quarta-feira, 24 de abril de 2019

Crítica: Los Silencios



Los Silencios
por Joba Tridente

Assuntos sociopolíticos não são fáceis de se tratar em filme que se quer acessível ao grande público. As chances de cair no melodrama ou tangenciar o engajamento partidário são grandes. O que, de uma forma e ou de outra, acaba afastando muitos espectadores das salas de cinema. Aí, além dos festivais, sobra nada mais que a plateia de mim pra mim mesmo, que não é suficiente para repercutir a pertinência do eco. É preciso tato, para contar certas histórias. Escolher boas metáforas e jamais subestimar o público, para este não sucumbir ao peso de uma narrativa crua, pesada e alheia em um mundo a cada dia mais alheio e ou anestesiado aos trágicos problemas de milhões de serviçais excluídos do grande banquete dos privilegiados. Talvez por isso o sucesso estrondoso dos filmes escapistas.


Com roteiro e direção de Beatriz Seigner, o drama documental Los Silencios, que transita com segurança pelo realismo trágico e realismo mágico, nos conta a história de Amparo (Marleyda Soto, excelente) que, numa noite escura, chega de barco, com seus filhos Nuria (María Paula Tabares Peña), de doze anos, e Fábio (Adolfo Savinvino), de nove, a Isla de La Fantasia (Ilha da Fantasia), na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Ela foge do conflito armado das FARC, responsável pelo desaparecimento do seu marido (Enrique Diaz) e da sua filha mais velha. É nessa ilha amazônica, com suas palafitas ao sabor das cheias e das vazantes do rio, onde ribeirinhos antigos e refugiados convivem com seus fantasmas e traumas, que ela reencontra o marido...


Los Silencios é um filme de sutilezas, de casos sociopolíticos alinhavados com a precisão de um ponto de crochê que dá acabamento a uma harmoniosa colcha de retalhos multicoloridos. Sua tocante narrativa enreda o espectador tal qual os murmúrios e os silêncios da natureza e das gentes fugidias nos caminhos de terra ou de água..., que chega mansa e toma conta de tudo, lambendo a todos como iguais, em suas vidas diferentes. Murmúrios, sussurros, gritos roucos, que são mais eficientes que qualquer artificialidade chorosa musical (condutora de emoções) que, felizmente (!), foi deixada bem longe daqui. A ação que se desvela sem pressa, surpreendente pela naturalidade cênica e pelo claro-escuro de uma fotografia sem retoques ou exibicionismo que observa respeitosa os silêncios e as falas improvisadas dos moradores, realçando a emoção dos depoimentos de quem realmente esteve na trilha do fogo cruzado na selva ao redor. Fato e ficção se igualam. Moradores e atores não se sabe quem, nos gestos e nos diálogos. Simbiose total.


Talvez o maior acerto nessa interessante trama, que desentala vozes e dá corpo a fantasmas materiais e imateriais, é o modo da diretora, sem ser invasiva, lidar com a dor alheia. Sob o minucioso olhar feminino e solidário, Seigner jamais explicita a violência. Uma redundância comum em filmes de super-heróis, cujo público alvo é sedento de pancadaria, mas totalmente desnecessária numa crônica que fala de sobreviventes de conflito armado em busca de chão e não de combatentes que lhes tira o chão. É hábil a sua opção de tão somente sugerir atos de violência nos noticiários da tv e rádio e nas conversas na Assembléia dos Mortos ou Conselho dos Fantasmas, onde vítimas dos conflitos armados (ex-guerrilheiros e ex-paramilitares) desnudam sua catarse, sua via-dolorosa, em busca de apoio ou de algum “remédio” capaz de sanar o trauma. A mim sempre pareceu (talvez por causa do teatro) que uma sugestão bem colocada de violência, de horror, de humor ou mesmo de amor (vide Morte em Veneza, 1971) é muito mais forte e eficiente na condução de uma história. E bem mais perturbadora.


Considerando o ótimo elenco de atores e não-atores (como a adorável Abuelita de Doña Albina) dando vida a um roteiro bem escrito, que vai se adaptando às condições da natureza e dos personagens críveis; a direção precisa de Beatriz Seigner, que sabe a cena e o teor trágico ou fantástico que quer na história de tons diversos que está contando; a singularidade do contexto geopolítico; o claro-escuro que é um achado precioso na direção de fotografia de Sofia Oggioni; a detalhista direção de Arte de Marcela Gómez; o ritmo cadenciado que embala, envolve e leva à reflexão do eco sociopolítico a quem está acostumado a outros compassos cinematográficos; a mais que louvável ausência de trilha sonora e a impressionante sequência final..., o premiado Los Silêncios é um bonito filme que vale o valor do ingresso e o tempo passado em sua companhia. Uma história que emociona, sem ser piegas, e que segue contigo por um longo tempo após a sessão.  


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

2 comentários:

  1. Excelente escolha de filme para comentar .
    Um assunto atual ,real.
    Não é um filme comercial ,mas vale a pena assistir.

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    Respostas
    1. ...,obrigado, Marina Seischi. ..., uma bela história que merece ser vista e ouvida por um grande público. ..., abração! T+

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