Ben-Hur
por Joba Tridente
Que Hollywood refilma sucessos estrangeiros, para faturar um
troco e para que o americano medíocre não precise ler as legendas, é notório.
Assim como refilmar o seu próprio cinema (clássico ou não) em busca de plateias
(de gênero) mais jovens. Agora, com a onda de cine-evangelização (Êxodos: Deuses e Reis e Noé, entre outros), então, dá-lhe releitura
de produções com apelo cristão em toda a sua diversidade doutrinária..., ou
seria religiosa?
Lançado em 1880, o romance Ben-Hur – A Tale Of The Christ, do escritor americano Lew Wallace
(1827-1905), chegou aos cinemas em 1907, pelas mãos do canadense Sidney Olcott.
Em 1925 foi a vez de Fred Niblo recontar a história que, em 1959, ganhou a
espetacular adaptação de William Wyler, arrebatando 11 Oscar e se tornando um
clássico, com a sua icônica sequência da corrida de quadriga. Agora, 109 anos
depois da primeira adaptação, o épico está de volta (na mais infiel das versões!)
às desaconchegantes salas dos shoppings, para jogar poeira nos olhos dos jovens
(principalmente evangélicos).
Ben-Hur (Ben-Hur, 2016), dirigido por Timur Bekmambetov, é um grande
imbróglio. O excesso de “liberdade poética”, com seus versos de pé quebrado, cometido pelos roteiristas
Keith R. Clarke e John Ridley, deixa a obra original de Wallace praticamente
irreconhecível. Nessa imitação
barata, a narrativa rasa gira, corre, dilacera, reza ao redor do judeu Judah Ben-Hur (Jack Huston) e do seu amigo romano Messala (Toby Kebbell), adotado (?) ainda
criança por sua família e herdeiro de uma ultrajante nódoa (?) do pai... Nem
Lew pensaria em tamanha sandice fraternal e ou penal! A amizade de ferro entre
os dois “irmãos” começa a enferrujar quando o nobre Ben-Hur é acusado de tentativa de assassinato (em mais uma
abominável intervenção absurda dos roteiristas na obra original) e o então
pretoriano Messala ajuda a condená-lo
a passar o resto da vida como escravo acorrentado às galés romanas.
Intervalo/spoiler:
Como devem ter achado (essa gente adora deixar sua marca de imbecilidade) que o
acidente do ladrilho (na cabeça do Pretoriano)
era insignificante para justificar a severa punição a Judah Ben-Hur (exílio e escravidão vitalícia), os "autores" criaram novos personagens
e reescreveram (?!) a cena, transformando o acidente em atentado,
ignorando que a força da trama (que provoca repulsa a quem lê o romance de Lew
e ou vê os filmes anteriores) está justamente neste “mero” detalhe: insignificância do acidente..., que
serve de combustível para que o invasor romano reforce o seu poder de opressão contra
qualquer ato (que lhe pareça) de rebeldia. Continuando:
O judeu promete sobreviver ao castigo e voltar para se vingar do ex-irmão. E
volta! O acerto de contas entre os dois ex-amigos se dará numa pista (vale
tudo) de corrida de quadrigas..., e, desta vez, com direito a um (inescrupuloso)
epílogo cristão! Intervalo/spoiler: Não
satisfeitos com a adulteração do acidente, também sumiram com personagens
importantíssimos no desenrolar do enredo (durante e pós-escravidão), mudaram a ordem
de acontecimentos e ajeitaram até mesmo uma (inacreditável!) punição divina (aqui se faz e aqui – ou no Céu – se paga) para o “terrorista” zelote.
É impossível assistir a este discutível Ben-Hur, de Bekmambetov, sem compará-lo aos bons filmes anteriores e, principalmente, ao romance de Lew Wallace, de onde os realizadores parecem ter se apropriado apenas de alguns detalhes (título, nome de personagens, encontro com Cristo, competição), já que o quê se vê na telona é um arremedo da história original. Ou melhor, é um resumão novelesco temperado com moralidade cristã. É claro que não se pode esperar muito de um filme puritano onde protagonistas usam calças compridas estilosas, possivelmente desenhadas e muito bem costuradas (a mão?) pelos “descendentes” do estilista afogado por Deus em Noé (2014), mas, numa produção que testa a paciência e fé do espectador, não é nenhum pecado esperar por um milagre. Em vão!
O certo seria
deixar o livro de Lew Wallace quieto na estante e a memória do cinéfilo vagar quando quisesse pelos
filmes realizados, porém, toda via caça níquel, já que a heresia foi cometida e
os lendários personagens acordados, vamos ao que interessa. Com seu enredo raso
e maniqueísta, focado na conturbada relação de amizade entre o bom (egoísta)
judeu Judah Ben-Hur e o mau
(egocêntrico) romano Messala, Ben-Hur força metáfora num “arco
dramático” onde a flecha da compaixão contra a intolerância é Jesus Cristo (Rodrigo Santoro) e o alvo da redenção
da humanidade é a sua cruz. Ideologia reforçada no simbolismo da corrida de
quadrigas, onde a fé de seus
condutores é representada nos carros puxados por cavalos brancos (Deus de
Israel = luz) e por cavalos negros (Deuses Romanos = trevas)..., dualidade já
vista nas cenas iniciais após um acidente com Ben-Hur. A impressão (que fica!) é a de que a motivação (subliminar)
da trama é tão somente a doutrinação cristã, a evangelização do espectador,
claramente pontuada em fracos diálogos (moralistas e pretensamente políticos) e
cenas de perdão a crimes cometidos em nome da liberdade e ou da soberba. Os
realizadores levaram mais ao pé da letra o “amai-vos
uns ao outros” que o próprio autor do livro.
Pautado por uma trilha pra lá de previsível e talvez pela
falta do quê dizer, excetuando as sequências da batalha marítima e da corrida
de quadrigas, suas cenas são breves e geralmente em planos fechados (haja
close!), para fazer o menos (cenários, personagens, figurantes) parecer mais...,
alguns enquadramentos, inclusive, lembram a versão de 1925. Seus personagens
(sem o menor carisma) claudicam a esmo pela narrativa, em busca de um rumo,
para que o enredo capenga não pareça uma aberração ainda maior. Embora não se
espere algum humor num drama religioso trágico, confesso que me diverti, ao
menos duas vezes. Uma: ao imaginar que Jesus Cristo poderia aparecer, assim
como Ben-Hur, Messala e Esther, vestindo
calças de couro/corino. Outra: na crucificação de Cristo, ao lembrar do
discurso proferido pelo centurião romano (George Clooney) no genial Ave Cesar! (2016), dos irmãos Coen,
que, aliás, presta divertida homenagem ao clássico de 1959.
Enfim, Ben-Hur é
um filme de ação (até) violenta, pouca aventura e nenhuma alegria que,
dependendo do conhecimento do espectador sobre os filmes anteriores e o romance
cristão, poderá ser recebido com: aleluia!
e ou: anátema!. Sem mais, desculpa o
trocadilho duvidoso: este Ben-Hur é bem
ruim.
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