Los
Silencios
por Joba Tridente
Assuntos sociopolíticos não são fáceis de se tratar em
filme que se quer acessível ao grande público. As chances de cair no melodrama
ou tangenciar o engajamento partidário são grandes. O que, de uma forma e ou de
outra, acaba afastando muitos espectadores das salas de cinema. Aí, além dos
festivais, sobra nada mais que a plateia de
mim pra mim mesmo, que não é suficiente para repercutir a pertinência do eco.
É preciso tato, para contar certas histórias. Escolher boas metáforas e jamais
subestimar o público, para este não sucumbir ao peso de uma narrativa crua,
pesada e alheia em um mundo a cada dia mais alheio e ou anestesiado aos trágicos
problemas de milhões de serviçais excluídos do grande banquete dos
privilegiados. Talvez por isso o sucesso estrondoso dos filmes escapistas.
Com roteiro e direção de Beatriz Seigner, o drama documental Los Silencios, que transita com segurança pelo realismo trágico e realismo
mágico, nos conta a história de Amparo
(Marleyda Soto, excelente) que, numa
noite escura, chega de barco, com seus filhos Nuria (María Paula Tabares
Peña), de doze anos, e Fábio
(Adolfo Savinvino), de nove, a Isla de La Fantasia (Ilha da Fantasia),
na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Ela foge do conflito
armado das FARC, responsável pelo desaparecimento do seu marido (Enrique Diaz) e da sua filha mais velha.
É nessa ilha amazônica, com suas palafitas ao sabor das cheias e das vazantes do
rio, onde ribeirinhos antigos e refugiados convivem
com seus fantasmas e traumas, que ela reencontra o marido...
Los Silencios
é um filme de sutilezas, de casos sociopolíticos alinhavados com a precisão de
um ponto de crochê que dá acabamento a uma harmoniosa colcha de retalhos
multicoloridos. Sua tocante narrativa enreda o espectador tal qual os murmúrios
e os silêncios da natureza e das gentes fugidias nos caminhos de terra ou de
água..., que chega mansa e toma conta de tudo, lambendo a todos como iguais, em
suas vidas diferentes. Murmúrios, sussurros, gritos roucos, que são mais
eficientes que qualquer artificialidade chorosa musical (condutora de emoções) que,
felizmente (!), foi deixada bem longe daqui. A ação que se desvela sem pressa,
surpreendente pela naturalidade cênica e pelo claro-escuro de uma fotografia
sem retoques ou exibicionismo que observa respeitosa os silêncios e as falas
improvisadas dos moradores, realçando a emoção dos depoimentos de quem realmente
esteve na trilha do fogo cruzado na selva ao redor. Fato e ficção se igualam.
Moradores e atores não se sabe quem, nos gestos e nos diálogos. Simbiose
total.
Talvez o maior acerto nessa interessante trama, que
desentala vozes e dá corpo a fantasmas
materiais e imateriais, é o modo da diretora, sem ser invasiva, lidar com a dor
alheia. Sob o minucioso olhar feminino e solidário, Seigner jamais explicita a
violência. Uma redundância comum em filmes de super-heróis, cujo público alvo é
sedento de pancadaria, mas totalmente desnecessária numa crônica que fala de
sobreviventes de conflito armado em busca de chão e não de combatentes que lhes
tira o chão. É hábil a sua opção de tão somente sugerir atos de violência nos
noticiários da tv e rádio e nas conversas na Assembléia dos Mortos ou Conselho
dos Fantasmas, onde vítimas dos conflitos armados (ex-guerrilheiros e ex-paramilitares)
desnudam sua catarse, sua via-dolorosa, em busca de apoio ou de algum “remédio”
capaz de sanar o trauma. A mim sempre pareceu (talvez por causa do teatro) que uma
sugestão bem colocada de violência, de horror, de humor ou mesmo de amor (vide Morte em Veneza, 1971) é muito mais
forte e eficiente na condução de uma história. E bem mais perturbadora.
Considerando o ótimo elenco de atores e não-atores (como
a adorável Abuelita de Doña Albina) dando vida a um roteiro
bem escrito, que vai se adaptando às condições da natureza e dos personagens críveis;
a direção precisa de Beatriz Seigner, que sabe a cena e o teor trágico ou
fantástico que quer na história de tons diversos que está contando; a
singularidade do contexto geopolítico; o claro-escuro que é um achado precioso na
direção de fotografia de Sofia Oggioni; a detalhista direção de Arte de Marcela
Gómez; o ritmo cadenciado que embala, envolve e leva à reflexão do eco sociopolítico
a quem está acostumado a outros compassos cinematográficos; a mais que louvável
ausência de trilha sonora e a impressionante sequência final..., o premiado Los Silêncios é um bonito filme que vale o valor
do ingresso e o tempo passado em sua companhia. Uma história que emociona, sem
ser piegas, e que segue contigo por um longo tempo após a sessão.
*Joba Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
Excelente escolha de filme para comentar .
ResponderExcluirUm assunto atual ,real.
Não é um filme comercial ,mas vale a pena assistir.
...,obrigado, Marina Seischi. ..., uma bela história que merece ser vista e ouvida por um grande público. ..., abração! T+
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