On the Road, de Jack Kerouac, é um romance cult, um
bíblia de bolso, digamos, para toda uma geração que nos anos 1960 caia
(literalmente) na estrada em busca de novas experiências e (com e sem desculpas
ou culpas) de si mesma. Se na literatura, destacam-se Kerouac (1922 - 1969) e o
seu On the Road (Pé na Estrada, 1957);
Allen Ginsberg (1926 - 1997) com Howl
(Uivo, de 1956); William Burroughs (1914 - 1997) e o Naked Lunch (Almoço Nu, 1959); no cinema a grande marca da
contracultura que ensaiava se espalhar mundo afora, foi, sem dúvida, o
antológico road movie Easy Rider (Sem
Destino, 1969), de Dennis Hopper (1936 - 2010).
Falar de On the Road, e ou da tal geração beat (não confundir com beatnik), cinquenta anos depois, soa
mais como curiosidade histórica sobre alguns autores americanos que nos anos
1950/60 “contestavam” o American Way of Life
estabelecido, mas que tiveram o seu próprio American
Way of Life “incorporado” pelo sistema. Não é possível nem falar em
alegoria, já que os atos (egoístas e egocêntricos) dos personagens transcendiam
uma “espontaneidade” (ou seria conivência?) calculada, útil enquanto
interessasse uma “certa vivência” para o “desenvolvimento” intelectual. Também conhecido
como vampirização energética. Quem viveu em comunidade sabe do que se trata. Ou
seja, se hoje (muita gente) viaja na maionese, naqueles idos o tranco da
estrada era a tríade: drogas, sexo e literatura, embalada pela música do
improviso: jazz.
Na Estrada (On
the Road, França, EUA, Brasil, 2012), de Walter Salles, baseado no roteiro de José River (Diários de
Motocicleta), pretende-se uma adaptação fiel, porém livre, da obra homônima
de Kerouac. O romance (autobiográfico) de aventura conta a história do jovem
escritor Sal Paradise (Sam Riley), que conhece o carismático rebelde
(e aprendiz de marginal) Dean Moriarty
(Garrett Hedlund, excelente!), e a
sua tresloucada companheira e amante adolescente Marylou (Kristen Stewart),
na companhia de Carlo Marx (Tom Sturridge). Apesar de formarem um
“quarteto” de desejos não muito coesos, ou melhor, nem sempre saciados, e interesses
em comum, apenas Sal (ou Kerouac), Dean (ou Neal Cassady) e Marylou (ou LuAnne Cassady) vão para a
estrada “em busca” de inspiração, “experiência” e do próprio destino (ou para simplesmente
curtir a vida, mesmo!), partilhando momentos (de depressão, amizade, sexo e
solidariedade) com Old Bull Lee (Viggo Mortensen), inspirado em William
S. Burroughs, com Camille (Kirsten Dunst), que seria Carolyn, a
segunda mulher de Neal, e com o (aqui) “inconveniente” e inspirado Marx (ou Allen Ginsberg).
Na Estrada é um longo longa-metragem (136 min!) que
requer muita paciência (mesmo!) do espectador, principalmente daqueles que não
conseguirem se conectar com os personagens e ou com a narrativa lenta que,
assim como o livro, é fragmentada e datada. Emoldurado pela belíssima fotografia
detalhista de Eric Gautier, o filme caminha
(ou se arrasta?) meio a esmo, sem uma estrutura dramática, um foco que prenda a
atenção, que tire o espectador da passividade e da impressão de estar lendo
(por falta de opção) uma notícia velha e nada atraente. Como não há um
detalhamento, um aprofundamentos dos impulsivos personagens, pressupõe-se que o
público saiba quem é quem (fruto ou não de inspiração real) e ponto final. E ou
que vá ler o livro após a sessão e descubra o que há além das drogas, sexo e álcool,
na desregrada vida estradeira pelos EUA dos anos 1940/50, segundo Kerouac.
Na
verdade, este distanciamento, essa frieza do olhar, que se observa na trama, é
uma característica de Salles em todos os seus mais e ou menos road movies e com
resultado discutível: Terra Estrangeira
(1996), Central do Brasil
(1998), Abril Despedaçado (2001), Diários
de Motocicleta (2004). O enredo de Na
Estrada, apesar de outra base, lembra uma estripulia crônica do gonzo Hunter
Thompson (1937 - 2005), visto recentemente no tolo O
Diário de um Jornalista Bêbado, dirigido por Bruce Robinson. O
particular em ambos é que, ao final, já indiferente com o destino dos
enfadonhos drogados estadunidenses (com sua tradicional prepotência em Porto
Rico ou no México), “loucos” para vencer o tédio, a gente se pergunta: e daí?
Na busca
da essência da obra de Kerouac, datilografada furiosamente em 36 metros de
folhas de papel (emendadas pelo autor), em três semanas do mês de abril de 1951,
muita coisa ficou para trás. Afinal, On
the Road é um livro mais apropriado a dar asas à imaginação do que à
redundante ilustração cinematográfica. Portanto, o risco de faltar algo na
passagem e na paisagem do leitor é grande. Em sua leitura (essencial?) Walter Salles
conta a história do viajante (e conservador) Kerouac de forma tão certinha (e moralista)
que até as cenas de simulação sexual são broxantes. Optando (?) por uma linha
narrativa mais deprê, sem espaço para humor e ou qualquer tipo de obstáculo
mais convincente, a viagem “turística” dos garotos brancos parece fácil demais
num país racista feito os EUA. Algumas sequências meio soltas, e sem sentido,
também colaboram para o desconforto dos personagens e do espectador. É tudo OK!
demais, até mesmo os “pequenos” furtos.
Na Estrada deve despertar o interesse de estudantes
de literatura norte-americana contemporânea e daquele público (sessentão?) que
de alguma forma viveu uma “rebeldia” parecida ou sentiu (mas não teve coragem)
de um dia cair na estrada para expandir os seus conhecimentos. Hoje os tempos
são bem outros, e as pessoas estão mais ligadas na liberdade vegetariana que na
radical macrobiótica, mas sempre tem algum maluco esperando (ou tentando fazer)
a oportunidade de dar adeus à burguesia e sair marijuanando por aí. Será?! Para
compreender um pouco melhor a chamada geração beat, sugiro (como complemento a
este On the Road on the rock) o fascinante filme Uivo (Howl, 2010), de Rop
Epstein, que através de múltiplas mídias, trata do processo criativo do famoso
poema homônimo de Allen Ginsberg e do inusitado e polêmico julgamento do livro Howl, por ser considerado obsceno.
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