quinta-feira, 30 de maio de 2019

Crítica: Rocketman



Rocketman
por Joba Tridente

A primeira sequência de Rocketman não poderia ser mais emblemática: Elton John, vestindo uma exuberante fantasia de diabo, entra por um corredor e caminha para o palco..., não para se apresentar a uma enlouquecida multidão de fãs, mas para se desnudar psicologicamente diante de uma plateia mínima de anônimos, num centro de reabilitação. Catarse ideal para o diretor Dexter Fletcher (Sunshine on Leith e  Voando Alto) lançar o gancho terapêutico (“sou viciado em álcool, cocaína, sexo, compras, remédios etc”) que vai resgatar e exorcizar momentos cruciais da infância, juventude e estrelato do compositor e cantor Elton Hercules John, nascido Reginald Dwight, incorporado com admirável segurança por Taron Egerton. A cada sessão Elton vai desmontando a sua fantasia (ou descendo do salto, como se dizia na época), se desnudando, a partir dos chifres, numa fascinante metáfora à libertação da mente e do corpo..., cujo ciclo será fechado com um olhar intimista e arrepiante da imagem inicial na leveza de um novo contexto, deixando para trás suas penas.


Rocketman é uma rock-biografia ousada no ritmo e na linguagem, feito o seu biografado, indo do drama com música ao drama musical, sem jamais temer o ridículo. Um expurgo para cada resgate da memória. Uma canção, indiferente à data da composição, para ilustrar teatralmente cada fase da vida: o desamor dos pais; a insegurança (bis)sexual; a carência afetiva; a solidão do sucesso... Números musicais cheios de nuances, em suas coreografias e cores, substituindo diálogos melodramáticos e fazendo o espectador se atentar aos dizeres das letras sensacionais de Bernie Taupin (Jamie Bell),  que muitas vezes ficam em segundo plano, quando o ouvinte se deixa envolver apenas pela magnética melodia de Elton John.

Pelo que se vê, assim como grandes expoentes do cenário musical mundial, Elton John não teve uma vida fácil antes e ou depois do sucesso. Tomado pela autocomiseração, desde a infância, por mais que se encastelasse, só encontrou redenção ao descer ou rolar degrau a degrau de sua torre de diamantes. O que não quer dizer que a cinebiografia seja depressiva (deprê!). Muito pelo contrário, o roteiro de Lee Hall (Billy Elliot), aliado à direção eficaz de Fletcher, tem empatia suficiente para falar de dores e humores alheios sem torturar o público.


É claro que, pelo refrão rock-pop, muitos espectadores irão buscar (quase em vão) semelhanças com Bhoemian Rhapsody (2018), a cinebiografia de Freddie Mercury/Queen. Até há alguns pontos biográficos em comum (principalmente relacionados às drogas e à sexualidade), mas as narrativas têm objetivos diferentes: Bhoemian é extrovertido e Rocketman é introvertido..., porém, sem perder a musicalidade dos dois geniais astros. O que realmente aproxima uma produção da outra é o fato de Dexter Fletcher ter assumido a direção (não creditada!) de Bhoemian, quando Bryan Singer foi demitido, e a presença, em comum nos dois enredos, do produtor John Reid, produtor musical do Queen (de 1975 a 1978) e produtor musical (de 1970 a 1998..., fez fortuna!) e amante de Elton John. Na cinebiografia do Queen, Reid foi interpretado por Aidan Gillen e na de Elton John, por Richard Madden.


Enfim, considerando a excelência do elenco; o talento de Taron Egerton, que interpreta (sem imitar Elton John!) todas as canções do filme; a narrativa enxuta, com suas ótimas elipses; a fascinante reconstituição de época, de figurino e de videoclipes; os números musicais criativos, atemporais e essenciais na condução da história etc..., se você não está nem aí pra cronologia musical, que prioriza o instante cênico e não o instante da composição; admira a arte da dupla Elton John/Bernie Taupin; gosta de uma cinebiografia bem contada e muito melhor cantada, que (levando em conta algumas liberdades poéticas) traça um perfil emocionante do compositor e cantor inglês que há cinquenta anos vem produzindo obras de qualidade, creio que não vai ter do que reclamar, Rocketman é o filme da hora. Uma boa sessão e viaje no tempo sem culpa. Mas, se sentir vontade, desça do salto também e vai ser feliz a seu modo!

*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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