sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Crítica: Trinta


O carnaval carioca das Escolas de Samba pode ser dividido em antes e depois de Joãosinho Trinta, o mais renomado e premiado carnavalesco do país. Mas, quantos brasileiros ou estrangeiros, passistas ou espectadores do maior show da Terra, na Cidade Maravilhosa, conhecem por inteiro o gênio da Passarela do Samba que também brilhou, com outra intensidade, no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro?

João Clemente Jorge Trinta (1933-2011), maranhense de São Luiz, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1951, acalentando o sonho de estudar dança e se tornar um grande bailarino. A década não havia terminado e ele já fazia parte do Corpo de Baile do Municipal. Podia não ser exatamente o que esperava, mas já era um grande passo. Ali conheceu Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues, que o iniciaram na arte cenográfica. Para João, aprender tudo sobre cenários, figurinos e adereços foi o segundo grande passo, e o que o levou às grandes responsabilidades. Começou com a montagem das óperas O Guarani, de Carlos Gomes, e Aida, de Giuseppe Verdi, no Theatro Municipal, e consagrou-se na criação de desfiles carnavalescos monumentais e inesquecíveis.


Trinta, cinebiografia, com pitada de ficção, dirigida por Paulo Machline, que escreveu o roteiro em parceria com Claudio Galperin, Mauricio Zacharias e Felipe Sholl, não se propõe a contar toda a vida de Joãosinho Trinta, mas em recortar apenas dois momentos singulares: a passagem pelo Municipal, que sedimentou a sua formação artística, e o ano de 1973, quando mostrou toda a sua criatividade no desenvolvimento do enredo O Rei de França na Ilha da Assombração, pela Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro, e foi campeão (o primeiro dos muitos títulos).

A opção narrativa (fragmentada) é interessante e tendência no meio cinematográfico, todavia (a segmentação) pode passar uma ideia equivocada sobre o cinebiografado. Em Trinta, vale lembrar que, ao contrário do que dá a entender, o mestre do carnaval carioca não “caiu de paraquedas” no meio da Folia Salgueirense de Momo e se desvelou (do nada) para o mundo em 1974. Ele estava na Acadêmicos do Salgueiro desde 1965, como assistente de Pamplona e Arlindo Rodrigues, e, em parceria com Maria Augusta, já havia defendido a Escola, com o enredo Eneida: Amor e Fantasia, em 1973, ficando em terceiro lugar.


A ideia de fazer um filme sobre Joãosinho Trinta, segundo o diretor, surgiu logo após a leitura do artigo Joãosinho Trinta, boas e más de um destino, de Carlos Heitor Cony, publicado na Folha de S. Paulo em 2002. No período de pesquisa, Paulo Machline gravou mais de 60 horas de entrevistas e depoimentos do carnavalesco e de personalidades como Fernando Pamplona, Carlos Heitor Cony, Ferreira Gullar. Este material, além de referência para o futuro longa, resultou no doc A Raça Síntese de Joãosinho Trinta (2009). O documentário dirigido por Machline e Giuliano Cedroni, embora desritmado, traz revelações importantes sobre a formação escolar, artística e intelectual do artista erudito-popular, preenchendo lacunas de Trinta.


Trinta é um filme envolvente. Não há o que faça o espectador afastar os olhos da tela. A direção de Machline valoriza o roteiro enxuto e os diálogos irônicos ou (melo)dramáticos ou explosivos e divertidos, se saindo bem em praticamente todos os quesitos. O elenco, encabeçado por Matheus Natchergaele (sublime, na pele de Joãosinho Trinta) e com interpretações convincentes de Ernani Moraes (Germano), Paulo Tiefenthaler (Fernando Pamplona), Milhem Cortaz (Tião), Fabrício Boliveira (Calça Larga), Paolla Oliveira (Zeni Pamplona)..., é nota 10. A direção de arte, fotografia, figurino e a maquiagem (com ressalvas), também levam uma boa nota pela cuidadosa reconstituição de época. Apenas a trilha (aleatória demais) sonora atravessa. Porém, verdade seja dita, com Natchergaele em estado de graça, em cena, todas as falhas são perdoadas...


Trinta, aquele que disse sabiamente um dia que O povo gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual..., foi campeão em 1974, 1975, 1976, 1977, 1978, 1980 e 1983 e vice em 1986 e 1989, pelo grupo A..., e também campeão e vice pelos grupos B, C, D e Especial, nos anos seguintes. Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia (1989), da Beija-Flor, é considerado a sua obra-prima e o mais revolucionário dos enredos já vistos na avenida. No documentário A Raça Síntese de Joãosinho Trinta, o mestre conta o que o levou a criá-lo.

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