sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Crítica: Mãe!


Mãe!
por Joba Tridente*

Filme vai e filme vem e lá está novamente o visionário diretor, roteirista e ambientalista Darren Aronofsky dividindo opiniões da crítica e do público com seu thriller psicológico Mãe! (Mother, 2017)..., um filme incômodo e que (só?) ganha sentido quando vira pauta de discussão e todas as suas metáforas são decifradas. Alegorias é o que não falta a esta trama hipnotizante que trata de ambientalismo, amor, devoção, submissão, desesperança, mitologia judaico-cristã, história, misticismo e o que mais a sua leitura desejar, com intensidade e provocação pouco vistas nos cinemas.


A história começa com uma arrepiante abertura evocando o despertar da Mãe (Jennifer Lawrence, magnífica), esposa do criador Ele (Javier Bardem). O casal vive isolado numa agradável casa em meio à natureza exuberante. Enquanto Mãe restaura amorosamente o lar doce lar, Ele busca um motivo substantivo para criar mais um grande poema. Certa noite o estranho Homem (Ed Harris) bate à porta, pedindo pouso. Na manhã seguinte a provocativa Mulher (Michele Pfeiffer) se junta a ele e, na sequência, os filhos (Domhnall Gleeson e Brian Gleeson)..., transtornado a tranquilidade naquele Éden. Este é só o princípio da ebulição que virá com outros buliçosos “convidados” noturnos.

Escrito por Aronosfsky, o roteiro de Mãe! (que guarda referências sugestivas ao O Bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski, conceituais à antropofagia sacra e profana de O Bebê Santo de Mâcon (1993), de Peter Greenaway, à filosofia do amor e do perdão da atual fase de Terrence Malick, iniciada com o irretocável A Árvore da Vida (2011), e ao abismal Anticristo (2009), de Lars von Triers) não é do tipo que se conecta facilmente com o grande público acostumado com as narrativas banais dos filmes de suspense. Sabiamente (!) sem trilha sonora para direcionar o “medo” latente do espectador, o enredo, que traça um paralelo no modo em que o os homens tratam as mulheres e os humanos tratam o planeta, não alivia pra ninguém. É cruel em todos os sentidos. Aliás, este paralelismo entre Homem/Mulher e Homem/Terra, abordado (ou mixado) com competência por Aronofsky, já foi discutido anteriormente pela filósofa e ecofeminista Susan Griffin, em seu livro Woman and nature, de 1978.


Mãe!, que se desenvolve a partir do ponto de vista de Mãe (Lawrence), conduzido pelas esmagadoras imagens de Matthew Libatique, traz cenas fortes e algumas (de violência extrema) bem repugnantes. Faz duras críticas ao machismo, ao egocentrismo e narcisismo. Não deixa hóstia sobre hóstia ao escancarar a fé cega cristã, a devoção sem limites e a hipocrisia dos seus ritos levados ao pé da letra. Apavora ao desnudar as celebridades e seus cultuadores de aparências em sequências de humor negro que seriam cômicas não fossem tragicamente possíveis. Pode não ser um drama convencional de terror, mas algumas cenas, de tão indigestas, podem fazer um(a) espectador(a) mais sensível e ou suscetível deixar a sala.


A princípio, a sessão de 121 minutos me pareceu cansativa e me deixou sem opinião formada. No entanto, ao analisar as idiossincrasias de Aronofsky e me lembrar do vertiginoso último ato, as considerações radicais (?) do roteirista ficaram mais claras (até demais) e me dei conta de que Mãe! está muito além de um apressado simples achismo (gostei! não gostei!) desde o seu belíssimo cartaz, cujo real significado (da amorosa Mãe doando-se toda) só enxerguei após refletir sobre a complexidade e a pertinência do espinhoso script. O que me fez concluir que, após o fascinante Cisne Negro (2010) e o esquecível Noé (2014), o diretor de excelência Darren Aronofsky acertou novamente. Com seu irretocável elenco (Jennifer Laurence está tão fascinante quanto em Winter's Bone/Inverno da Alma, 2010), Mãe! pode não ter o reconhecimento merecido agora, mas provavelmente será considerado cult no futuro.


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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