ainda o potencial destrutivo dos ingredientes (como amianto e mercúrio, por exemplo)
por trás das letrinhas miúdas nas fórmulas de produtos de higiene e beleza, de
uso cotidiano, como pasta de dente, desodorante, xampu, batom, sabonete,
esmalte, creme hidratante, creme de barbear..., também de outras marcas famosas
do bilionário mercado de cosmético.
Não é uma batalha fácil pela saúde da(o) cidadã(o), quando se tem como
oponente nos tribunais a gigante (manipuladora) Johnson & Johnson, que (desde
os anos 1960) conhece os riscos do produto que fabrica (já fez recall de
Talco para Bebê, por causa do cancerígeno amianto) e saiu pela tangente (como
se não fosse com ela), em 1982, ao ser confrontada com as pesquisas
irrefutáveis do renomado epidemiologista Dr. Daniel Cramer, relacionando o
Talco para Bebê, da J&J, ao câncer de ovário.
Beleza Tóxica não é um filme especulativo que, em defesa da saúde
e bem-estar principalmente das mulheres..., (cobaias/passivas) da indústria de
cosméticos e público-alvo da publicidade..., sai atirando para tudo quanto é
lado. Seu equilibrado roteiro, que destaca que as maiores vítimas são as
mulheres de pele negra, é repleto de documentação consistente e não busca o
escândalo ou vingança, mas a justiça para quem confiou e agora tem seus dias
abreviados pelo câncer, ou sofre com distúrbios hormonais, puberdade precoce, infertilidade
masculina, diabetes, doença de pele. Enquanto a União Europeia já proibiu cerca
de 1300 produtos químicos em maquiagem, os EUA (que não exigem nem mesmo
rótulos de advertência de efeitos colaterais) rejeitaram apenas 11. Ora, se nos
EUA, a FDA (Food and Drug Administration) fecha os olhos para essas
“distrações” químicas, já que a indústria de cosméticos e cuidados pessoais se
autorregula, a quem recorrer? Aqui no Brasil, então, é melhor nem tocar no
assunto!
Em sua narrativa bastante acessível, entre as entrevistas, os depoimentos,
os julgamentos e as sessões políticas, o(a) espectador(a) acompanha a saga de
três participantes: a da estudante de medicina e pesquisadora Mymy Nguyen, que (após
a recuperação de câncer de mama benigno) revê seu inacreditável ritual diário
de cuidados pessoais (com cerca de 30 produtos de embelezamento), se sujeita a
um teste de toxicidade e experimenta novos cosméticos, pois teme que o uso
exagerado de maquiagem possa comprometer a sua fertilidade...; a da sexagenária
Mel Lika, ex-mediadora da OTAN, cujo câncer de ovário (pelo uso contínuo do
Talco de Bebê) frustrou as suas pretensões maternais...; e da incrível
militante Deane Berg, uma médica assistente de Sioux Falls, que recusou uma
compensação (e fim de processo judicial) de US$ 1,3 milhão, da Johnson &
Johnson, para ter a chance de divulgar sua experiência pessoal. A sua vitória
foi simbólica, pois a J&J, mesmo considerada culpada de fraude, negligência
e conspiração, não teve que gastar um tostão em danos. A incansável Deane
aproveita o seu tempo instruindo outras mulheres para as (constrangedoras) apresentações
no tribunal. Nesse embate dos cosméticos, Ellis registra que a J&J e a FDA,
entre outros fabricantes, não quiseram dar depoimento para o filme, bem como
que a Johnson & Johnson enfrenta mais de 11.000 ações judiciais (que somam
bilhões) só nos EUA e a Talc America da Imery's, sua fornecedora, entrou com
pedido de concordata.
Enfim, considerando que (com sua corajosa denúncia) o documentário te
deixa sem chão, ao saber o alto custo da tua vaidade e ou o alto custo dos teus
cuidados pessoais básicos; que te emociona e te revolta com as histórias de
impotência de tantas mulheres brancas e negras e asiáticas e orientais enganadas
por homens inescrupulosos (na J&J somente um Johnson substitui outro
Johnson); que em meio à dor de um câncer vindo de brinde (de mau gosto) numa embalagem
inocente de refrescante Talco de Bebê, abreviando sonhos e anunciando uma morte
nada glamourosa..., Beleza Tóxica chega ao público com a urgência de ser
visto e debatido por mulheres de todas as raças e também por homens de todas as
raças que, a cada dia mais, se sujeitam aos tratamentos estéticos... Seus
pertinentes questionamentos (envolvendo bebês, crianças, jovens, adultos,
velhos) vão muito mais além desta resenha. Descoberta dolorida após descoberta
repugnante em cada sequência! Acredite, a tua relação com qualquer cosmético
será diferente (e muito mais consciente!) após assistir a este corajoso
documentário-denúncia.
É claro que não é nenhum crime querer (e conseguir) melhorar a aparência,
mas será que é preciso ir tão longe quanto Mymy Nguyen? Por que é tão difícil
aos intransigentes senhores do mercado da beleza admitirem suas falhas, seus
erros e buscar corrigi-los? Com bem coloca Phyllis Ellis: “Se os homens
tivessem câncer testicular ao usar talco, aposto que esses produtos teriam sido
retirados da prateleira ou pelo menos recebido uma etiqueta de advertência em
1982”..., a se pensar!
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