quinta-feira, 12 de julho de 2012

Crítica: Na Estrada



On the Road, de Jack Kerouac, é um romance cult, um bíblia de bolso, digamos, para toda uma geração que nos anos 1960 caia (literalmente) na estrada em busca de novas experiências e (com e sem desculpas ou culpas) de si mesma. Se na literatura, destacam-se Kerouac (1922 - 1969) e o seu On the Road (Pé na Estrada, 1957); Allen Ginsberg (1926 - 1997) com Howl (Uivo, de 1956); William Burroughs (1914 - 1997) e o Naked Lunch (Almoço Nu, 1959); no cinema a grande marca da contracultura que ensaiava se espalhar mundo afora, foi, sem dúvida, o antológico road movie Easy Rider (Sem Destino, 1969), de Dennis Hopper (1936 - 2010).

Falar de On the Road, e ou da tal geração beat (não confundir com beatnik), cinquenta anos depois, soa mais como curiosidade histórica sobre alguns autores americanos que nos anos 1950/60 “contestavam” o American Way of Life estabelecido, mas que tiveram o seu próprio American Way of Life “incorporado” pelo sistema. Não é possível nem falar em alegoria, já que os atos (egoístas e egocêntricos) dos personagens transcendiam uma “espontaneidade” (ou seria conivência?) calculada, útil enquanto interessasse uma “certa vivência” para o “desenvolvimento” intelectual. Também conhecido como vampirização energética. Quem viveu em comunidade sabe do que se trata. Ou seja, se hoje (muita gente) viaja na maionese, naqueles idos o tranco da estrada era a tríade: drogas, sexo e literatura, embalada pela música do improviso: jazz.


Na Estrada (On the Road, França, EUA, Brasil, 2012), de Walter Salles, baseado no roteiro de José River (Diários de Motocicleta), pretende-se uma adaptação fiel, porém livre, da obra homônima de Kerouac. O romance (autobiográfico) de aventura conta a história do jovem escritor Sal Paradise (Sam Riley), que conhece o carismático rebelde (e aprendiz de marginal) Dean Moriarty (Garrett Hedlund, excelente!), e a sua tresloucada companheira e amante adolescente Marylou (Kristen Stewart), na companhia de Carlo Marx (Tom Sturridge). Apesar de formarem um “quarteto” de desejos não muito coesos, ou melhor, nem sempre saciados, e interesses em comum, apenas Sal (ou Kerouac), Dean (ou Neal Cassady) e Marylou (ou LuAnne Cassady) vão para a estrada “em busca” de inspiração, “experiência” e do próprio destino (ou para simplesmente curtir a vida, mesmo!), partilhando momentos (de depressão, amizade, sexo e solidariedade) com Old Bull Lee (Viggo Mortensen), inspirado em William S. Burroughs, com Camille (Kirsten Dunst), que seria Carolyn, a segunda mulher de Neal, e com o (aqui) “inconveniente” e inspirado Marx (ou Allen Ginsberg).

Na Estrada é um longo longa-metragem (136 min!) que requer muita paciência (mesmo!) do espectador, principalmente daqueles que não conseguirem se conectar com os personagens e ou com a narrativa lenta que, assim como o livro, é fragmentada e datada. Emoldurado pela belíssima fotografia detalhista de Eric Gautier, o filme caminha (ou se arrasta?) meio a esmo, sem uma estrutura dramática, um foco que prenda a atenção, que tire o espectador da passividade e da impressão de estar lendo (por falta de opção) uma notícia velha e nada atraente. Como não há um detalhamento, um aprofundamentos dos impulsivos personagens, pressupõe-se que o público saiba quem é quem (fruto ou não de inspiração real) e ponto final. E ou que vá ler o livro após a sessão e descubra o que há além das drogas, sexo e álcool, na desregrada vida estradeira pelos EUA dos anos 1940/50, segundo Kerouac.


Na verdade, este distanciamento, essa frieza do olhar, que se observa na trama, é uma característica de Salles em todos os seus mais e ou menos road movies e com resultado discutível: Terra Estrangeira (1996), Central do Brasil (1998),  Abril Despedaçado (2001), Diários de Motocicleta (2004). O enredo de Na Estrada, apesar de outra base, lembra uma estripulia crônica do gonzo Hunter Thompson (1937 - 2005), visto recentemente no tolo O Diário de um Jornalista Bêbado, dirigido por Bruce Robinson. O particular em ambos é que, ao final, já indiferente com o destino dos enfadonhos drogados estadunidenses (com sua tradicional prepotência em Porto Rico ou no México), “loucos” para vencer o tédio, a gente se pergunta: e daí?

Na busca da essência da obra de Kerouac, datilografada furiosamente em 36 metros de folhas de papel (emendadas pelo autor), em três semanas do mês de abril de 1951, muita coisa ficou para trás. Afinal, On the Road é um livro mais apropriado a dar asas à imaginação do que à redundante ilustração cinematográfica. Portanto, o risco de faltar algo na passagem e na paisagem do leitor é grande. Em sua leitura (essencial?) Walter Salles conta a história do viajante (e conservador) Kerouac de forma tão certinha (e moralista) que até as cenas de simulação sexual são broxantes. Optando (?) por uma linha narrativa mais deprê, sem espaço para humor e ou qualquer tipo de obstáculo mais convincente, a viagem “turística” dos garotos brancos parece fácil demais num país racista feito os EUA. Algumas sequências meio soltas, e sem sentido, também colaboram para o desconforto dos personagens e do espectador. É tudo OK! demais, até mesmo os “pequenos” furtos.


Na Estrada deve despertar o interesse de estudantes de literatura norte-americana contemporânea e daquele público (sessentão?) que de alguma forma viveu uma “rebeldia” parecida ou sentiu (mas não teve coragem) de um dia cair na estrada para expandir os seus conhecimentos. Hoje os tempos são bem outros, e as pessoas estão mais ligadas na liberdade vegetariana que na radical macrobiótica, mas sempre tem algum maluco esperando (ou tentando fazer) a oportunidade de dar adeus à burguesia e sair marijuanando por aí. Será?! Para compreender um pouco melhor a chamada geração beat, sugiro (como complemento a este On the Road on the rock) o fascinante filme Uivo (Howl, 2010), de Rop Epstein, que através de múltiplas mídias, trata do processo criativo do famoso poema homônimo de Allen Ginsberg e do inusitado e polêmico julgamento do livro Howl, por ser considerado obsceno.

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