quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Crítica: Águas Rasas


Águas Rasas
por Joba Tridente

De 1975, quando Spielberg lançou seu apavorante Tubarão, até os dias de hoje, quando a parceria Syfi/Asylum detona o bom senso com suas divertidas aventuras trash protagonizadas por grande variedade de tubarão, muita gente já foi atacada na telinha, na telona e na vida real por esses animais que, dizem os estudiosos, não gostam de carne humana, apenas confundem pessoas (principalmente surfistas) com focas. Pobres focas!  É claro que não é por causa do Steven e do Syfi que os tubarões, “revoltados” com tanta esculhambação da espécie (em vias de extinção), atacam os humanos, evidentemente..., e tampouco começaram a atacar em 1975.  Já o faziam muito antes e continuarão fazendo enquanto viverem por mares e oceanos afora.


Águas Rasas (The Shallows, 2016), thriller de aventura dirigido pelo espanhol Jaume Collet-Serra, é daquelas produções que, por conta dos seus devaneios, costumam deixar muito espectador confuso de suas (boas ou más) qualidades. O roteiro (até) simplório de Anthony Jaswinski acompanha a saga da texana Nancy Adams (Blake Lively), uma dedicada estudante de medicina e surfista gente boa que, em memória da mãe falecida recentemente, resolve passar uns dias numa paradisíaca praia mexicana. Mas, sabe como é, quando a tranquilidade do Paraíso é demais, até a Serpente da Árvore da Sabedoria desconfia. No entanto, diante de um cenário tão deslumbrante, cuja única recomendação do nativo Carlos (Oscar Jaenada) é o de não entrar nas águas à noite, a confiante americana se prepara cuidadosamente e mergulha naquele convidativo verde cristalino.


Num lugar de beleza ímpar, ideal para se esquecer todas as dores do mundo, a tarde vai chegando ao fim e um alvoroço de gaivotas próximo atiça a curiosidade de Nancy. Sabe aquela história de que não se deve incomodar um animal (nem de estimação) quando ele está comendo? Então, embora a surfista não tenha (?) a menor intenção de incomodar o festim das gaivotas numa carcaça sangrenta de baleia, acaba despertando a ira de um imenso tubarão branco, o dono da carniça, que a ataca e se põe a caçá-la. Acuada num pequeno afloramento de rocha em águas rasas, na companhia de uma gaivota, além de cuidar de um grave ferimento, Nancy precisa encontrar um jeito de se livrar do peixão (sempre à espreita!) antes da próxima (e fatal) maré alta.

É difícil falar da “trama” simples de Águas Rasas sem parecer spoiler (já mostrado nos trailers): uma mulher texana (inocente!) acuada por um tubarão branco (territorialista) numa praia mexicana. Para o espectador não satisfeito com a mera e esquecível “diversão” sádica, enquanto o tubarão caça a norte-americana loira de biquíni, pode passar o tempo especulando a “real” intenção dos realizadores ao contar uma história com imagens de tirar o fôlego: metáfora reversa ao xenófobo Donald Trump?..., o homem (predador) versus a natureza (violada)?..., os poderosos (até King Kong) preferem mesmo as loiras?..., o feminismo contra o machismo? Você decide!


Com pitadas de suspense (de pouco susto!) e indisfarçada pegada trash, principalmente no hilário desfecho do combate entre a “inteligência” humana e a força “animal”, Águas Rasas dá algumas pisadas em águas-vivas (ôps!), quando exagera no trauma e no melodrama familiar de Nancy, mas também encara boas ondas, quando trata da relação homem x tecnologia x natureza (numa cena breve mais muito significativa aos zumbis de celular que perderam a noção da beleza do mundo ao seu redor). As cenas risíveis de ataques do tubarão (a moralista e trôpega sequência completa - aqui se faz aqui se paga - é digna do Syfi/Asylum) são compensadas por outras bem resolvidas, como a da arrepiante suturação de um ferimento e a reposição gráfica de elementos tecnológicos (leia-se: textos e imagens de celular e de câmera de vídeo) na telona.


Águas Rasas não é uma história baseada em fatos e, portanto, Collet-Serra poderia dar nadadeiras à imaginação (servindo muito mais que o manjado pirão de cação) sem se ocupar com críticas à “liberdade poética”. Em vez disso, (invocando mas) menosprezando a vocação trash da narrativa, surfa perigosamente no túnel melodramático e desliza no sentimentalismo piegas. Um pouco mais de atenção (ou seria intencional?) evitaria que objetos de cena e diálogos entregassem parte da trama flutuante, subestimando o espectador mais atento. Tudo bem que seu anzol é destinado ao público adolescente, mas será que ele vai morder a isca de um enredo visivelmente raso e se deliciar pegando jacaré na marolinha?

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