quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Crítica: A Colina Escarlate


O Castelo de Otranto (1764), de Horace Walpole (1717-1797) é tido como precursor da literatura gótica, que tem em seu panteão nomes como Ann Radcliffe (1764-1823), Charles Maturin (1782-1824), Mary Shelley (1797-1851), Nathaniel Hawthorne (1804-1864), Edgar Allan Poe (1809-1849), Bram Stolker (1847-1912)... As principais características do “romance” gótico são: enredo melodramático, cenário sombrio, segredos (de família), maldições, manuscritos, terror (noturno), demônios, fantasmas (se arrastando pelas fendas).


O diretor Guilhermo del Toro traduz a essência do gênero no seu romântico A Colina Escarlate (Crimson Peak, 2015), uma fantasia à beira do melodrama, onde o grande destaque é uma velha mansão com seus “segredos” escabrosos ruindo no topo de uma colina sangrenta. A história “fantasmagórica” começa em Buffalo, EUA, na virada do século 19, onde a jovem adulta pré-feminista Edith Cushing (Mia Wasikowska), aspirante à escritora, enfrenta o preconceito de editores e de “amigos” por causa de seus manuscritos nada românticos e recheados de “fantasmas-metáforas”. Edith, que não abre mão do estilo gótico, prefere ser comparada a Mary Shelley do que a Jane Austen. Com o apoio do pai, o empresário Carter Cushing (Jim Beaver), ela pretende continuar escrevendo até conquistar um lugar num mercado dominado por homens. Na sua vida não há espaço para o amor. Escrever é a única coisa que lhe interessa.

Ou era..., até conhecer o galanteador baronete inglês Thomas Sharpe (Tom Hiddleston), que apareceu por ali em busca de recursos financeiros para um projeto audacioso. Loucamente apaixonada (à primeira vista), após um incidente com seu pai, a garota (audaciosa que queria ser escritora) se casa e vai morar com o marido e a irmã dele, Lucille (Jessica Chastain), na lúgubre Allerdale Hall, no alto da Colina Escarlate, num lugar qualquer da Inglaterra. Ah (isso não é spoiler!), esqueci de dizer o que del Toro não faz questão de esconder, Edith conversa com fantasmas e um deles, por duas vezes, a preveniu dos “perigos” da Colina Escarlate. Mas, sabe como é, aviso de fantasma é fugaz..., evapora rapidinho.


Escrito por Guilhermo del Toro e Matthew Robbins, o roteiro é meio rasteiro e se ocupa mais em homenagear os filmes “B” (ingleses) e as antigas hqs de terror (saudades da genial Kripta!) do que em contar uma história realmente amedrontadora. No primeiro ato tem duas sequências fantasmagóricas mais (ou menos) “assustadoras”, mas, no segundo, é apenas rotina despertada pelo “buuuuu!” do ruído sonoro. O clima de suspense, que conduz a narrativa na Inglaterra, desperta interesse mais pelo passeio nas entranhas da impressionante e decadente mansão dos “misteriosos” irmãos Sharpe do que pela visita dos fantasmas carentes que brotam sanguinolentos em qualquer lugar por ali.

Intencional ou não, o enredo de A Colina Escarlate nem é tão enredado (no horror) como promete. Muito menos é preciso ser lá muito esperto (se até eu consegui!) para desvendar os “segredos” e ou prever as intenções (os passos, os atos, os gestos) dos irmãos maquiavélicos em sua (previsível) senda. O que não é antecipado num diálogo aparentemente sem importância, será no detalhamento de uma imagem (ao redor). A trama mal costurada deixa muitos pontos (importantes) sem nó. Entre as linhas soltas (sem nexo!) a que mais incomoda é a mudança de personalidade (do vinho para o suco artificial) de Edith. Infelizmente não dá para citar as outras sem entregar de vez toda a “trama” que, como já disse, é nada complexa.
  

Todavia (adoro esta conjunção!), deixando de lado a história pouco inspirada do diretor e roteirista dos geniais A Espinha do Diabo (2001) e Labirinto do Fauno (2006), entre outros, há que se louvar a arquitetura estonteante da casa dos irmãos Sharpe, engenhosamente construída (no estúdio), que rouba (merecidamente) todas as cenas. Cada compartimento é um assombro (ôps!), uma pintura surreal valorizada ainda mais pela fotografia de Dan Laustsen, que não economiza nos enquadramentos. Assim como em Peter Pan, de Joe Wright, uma vez que a narrativa (bem intencionada?) perde o rumo, o que acaba valendo (e muito!) é o visual esplendoroso. As cenas das borboletas, nos EUA, e das mariposas, na Inglaterra, são puro deslumbre. Você pode até não gostar da história, mas é impossível ficar indiferente à cenografia, ao figurino e à fotografia.


Quando um filme chama a atenção mais pelos detalhes técnicos que pelo roteiro raso, e o susto é provocado mais pelo alto volume do ruído da trilha que pela sugestão da imagem espectral, me parece que alguma coisa está fora de ordem. Será? 

Enfim, considerando que o título gótico remete à melancolia de Edgar Allan Poe (de A Queda da Casa de Usher, 1839); que a clara homenagem ao soturno Peter Cushing e a Sherlock Holmes é singela; que mesmo não sendo páreo para a mansão em ruínas o elenco é excelente; que talvez o conteúdo pareça fraco porque é ofuscado pelo extraordinário visual; que a melhor sequência com humanos é a de Lucille alimentando Edith acamada (arrepiante!)..., se gosta da obra de Guilhermo del Toro, acho que vale dar um boa olhadela!

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