quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Crítica: Ender’s Game - O Jogo do Exterminador


O futuro pode ser previsto ou é o acaso que transforma a fantasia literária em (às vezes trágica) realidade? Se é que existe o acaso! Em 1977, o escritor Orson Scott Card publicou o seu perturbador conto de ficção científica Ender’s Game, que prenunciava a internet, o tablet, o drone, a guerra à distância etc..., transformado em romance e premiado em 1985. À parte a polêmica em torno do (conservador e moralista) autor e produtor do filme homônimo, escrito e dirigido com admirável competência por Gavin Hood, a obra, independente da tecnologia, traz à luz um questão social que muita gente quer escondida: crianças recrutadas e treinadas para matar em conflitos armados. Não nos faltam exemplos na América Latina, Ásia, África, Europa..., lembrados apenas quando uma tragédia civil (ou seria servil?) é grande o suficiente para virar manchete nas mídias que adoram explorar a miséria (?) humana.


Ender’s Game - O Jogo do Exterminador (Ender’s Game, EUA, 2013), considerado infilmável até por Card, tem por base também o seu livro Shadow de Ender (ponto de vista de Bean), história paralela ao Ender’s Game (ponto de vista de Ender). A adaptação para o cinema gira em torno de crianças especiais, treinadas para defender militarmente a Terra de alguma eventual invasão alienígena, principalmente dos Formics. A raça, que lembra formigas gigantescas, já tentou invadir a Terra, cinquenta anos atrás, mas foi rechaçada pelo herói Mazer Rackham (Ben Kingsley), desaparecido em combate. Agora, o alto comando de defesa acredita que os alienígenas sobreviventes estão se reorganizando para uma nova invasão e quer estar melhor preparado.  A aposta em um novo herói recai sobre o franzino e excepcional estrategista Andrew "Ender" Wiggin (Asa Butterfield), de 16 anos (no livro o garoto tem apenas 6) que, sob o comando do Cel. Graff (Harrison Ford) e da Major Anderson (Viola Davis), é testado exaustivamente em situações limite, com outras crianças, para se saber até onde vai a sua capacidade de superar todo tipo de humilhação e rejeição. A meta é que, com os treinos insanos, o adolescente encontre o equilíbrio perfeito, almejado pelos militares, para vencer uma guerra (sem deixar sobreviventes!).

 Atordoante, é o mínimo que se pode dizer deste drama sci-fi que incomoda pela violência (NÃO GLORIFICADA!) física e mental, a cada sequência mais e mais palpável. Seria praticamente impossível filmar e ou ver um protagonista de seis anos em tais situações. Se bem que a Hit Girl (Chloë Grace Moretz), a “inocente sanguinária” personagem de Kick-Ass - Quebrando Tudo, tem apenas 11 anos.  Mas os argumentos de um e outra são bem diferentes. Ender’s Game não é um filme de aventura-plataforma divertida no mundo da imaginação sideral, mas um drama (pesado!) de reflexão sobre os limites e ou a falta da diplomacia. Sobre desavenças sociais e raciais “resolvidas” na base do tiro ao alvo (atira primeiro e pergunta depois). Sobre a dificuldade que temos de compreender e ou ouvir o outro em suas diferenças cotidianas. Sobre temer aquilo (ou aquele) que desconhecemos. Sobre direitos civis e obrigações militares. Sobre as “sutilezas” do maniqueísmo governamental.


Ender’s Game é um das mais impactantes ficções dos últimos anos. É gélida! Provoca arrepios! Não há espaço para humor. Na verdade a complexidade da trama não abre brecha alguma para o humor. Mesmo um sorriso fortuito é desconfortável. Não creio que o humor faça falta, já que desviaria a atenção do foco principal. A aflição da sua narrativa só me parece comparável ao antológico Distrito 9, de Neill Blomkamp, que também trata das artimanhas do governo para atingir os seus (escusos) objetivos. Os diálogos são curtos e afiados feito navalha de duplo corte. No toma lá da cá do autoritarismo, a sublevação (que pode ser confundida com fina ironia) tem a força de um soco na boca no estômago. No “divã” da violência psicológica: Cel. Graff: “Eu não sou o inimigo!” e Ender: “Eu não tenho tanta certeza!”..., o zumbido vem do sopapo na orelha.

Produção impecável, efeitos especiais (gravidade zero) fascinantes, elenco admirável, com jovens atores dedicados, fazem de Ender’s Game - O Jogo do Exterminador um dos melhores sci-fi (com conteúdo) da recente safra. É difícil saber como uma trama que leva o espectador a discutir os meandros do poder (militar), a (i)moralidade da guerra (ao terror), tocará o público adolescente mais chegado a uma diversão-pipoca que a uma reflexão política. Todavia, se ao menos ele compreender a Jornada do Herói, já terá valido o seu tempo. Há muito que ela não era trabalhada com tanta habilidade e concluída de forma tão sublime. Geralmente, em exposições menos inspiradas, o herói acaba ficando pelo meio do caminho. Num mundo (ou seria tempo?) de (dis)simulações, onde o real e o imaginário estão ao toque dos dedos, ficar atento faz parte!

Um comentário:

  1. É um filme que é estratétca enseó rmuy mim, eu não podia acreditar que Ender Wiggins deu-lhe uma responsabilidade tão grande , até que eu sentei para assistir o filme completo .

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