quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Crítica: Ben-Hur


Ben-Hur
por Joba Tridente

Que Hollywood refilma sucessos estrangeiros, para faturar um troco e para que o americano medíocre não precise ler as legendas, é notório. Assim como refilmar o seu próprio cinema (clássico ou não) em busca de plateias (de gênero) mais jovens. Agora, com a onda de cine-evangelização (Êxodos: Deuses e Reis e Noé, entre outros), então, dá-lhe releitura de produções com apelo cristão em toda a sua diversidade doutrinária..., ou seria religiosa?

Lançado em 1880, o romance Ben-Hur – A Tale Of The Christ, do escritor americano Lew Wallace (1827-1905), chegou aos cinemas em 1907, pelas mãos do canadense Sidney Olcott. Em 1925 foi a vez de Fred Niblo recontar a história que, em 1959, ganhou a espetacular adaptação de William Wyler, arrebatando 11 Oscar e se tornando um clássico, com a sua icônica sequência da corrida de quadriga. Agora, 109 anos depois da primeira adaptação, o épico está de volta (na mais infiel das versões!) às desaconchegantes salas dos shoppings, para jogar poeira nos olhos dos jovens (principalmente evangélicos).


Ben-Hur (Ben-Hur, 2016), dirigido por Timur Bekmambetov, é um grande imbróglio. O excesso de “liberdade poética”, com seus versos de pé quebrado, cometido pelos roteiristas Keith R. Clarke e John Ridley, deixa a obra original de Wallace praticamente irreconhecível. Nessa imitação barata, a narrativa rasa gira, corre, dilacera, reza ao redor do judeu Judah Ben-Hur (Jack Huston) e do seu amigo romano Messala (Toby Kebbell), adotado (?) ainda criança por sua família e herdeiro de uma ultrajante nódoa (?) do pai... Nem Lew pensaria em tamanha sandice fraternal e ou penal! A amizade de ferro entre os dois “irmãos” começa a enferrujar quando o nobre Ben-Hur é acusado de tentativa de assassinato (em mais uma abominável intervenção absurda dos roteiristas na obra original) e o então pretoriano Messala ajuda a condená-lo a passar o resto da vida como escravo acorrentado às galés romanas. 

Intervalo/spoiler: Como devem ter achado (essa gente adora deixar sua marca de imbecilidade) que o acidente do ladrilho (na cabeça do Pretoriano) era insignificante para justificar a severa punição a Judah Ben-Hur (exílio e escravidão vitalícia), os "autores" criaram novos personagens e reescreveram (?!) a cena, transformando o acidente em atentado, ignorando que a força da trama (que provoca repulsa a quem lê o romance de Lew e ou vê os filmes anteriores) está justamente neste “mero” detalhe: insignificância do acidente..., que serve de combustível para que o invasor romano reforce o seu poder de opressão contra qualquer ato (que lhe pareça) de rebeldia. Continuando: O judeu promete sobreviver ao castigo e voltar para se vingar do ex-irmão. E volta! O acerto de contas entre os dois ex-amigos se dará numa pista (vale tudo) de corrida de quadrigas..., e, desta vez, com direito a um (inescrupuloso) epílogo cristão! Intervalo/spoiler: Não satisfeitos com a adulteração do acidente, também sumiram com personagens importantíssimos no desenrolar do enredo (durante e pós-escravidão), mudaram a ordem de acontecimentos e ajeitaram até mesmo uma (inacreditável!) punição divina (aqui se faz e aqui – ou no Céu – se paga) para o “terrorista” zelote.


É impossível assistir a este discutível Ben-Hur, de Bekmambetov, sem compará-lo aos bons filmes anteriores e, principalmente, ao romance de Lew Wallace, de onde os realizadores parecem ter se apropriado apenas de alguns detalhes (título, nome de personagens, encontro com Cristo, competição), já que o quê se vê na telona é um arremedo da história original. Ou melhor, é um resumão novelesco temperado com moralidade cristã. É claro que não se pode esperar muito de um filme puritano onde protagonistas usam calças compridas estilosas, possivelmente desenhadas e muito bem costuradas (a mão?) pelos “descendentes” do estilista afogado por Deus em Noé (2014), mas, numa produção que testa a paciência e fé do espectador, não é nenhum pecado esperar por um milagre. Em vão!  

O certo seria deixar o livro de Lew Wallace quieto na estante e a memória do cinéfilo vagar quando quisesse pelos filmes realizados, porém, toda via caça níquel, já que a heresia foi cometida e os lendários personagens acordados, vamos ao que interessa. Com seu enredo raso e maniqueísta, focado na conturbada relação de amizade entre o bom (egoísta) judeu Judah Ben-Hur e o mau (egocêntrico) romano Messala, Ben-Hur força metáfora num “arco dramático” onde a flecha da compaixão contra a intolerância é Jesus Cristo (Rodrigo Santoro) e o alvo da redenção da humanidade é a sua cruz. Ideologia reforçada no simbolismo da corrida de quadrigas, onde a fé de seus condutores é representada nos carros puxados por cavalos brancos (Deus de Israel = luz) e por cavalos negros (Deuses Romanos = trevas)..., dualidade já vista nas cenas iniciais após um acidente com Ben-Hur. A impressão (que fica!) é a de que a motivação (subliminar) da trama é tão somente a doutrinação cristã, a evangelização do espectador, claramente pontuada em fracos diálogos (moralistas e pretensamente políticos) e cenas de perdão a crimes cometidos em nome da liberdade e ou da soberba. Os realizadores levaram mais ao pé da letra o “amai-vos uns ao outros” que o próprio autor do livro.


Pautado por uma trilha pra lá de previsível e talvez pela falta do quê dizer, excetuando as sequências da batalha marítima e da corrida de quadrigas, suas cenas são breves e geralmente em planos fechados (haja close!), para fazer o menos (cenários, personagens, figurantes) parecer mais..., alguns enquadramentos, inclusive, lembram a versão de 1925. Seus personagens (sem o menor carisma) claudicam a esmo pela narrativa, em busca de um rumo, para que o enredo capenga não pareça uma aberração ainda maior. Embora não se espere algum humor num drama religioso trágico, confesso que me diverti, ao menos duas vezes. Uma: ao imaginar que Jesus Cristo poderia aparecer, assim como Ben-Hur, Messala e Esther, vestindo calças de couro/corino. Outra: na crucificação de Cristo, ao lembrar do discurso proferido pelo centurião romano (George Clooney) no genial Ave Cesar! (2016), dos irmãos Coen, que, aliás, presta divertida homenagem ao clássico de 1959.

Enfim, Ben-Hur é um filme de ação (até) violenta, pouca aventura e nenhuma alegria que, dependendo do conhecimento do espectador sobre os filmes anteriores e o romance cristão, poderá ser recebido com: aleluia! e ou: anátema!. Sem mais, desculpa o trocadilho duvidoso: este Ben-Hur é bem ruim.

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