O carnaval carioca das Escolas de Samba pode ser
dividido em antes e depois de Joãosinho
Trinta, o mais renomado e premiado carnavalesco do país. Mas, quantos
brasileiros ou estrangeiros, passistas ou espectadores do maior show da Terra, na
Cidade Maravilhosa, conhecem por inteiro o gênio da Passarela do Samba que
também brilhou, com outra intensidade, no palco do Theatro Municipal do Rio de
Janeiro?
João Clemente Jorge Trinta (1933-2011),
maranhense de São Luiz, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1951, acalentando o
sonho de estudar dança e se tornar um grande bailarino. A década não havia
terminado e ele já fazia parte do Corpo de Baile do Municipal. Podia não ser
exatamente o que esperava, mas já era um grande passo. Ali conheceu Fernando
Pamplona e Arlindo Rodrigues, que o iniciaram na arte cenográfica. Para João, aprender
tudo sobre cenários, figurinos e adereços foi o segundo grande passo, e o que o
levou às grandes responsabilidades. Começou com a montagem das óperas O Guarani, de Carlos Gomes, e Aida, de Giuseppe Verdi, no Theatro
Municipal, e consagrou-se na criação de desfiles carnavalescos monumentais e
inesquecíveis.
Trinta,
cinebiografia, com pitada de ficção, dirigida por Paulo Machline, que escreveu o roteiro em parceria com Claudio
Galperin, Mauricio Zacharias e Felipe Sholl, não se propõe a contar toda a vida
de Joãosinho Trinta, mas em recortar
apenas dois momentos singulares: a passagem pelo Municipal, que sedimentou a
sua formação artística, e o ano de 1973, quando mostrou toda a sua criatividade
no desenvolvimento do enredo O Rei de
França na Ilha da Assombração, pela Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro,
e foi campeão (o primeiro dos muitos títulos).
A opção narrativa (fragmentada) é interessante e
tendência no meio cinematográfico, todavia (a segmentação) pode passar uma
ideia equivocada sobre o cinebiografado. Em Trinta, vale lembrar que, ao contrário do que dá a entender, o mestre
do carnaval carioca não “caiu de paraquedas” no meio da Folia Salgueirense de
Momo e se desvelou (do nada) para o mundo em 1974. Ele estava na Acadêmicos do
Salgueiro desde 1965, como assistente de Pamplona e Arlindo Rodrigues, e, em
parceria com Maria Augusta, já havia defendido a Escola, com o enredo Eneida: Amor e Fantasia, em 1973,
ficando em terceiro lugar.
A ideia de fazer um filme sobre Joãosinho Trinta, segundo o diretor,
surgiu logo após a leitura do artigo Joãosinho Trinta, boas e más de um destino, de
Carlos Heitor Cony, publicado na Folha de
S. Paulo em 2002. No período de pesquisa, Paulo Machline gravou mais de 60
horas de entrevistas e depoimentos do carnavalesco e de personalidades como
Fernando Pamplona, Carlos Heitor Cony, Ferreira Gullar. Este material, além de
referência para o futuro longa, resultou no doc A Raça Síntese de Joãosinho Trinta (2009). O documentário dirigido
por Machline e Giuliano Cedroni, embora desritmado, traz revelações
importantes sobre a formação escolar, artística e intelectual do artista
erudito-popular, preenchendo lacunas de Trinta.
Trinta é um
filme envolvente. Não há o que faça o espectador afastar os olhos da tela. A direção
de Machline valoriza o roteiro enxuto e os diálogos irônicos ou
(melo)dramáticos ou explosivos e divertidos, se saindo bem em praticamente
todos os quesitos. O elenco, encabeçado por Matheus Natchergaele (sublime, na pele de Joãosinho Trinta) e com interpretações convincentes de Ernani Moraes (Germano), Paulo Tiefenthaler
(Fernando Pamplona), Milhem Cortaz (Tião), Fabrício Boliveira (Calça Larga), Paolla Oliveira (Zeni
Pamplona)..., é nota 10. A direção de arte, fotografia, figurino e a
maquiagem (com ressalvas), também levam uma boa nota pela cuidadosa
reconstituição de época. Apenas a trilha (aleatória demais) sonora atravessa. Porém,
verdade seja dita, com Natchergaele em estado de graça, em cena, todas as
falhas são perdoadas...
Trinta, aquele que disse sabiamente um dia que O povo gosta de luxo, quem gosta de miséria
é intelectual..., foi campeão em 1974, 1975, 1976, 1977, 1978, 1980 e 1983
e vice em 1986 e 1989, pelo grupo A..., e também campeão e vice pelos grupos B,
C, D e Especial, nos anos seguintes. Ratos
e Urubus, Larguem a Minha Fantasia (1989), da Beija-Flor, é considerado a
sua obra-prima e o mais revolucionário dos enredos já vistos na avenida. No
documentário A Raça Síntese de
Joãosinho Trinta, o mestre conta o que o levou a criá-lo.
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