O Touro Ferdinando
por Joba Tridente*
O livro O Touro
Ferdinando (The Story Of Ferdinand,
1936), de Munro Leaf, com ilustrações de Robert Lawson, é um dos meus
favoritos, desde a infância. Ainda guardo comigo a tradução da escritora Maria
Clara Machado (1921-2001), publicada em 1975 pela Edições de Ouro, e sou fã (com
ressalva mínima) da animação Ferdinando, O Touro (1938), produzida por Walt Disney
(1901-1966) e ganhadora do Oscar de
melhor Curta-Metragem.
É difícil imaginar que uma obra tão singela, que conta a história de um touro (Ferdinando) que prefere o perfume das
flores do campo ao odor sanguinolento das arenas de touradas, uma história
breve e profunda sobre o direito de cada um ser o que quiser, amada por Mahatma
Gandhi (1869-1948) e H.G. Wells (1866-1946), tenha sido banida da Espanha pelo
ditador Francisco Franco (1892-1975) e queimada na Alemanha pelo nazista Adolf
Hitler (1889-1945)..., acusada de promover o pacifismo, a democracia, a
liberdade de pensamento. Na nova onda de intolerância que quebra no mundo,
nunca é demais lembrar de um poema curto da escritora paranaense Helena Kolody
(1912-2004): “no poema/ e nas nuvens,/
cada qual descobre/ o que deseja ver.”
Agora, 80 anos depois do curta (de 7min57) da Disney,
Ferdinando está de volta aos cinemas
em O Touro Ferdinando (Ferdinand, EUA, 2017) uma versão em
longa-metragem (de 1h48) dirigida por Carlos
Saldanha (Rio e Rio 2). Produzido pela Blue Sky e
20th Century Fox Animation, os roteiristas Robert L. Baird, Tim Federle e Brad
Copeland esticaram ao máximo a história de poucas páginas de Leaf, criando
vários personagens não-humanos e humanos para recontar, com muita aventura e ação
pastelão, a consagrada fábula.
A releitura animada de O Touro Ferdinando é pensada mais para o publico infantil que
juvenil e adulto..., o que não quer dizer que estes dois últimos não possam
apreciá-la. Enquadrada com uma paleta de cores naturais (em tons pastel) e
muita luminosidade (que se crê) espanhola, a narrativa, acompanha o
desenvolvimento de Ferdinando, de
bezerro (na fazenda de gado de tourada, de onde fugiu) a touro gigantesco (na
fazenda de flores, onde se refugiou e cresce feito animal de estimação de Nina, a filha do florista) que, após
muitas confusões, acaba numa arena de touros, que ele sempre evitou.
Embora tenha substituído a suavidade da mãe (vaca)
pela truculência do pai (touro), em busca de maior reflexão sobre a banalidade
da morte na arena de touradas ou a compensadora morte nos matadouros, o roteiro
manteve (ao menos) no prólogo e epílogo, a essência perfumada do conto..., o
resto é fantasia com um bando de “bichinhos” simpáticos. É espetáculo nonsense para crianças. A violência da disputa
de força entre touros e das (indefectíveis!!!) fugas e perseguições a pé e motorizadas
é moderada e, apesar dos muitos estragos materiais na fazenda e na cidade, não
há sangue!
Possivelmente, por conta da tradução e dublagem
brasileira, o humor fica muito a desejar. Há uma piadinha meio tonga aqui e uma
gag clichê ali, mas nada (?) para o espectador jovem ou adulto gargalhar. Como
não podia faltar numa animação, há um mix
musical num duelo de danças entre touros e cavalos austríacos (Lippizaner). Ao
que parece, a presença destes arrogantes cavalos adestrados (com sotaque
alemão) é uma referência (inconsciente?) a Hitler. No suporte de “conteúdo” ao
protagonista Ferdinando..., que mesmo
enorme ainda sofre com o bullying, por
gostar do perfume das flores..., fazem parte da fauna improvisada uma cabra (Lupe), cinco touros (entre eles, Valente), três cavalos (entre eles, Hans), um trio de porcos-espinho (Um, Dois
e Quatro), um coelho rosado (alívio
cômico) e um cão cinzento (Paco). Entre
os humanos, além de Nina, o destaque
é o toureiro Matador.
O Touro
Ferdinando é um filme muito bonito graficamente (o cenário da Casa del Toro é perfeito, nem parece
desenho), porém, mesmo com a mensagem pacifista, reforçada com o anti-bullying, o seus script
é básico, simplório. Tem alguns furinhos no roteiro, mas só quem for muito
perspicaz vai perceber e então não vale a pena mencioná-los. Quanto à trilha
pop, por mais que se almeje uma musicalidade espanhola, há que se lembrar que
se trata de um filme norte-americano. Portanto, contente-se com La Macarena.
Enfim, O Touro
Ferdinando de Carlos Saldanha pode não ser tão impactante quanto o da obra homônima
de Munro Leaf e Robert Lawson (onde menos é sempre mais no universo da
imaginação) ou tão divertida quanto a animação da Disney (e talvez por isso possa
desapontar alguns fãs), mas, principalmente pela arte e excelente 3D,
não é um filme descartável. Tem bom ritmo, algumas boas sequências, com
destaque para a toureada de Ferdinando
e o Matador na arena de Madrid. Com
sua linguagem infantilizada o filme pode até não empolgar os jovens e adultos,
mas tampouco os aborrecerá.
Ah, infelizmente, as melhores cenas estão expostas
nos trailers (que só assisti após a sessão oficial) e, sinceramente, na hora
“h”, perdem totalmente a graça...
*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de
idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo),
em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista
e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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