Os “filmes de tribunal” têm as suas peculiaridades: ou são muito interessantes
ou muito enfadonhos. Depende de como o diretor conduz a causa, encena o
espetáculo que já foi e cujo veredicto já é conhecido de quem acompanhou o
noticiário, o livro dos bastidores..., e ou desperta o interesse de quem não
tem a menor ideia do litígio. O “gênero” tem seus admiradores e, a não
ser que se queira ver tão somente a ilustração de fatos conhecidos via mídia e
ou explorados em livros, funciona melhor quando se sabe o mínimo (ou nada) da
história a ser contada. Só assim é possível mergulhar nesse universo judicial,
com suas picuinhas ardilosas, e aos poucos ir tomando pé da questão, para
“conscientemente” escolher um lado. Disse “conscientemente” porque, tanto no
teatro processual (nos tribunais) quanto cinematográfico, o espectador não está
livre de maniqueísmo.
A Dama Dourada (Woman
in Gold, 2015), dirigido por Simon
Curtis, é um drama que se ocupa em desfazer os intrincados nós de uma trama
que envolveu a judia austríaca Maria
Altmann (Helen Mirren) e o
governo austríaco pela posse do famoso quadro Retrato de Adele Bloch-Bauer (renomeado Dama Dourada), pintado por Gustav Klimt, em 1907. Adele era tia de Maria e o quadro, entre outras obras de
Klimt, pertencente à sua família, foi roubado pelos nazistas durante a ocupação
de Viena pelo Terceiro Reich, em 1938. Fugindo da guerra, Maria imigrou para os Estados Unidos e, sessenta anos depois, ao
saber que a Áustria estava com um projeto de restituição de bens roubados dos
judeus, tentou reaver principalmente o famoso quadro (considerado a Mona Lisa Austríaca) e viu que a tal
“restituição de bens” tinha lá os seus percalços. Acreditando nos seus direitos
patrimoniais, contratou o advogado americano Randol Schoenberg (Ryan
Reynolds) para um embate judicial, sem precedentes entre dois países (EUA e
Áustria), numa questão
cultural (literalmente) cara.
Vale lembrar que toda obra, seja literária e ou
cinematográfica (inspirada em fatos), dá margem a controvérsia. Há sempre algum
excluído da história querendo dar a sua versão. Há sempre alguém que não
concorda com as liberdades (“poéticas”) hollywoodianas. Não é diferente com A Dama Dourada, que destaca, em flashes, três períodos distintos - infância
(1907), juventude (1938) e velhice (1998) - da vida de Maria Altmann (que morreu em 2011, com 95 anos), centrando o
espectador nos motivos que a teriam levado a requerer a posse do quadro.
Para um espectador leigo (feito eu) o
satisfatório roteiro de Alexi Kaye Campbell parece
entrar no mérito da (real) motivação de Altmann,
na defesa de Schoenberg e ou no
interesse e ajuda providencial do jornalista austríaco Hubertus Czernin (Daniel Bruhl).
Todavia, encontrei (na web) vozes discordantes, acreditando que o script apenas
tangencia os fatos (reais), já que, mesmo tendo algo em comum (família/antepassados),
as razões de cada um soam diferentes e, por vezes, dá a impressão de que há algo entalado na garganta dos
personagens que jamais será dito. Talvez por isso (ou não!), há quem garanta
que a verdade está lá fora... Bem, eu é que não vou procurar!
A Dama Dourada tem narrativa fascinante, ainda que
pareça simplória e previsível no seu ir e vir nos tribunais austríacos e
americanos. Como é de praxe, quando o assunto é judeu, há algum ranço (clichê)
no período nazista..., e uma dose de pieguice na sequência final. Mas há,
também, a sutileza do subtexto (inconsciente?) sobre a indiferença do valor
(pessoal) de uma obra de arte e a diferença da valorização (comercial) desta
mesma obra de arte, tocando oportunamente na questão do pertencimento social,
econômico, cultural em tempos de guerra e ou de paz. Um lume a mais no pós-tribunal
nunca fez mal a alguém.
Enfim, considerando a direção caprichada de Simon
Curtis, o elenco afinado, a cuidadosa reconstituição de época e a bela
fotografia de Ross Emery, em uma produção que chega aos
cinemas para superar os três documentários
que já trataram da saga
judicial de Maria Altmann e Randol
Schoenberg, sem esgotar o assunto: Stealin Klimt (2007), de Jane Chablani; Adele’s Wish (2008), de Terrence Turner, The Rape of Europa (2007), de Richard Berge, Bonni Cohen e Nicole Newnham, e o livro: A Dama Dourada - O Retrato de Adele
Bloch-Bauer (2012), de Anne-Marie O’Connor..., A Dama Dourada é um bom entretenimento. Talvez
um bocadinho apressado (na acusação e defesa) nos tribunais. Mas, sem dúvidas,
um obra elegante e cheia de filigranas que pode ser a apreciada sem
moderação.
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